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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Ngc 6144: Escondido nas Luzes e nas Sombras


               

            Ngc 6144 é um globular que vive nas sombras. Tanto figurativamente como de fato. Habitando uma das mais belas paisagens dos céus nosso aglomerado reside a meros 40´ de Antares, o coração carmim de Escorpião, e a cerca de 1o a nordeste do muito mais famoso e muito mais próximo M 4. Este um dos globulares mais próximos da Terra e conhecido como o” Aglomerado Olho de Gato” pela faixa de estrelas brilhantes que cruza o globular.  Não só isto o nosso pequeno e discreto aglomerado habita “atrás” do complexo nebuloso a redor de Rho Ophiucus. Este uma nuvem de poeira localizada a meros 450 anos luz de nós e uma das mais próximas regiões de formação estelar. Barnard quando fotografou em 23 de maio de 1895 a região deixou bem claro quão deslumbrante é o cenário: “Uma vasta e magnifica nébula, intrincada em sua forma e conectada com muitas das estrelas brilhantes da região incluindo Antares e Sigma Scorpii e que possui escarças regiões de igual interesse em todos os céus”.  A região é um dos mais claros exemplos do que Herschel (descobridor de Ngc 6144) chamava de “Loch im Himmel”. Ou “Buracos no céu”.  Herschel “fantasiou” que tais regiões, por aparecerem geralmente próximas a ricos aglomerados estelares, poderiam ser fruto do vazio de matéria deixada por estes nas imediações de onde coletaram suas estrelas. No caso de Ngc 6144 tudo indicaria que ele seria resultado dos restos de M 4....
A paisagem...

                Apesar do que sugere a paisagem, as belas fantasias “herschelianas” se desfazem perante um quadro tridimensional. Enquanto Antares repousa a apenas 150 anos “atrás” do véu de poeira de Rho Ophiuchi, M 4 é um dos globulares mais próximos da terra a modestos 6650 anos luz de nós enquanto 6144 viaja distante a 21.000 anos luz de nós e a meros 8.500 anos do centro galáctico.
                Herschel descobriu Ngc 6144. É a entrada H 10 .VI de seu catalogo. A categoria VI de Herschel engloba “muito comprimidos e ricos aglomerados de estrelas”.  Nesta categoria de seu catalogo encontram-se muito aglomerados abertos brilhantes e muito ricos e brilhantes aglomerados globulares que Herschel considerava resolvidos. Ele descreve: “um muito condensado e consideravelmente grande aglomerado das mais tênues estrelas imagináveis, todas de uma cor “vermelho empoeirado” (dusky red color). A um passo de uma nébula resolvível.”
                Apesar da imensa extinção da região o globular brilha com magnitude 9.0. Mais brilhante que M 72 em Aquários e o mais tênue dos Globs Messier.  Isto indica que o brilho de Antares e “a poeirada” na região escondeu este de Messier e seus contemporâneos.

Ngc 6144 é cheio de antíteses.  Ele se acende em meio a poeira de Rho Ophiuchi e se “apaga” nas luzes de uma estrela gigantesca. Mas é uma figura poética e que que “explica” bem o caso.    Eu, mesmo sabendo onde ele se encontrava e existia, demorei anos para observa-lo de fato. Embora não seja difícil demanda alguma técnica e vontade. É um daqueles casos que de tão a vista está muito bem escondido. Mas como um aumento razoável e isolando o mesmo de Antares o aglomerado se revela e ensaia alguma resolução no Newton (meu telescópio newtoniano 150 mm f8). Nunca tentei um ataque a sério com o Galileu (meu refrator acro 900 mm f13).
                Com um tamanho real de 70 mil anos luz é um aglomerado pequeno e um exemplar dos chamados aglomerados do disco. Um pouco mais ricos em metais e mais jovens que os de halo. Mas não se emocione. Ngc tem cerca de 10 bilhões de anos (parece ser a idade mínima para globulares...)  e 1/56 do Fe presente no sol.      Muito semelhante a o mais conhecido M 80 que também habita por Escorpião.    

                O Chandra X-Ray Observatory localizou duas intensas fontes no aglomerado. Provavelmente variáveis cataclísmicas. Provavelmente dois sistemas compostos por uma anã branca primaria e uma estrela laranja gigante da sequência principal secundaria. Um dos sistemas foi confirmado pelo HST e pelo Chandra trabalhando em conjunto. Nestes casos a anã branca vai acretando material do disco da gigante laranja até o limite e explode (emitindo em Raio -X). A secundária, ao ter suas camadas mais externas “estripadas,” sobe de brilho. Uma vez ocorrida a explosão se reinicia o ciclo.  Mas não destroem as envolvidas como em uma supernova.
                Ngc 6144 é um bastardo. Nenhum dos guias observacionais clássicos o cita. Smith, Weeb, Olcoot e mesmo Burnham não apresentam o aglomerado (Burnham apenas o inclui no apêndice que abre cada entrada de constelações em seu Celestial Handbook e apresenta todas as estrelas (dignas de nota) e DSO´s contidos nesta). Bayer é o único dos observadores clássicos a descrever o aglomerado durante a elaboração do NGC. Tenho duvidas se mesmo John Herschel tenha observado de fato o aglomerado. Ele era um daqueles objetos sob medida para o “Projeto Tudo que Existe”. O globular se tornou mais popular em guias observacionais mais atuais. O´Meara o apresenta em seu “Deep Sky Companions: The Secret Deep”.  Neste ele nos diz que considera “bem visível com Antares em campo com um 5 polegadas a meros 33 X. E aparece como um bonito e uniforme brilho com cerca de 5´de diâmetro. Com visão periférica posso sentir uma irregularidade em sua forma e alguma granulosidade através de sua face, mas estes vislumbres são corrompidos pela luz de Antares.”  Mark Bratton em seu “The Complete Guide to the Herschel Objects” nos conta (e discorda de O´Meara) que o aglomerado está a 31.000 anos luz. E diz que “visualmente” é um objeto tênue e difuso localizado a leste de uma estrela de campo de 10a magnitude. Enevoado e mal definido este aglomerado globular é mais brilhante em direção ao centro. Levemente oval e alongado no sentido Norte-Sul. Algumas estrelas mais brilhantes se resolvem contra um fundo nebuloso”.   No super completo Catalogo do Lunginbuhl & Skiff a descrição é bem honesta. Especialmente para aqueles que observam mais ao norte do equador (para nós as coisas são um pouco melhores..) : “ Em um 150 mm este aglomerado é bem tênue. Um brilho pobremente concentrado 40´ a NW de Antares. Com 250 mm o aglomerado comece a se resolver parcialmente com 150 X. Estrelas de 13a magnitude começam a “piscar” sobre um fundo enevoado. Com 300 mm se resolve parcialmente. Uma faixa de estrelas alinhadas N-S se destaca do fundo.”

