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domingo, 2 de junho de 2013

Mestre João e o Cruzeiro do Sul


O mês de maio foi bastante ingrato para a astronomia. Fui transferido para um universo paralelo cheio de luzes e sombras. Uma espécie de “Wonderland” onde não existia Alice.  Realizando um comercial pra uma grande marca esportiva eu e uma imensa equipe fomos parar no mundo dos espelhos. Uma gigantesca tenda com 400 m² cheia com estes entes reflexivos nos mais variados formatos e tamanhos. Um espaço muito louco e com horários de funcionamento determinados pelas vontades de um craque de bola que não nos dava muita pelota...  Foi assim por 20 dias (ou noites). Tudo isto em um estádio “condenado”. E nunca por menos de 18 horas em cada 24...
“Voltar para casa” foi muito bom. Olhar pela janela e avistar o Cruzeiro do Sul foi extremamente reconfortante. Realmente me senti de volta ao Brasil...
A história do Cruzeiro do Sul é intimamente relacionada à história do próprio Brasil. A menor das constelações é também uma das mais famosas. Com seu característico formato de cruz ele é conhecida e cantada nos dois hemisférios.

Cruzeiro do Sul e Saco de Carvão 

Mas até ser o Cruzeiro do Sul muitas navegações foram necessárias. E segundo as lendas a primeira vez que esta teve sua forma característica identificada foi durante a viagem de Pedro Álvares Cabral. A mesma que “descobriu” o Brasil.
Embora mais famosa a carta de Pero Vaz de Caminha é aqui ofuscada pela carta de João Faras. O Mestre João. Esta deve se tratar do mais importante documento astronômico de toda expedição de Cabral. Não só ela apresenta o primeiro esboço de céus austrais, identifica a forma do Cruzeiro e levanta a lebre de que as terras visitadas por Cabral não eram novidade nenhuma...
Mas fugindo das conspirações ela não deixa duvida de que foi o Mestre João o primeiro a atribuir o Nome de Crucis (Cruz) para a constelação que agora chamamos de Cruzeiro do Sul.  Suas observações são muito mais claras e evidentes que as realizadas pelo navegador italiano Américo Vespúcio.
Há pouca informação sobre este tão esquecido explorador, coomólogo, cientista, médico, piloto e etc... Em um site de origem suspeita descobri somente o seguinte:
João Emeneslau, Johannes Meister, Meister Johanne, o Mestre João de Fares ou João Faras – conforme registro na Torre do Tombo em Lisboa – astrólogo (?), médico e piloto da esquadra de Pedro Álvares Cabral, batizou e fez o primeiro levantamento oficial das estrelas que compõe a constelação do Cruzeiro do Sul. Registrou as coordenadas de Porto Seguro e a 1 de maio de 1500, em carta a Dom Manoel, o Venturoso, rei de Portugal à época dos descobrimentos, relatou suas descobertas.
Descobri ainda, agora graças ao grande Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, que ele era também um dos dois únicos judeus conhecidos na frota de Cabral.
Em sua carta ele fala:
“Senhor, ao propósito, estas guardas nunca se escondem, antes sempre andam em derredor sobre o horizonte e ainda estou em duvida que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o polo antártico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes como as do Carro; e a estrela do polo antártico, ou sul, é pequena como a do Norte e muito clara, e a estrela que esta acima de toda Cruz é muito pequena”.
No texto podemos perceber certa confusão. Mas de qualquer forma a referencia a Cruz e ao Cruzeiro são claras. Parece-me evidente que Mestre João talvez tenha avistado Sigma Octans (estrela polar sul) nestes tempos pré-telescópicos. E quais seriam as guardas que ele se refere também é difícil afirmar de quem se tratem. Afinal Alpha e Beta Centauro não são circumpolares da altura de Porto Seguro.  Mas sua comparação ao Carro (uma parte da Ursa Maior) e aos guardas (estrelas no Carro que apontam para a estrela polar Norte) deixa claro que ele realmente esta falando do cruzeiro e das cercanias do Polo celeste Sul.
È provável que o piloto de Cabral tenha avistado Nu Octans. E acreditado que esta trata-se da estrela polar Sul. Eu mesmo já fiz isto... E com Buscadoras, Binóculos e telescópios a meu dispor.
De novo graças ao Prof. Ronaldo Rogério de Freitas Mourão as únicas estrelas circumpolares facilmente visíveis a olho nu e logo ao alcance de Mestre João nas latitudes baianas seriam Beta e Gamma Hydra. As estrelas de Octans são bem discretas... E As estrelas do Cruzeiro não são circumpolares nas Latitudes por onde andava João quando pela Terra Brasilis.
Ainda em seu livro “A Astronomia na época dos Descobrimentos” o Prof. Mourão apresenta a poesia de Gerardo de Melo Mourão, na “Invenção do Mar” apresentando nosso herói:
“Mas na terra de Cabral
Elas foram primeiro reveladas
E nominadas por Mestre João-Mestre João Alemão-
Johannes artium et medicinae bachalaurius
descobridor de estrelas
e o físico-cartografo nelas viu o signo santo
                                              seu pentestrelo persignado
                                       desde a a estrela ao pé da cruz
                                                           até à g na cabeça.
Alpha e Gama crucis
Medidas em seus graus, chamadas por seus nomes.”

Em meio a esta carta de enorme valor ele apresenta o que é o primeiro mapa celeste do Brasil. E levanta algo da bruma que seu rebuscado texto causa aos modernos leitores... O piloto, cientista, médico e etc. parece que possuía uma visão muito desenvolvida.


Pelo desenho se deduz que o Mestre João de Farras identificou as seguintes estrelas: Delta Crucis, Acrux, Gacrux, Beta Crucis, Beta Centauri, Alpha Centauri, Alpha Circini, Beta Triangulo Austral, Gamma Triangulo Austral, Alpha beta Triangulo Austral, Épsilon Apodis, Xi Pavonis, Delta Apodis, Gamma Apodis, beta Apodis, Nu e Sigma Octans. É importante ressaltar que as modernas constelações austrais só foram definitivamente estabelecidas no século XVIII com o trabalho de Lacaille.
Se o antigo astrônomo localizou, de fato, a estrela polar sul permanece um mistério. Assim como se os antigos navegadores sabiam ou não de terras por estas bandas...

Com as histórias de Mestre João ou João Alemão na cabeça e com saudades de observar algo, tirar a poeira do “Newton” (meu refletor) e mais ainda de fazer algumas fotos eu me preparo para visitar as estrelas que formam o meu hospitaleiro Cruzeiro que, nesta época do ano, fica bem de frente para a minha janela na “Stonehenge dos Pobres”.
Nunca tinha fotografado todas as principais estrelas do Cruzeiro. E com meu corpo antigo e cansado deste meu viver no “Pais da Maravilhas” acho que seria um programa legal e fácil. Usando de exposições relativamente curtas e com alvos facilmente visíveis pelo LCD da câmera eu poderia ter uma calma e tranquila noite de astrofotografia e ainda visitar a “Cruz de João” e as estrelas que o mesmo batizou. Depois poderia ainda fazer umas fotos com minha zoom 18-55 mm do conjunto da obra. De novo sem alinhamento polar, mascaras de Bathinov, duvidas sobre o foco e contorcionismos junto a ocular. E ainda me sentido de volta ao lar.
Alpha Crucis ou Acrux é um belo sistema binário facilmente separável. Mesmo as mais modestas lunetas serão capazes de resolver este belo par. Ambas com uma cor esbranquiçada. Trata-se de um sistema binário verdadeiro e ambas as estrelas dividem um centro de massa comum. Na verdade trata-se de um sistema triplo com a componente c muito próxima para ser percebida de forma ótica (apenas 1 UA). Ambas as componentes visíveis são da classe B e muito quentes. Encontram-se à aproximadamente 321 anos luz de nós e sua orbita é bastante longa ao redor do dito centro de massa. Mais de 1500 anos. É também conhecida como a “Estrela de Magalhães”. Foi a Primeira estrela dupla que observei. E creio que a primeira que fotografei...
Depois de fazer algumas exposições de 4 segundos desta eu parto para Beta Crucis ou Mimosa. 
Esta é também uma dupla. Otica e espectografica. A estrela que voce ve a sua esquerda não é relacionada a ela fisicamente. Não chega ao esplendor de sua irmã maior, mas ainda assim é um espetáculo a parte. É uma estrela do tipo B e uma variável do tipo Beta Cephei. Apesar de jovem já consumiu a maior parte do hidrogênio em seu núcleo. É possivelmente a estrela de 1ª magnitude mais quente conhecida. 27.000 k. É uma daquelas que prefere viver dez anos a mil que mil anos a dez. Se encontra há 280 anos luz do Sol. Ela serve como marco para se chegar Ngc 4755, a Caixa de Joias. O DSO mais famoso do Cruzeiro do Sul.

Seguindo o sentido horário chego até Gama Crucis. A Rubiácea. Minha favorita. Uma bela dupla ótica de esquisito colorido. Sua principal merece o nome. Parece um grão de café cereja. Maduro e pronto para a colheita. O colorido da dupla garante o espetáculo. Também conhecida como Gacrux é a gigante vermelha mais próxima do Sol. 88 anos luz. Sua companheira ótica se encontra a 400 AL...






A próxima parada é Delta Crucis . A Pálida. Já mais apagada que suas colegas ela chega a sumir em noites de lua cheia e de forte poluição luminosa. Com um brilho branco azulado ela merece seu nome. Uma beleza pálida. Seu colorido me lembra de alguns filmes de vampiro. Ela já se encontra saindo da sequencia principal e esta se desenvolvendo rumo a tornar-se uma gigante vermelha. Seu tipo é B2 IV (subgigante) e ela se encontra a 345 AL da terra. Ela também é candidata a ser uma variável do tipo beta Cephei



E finalmente a Intrometida. A estrela que não devia estar lá. Apagada e avermelhada ela é difícil de perceber a olho nu aqui no Rio de Janeiro. Ela é uma gigante laranja da classe K3 III. Encontra-se há 228 anos luz da terra.









Como já vem se tornando um habito apresento abaixo as fotos realizadas e devidamente empilhadas tanto pelo Rot n Stack como pelo Deep Sky Stacker. Nem sempre consigo me decidir sobre qual é o melhor resultado. Embora saiba que o DSS é mais poderoso...
 
DSS - 50 exp. X 20 Seg  Canon 18-55 @ 35 mm f5


 
RnS- 50 X 20 seg Canon 18-55 @ 35 mm f5 ( Modo Mean)

Novamente percebo mais detalhes no DSS . Mas mais cores no RnS. Achei que tinha descoberto um meio de aumentar a saturação das fotos no proprio DSS. Mas desta vez não funcionou...

As fotos não sofreram grandes processamentos. E o resultado é "pretty much" o que sai do resultado de empilhamento. No DSS eu apenas ( como sempre é necessario) "desço na curva" RGB. No Rns (como sempre) faço um pequeno crop no Photo shop. 
As fotos das estrelas são apenas uma exposição de 4 segundos em cada uma sem acompanhamento. 


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