                Localizar Ngc 6144 é tão fácil como localizar Antares. Uma vez isolando este da gigante vermelha e com mais de 120 X de aumento o aglomerado começa a revelar algumas estrelas. Um grupo mais brilhante parece cortar o globular na sua região central e se apresenta fotograficamente com um telescópio de 150 mm (como descrito para um 300 mm na descrição de Luginbuhl). Esta barra remonta a uma mini versão de M 4 .  Seu vizinho mais famoso. 
                Um belo desafio para possuidores de telescópios de qualquer tamanho.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

M 20 : A Trífida e o Síndico


              M 20 é a Nebulosa Trífida. Uma das grandes damas da noite. Sua imagem é uma das mais icônicas da astronomia. Ícone é algo ou alguém que se distingue ou simboliza determinada época, cultura, área do conhecimento; imagem ou ídolo: a Guernica é um ícone do cubismo.

                M 20 é uma das representações, por excelência, de um DSO. Sua foto ilustra centenas ou milhares de artigos, capas de revista e o imaginário de todo e qualquer amador na astronomia.  Algo semelhante a nebulosa da águia e os pilares da criação (provavelmente a foto mais famosa do Hubble e da história da astronomia.  E assim como esta é muito melhor nas fotos do que a vivo. Uma modelo....
                No ultimo post do Nuncius Australis falei de M 21 e expliquei que não poderia falar de um sem falar de outro. Mas talvez pudesse até ter pulado M 21. Já a Trífida seria imperdoável.
                Missão dada missão cumprida. Vamos falar de M 20 com toda a atenção que esta merece. Este é um daqueles posts que foi até adiado devido a importância da moça. Algo com M31. Já até abordei o assunto, mas acabei me concentrando mais no seu entorno (a Nebulosa Porter-Mason) do que na sua parte mais nobre. Quem tem c... tem medo.

                Quem leu o post anterior sabe que M 20 reside e torna (em conjunto com a obra) esta região em Sagitário uma das mais dramáticas e lindas do céu. A Avenida Rio Branco da Via Láctea. A olho nú (e em locais escuros) ela faz par com M 8 (A nebulosa da Lagoa. Outra diva.) e com diversos abertos e campos estelares que tornam até difícil saber quem é quem. Ao contrario da Lagoa M 20 é pequena. Uma moça mais recatada. Porém de beleza muito delicada e traços incomparáveis. Uma DSO (gênero é algo ultrapassado hoje em dia...) de vários DSO`S. E não consigo imaginar a Trífida como algo diferente de uma musa.
                Como uma diva ela não revela seus segredos e nem seus agudos sem algum esforço. Me lembro até hoje (vão anos) da primeira vez que a vi. Ela não me deu muita bola e assim como Messier não percebi todos seus encantos. Ele é enganado por seu modesto telescópio e diz apenas “Aglomerado de estrelas, logo acima da eclíptica, entre o arco de Sagitário e pé direito de Ophiuchus.” Na sua descrição de M 21 ele fala de alguma nebulosidade envolvida.
                M 20 foi, provavelmente, observada anteriormente por Le Gentil em 1747. Messier a conheceu em uma noite especialmente feliz onde ele registrou ainda M 21, M19 e M 22.
                Sua experiencia (quero acreditar) foi muito parecida com a minha. Partindo de Kaus Australis fui navegando para oeste e esbarrei no caminho com M21. E obrigatoriamente cheguei também a M 20. Eram tempos do “Galileu” (meu Celestron 70 mm). Bambo que nem bambu em uma Eq 1. Ainda bem verde já sabia onde estava e treinei minha “averted vision”. Provavelmente influenciado pelas fotos que já tinha visto percebi alguma nebulosidade no que mais parecia uma estrela dupla. M 21 não me enganou e percebi apenas um aberto. Definitivamente não parecia as fotos do Hubble. A nebulosa escura que recorta a paisagem e empresta seu nome a dama não estava lá. Embora eu quase acredita-se nisto. Troquei a ocular pela 10 mm. Uma Kelner tabajara. Maior, mas sem nenhuma novidade. Como quem nunca comeu melado quando come se lambuza achei a paisagem sensacional.  Segui viagem e M 8 roubou o show.
                Tempos depois e já com o Newton (um refletor 150 mm) voltei a região e com os céus mais escuros (mas nem tanto) de Búzios e maior poder de fogo consegui perceber seu charme. Mesmo assim com muito tempo de observação e muito mais experiencia junto a ocular. E não eram as fotos do Hubble.
                Como disse as duas grandes musas são modelos fotográficos. E finalmente eu fotografei M 20. Continuou não sendo Hubble. Mas a Trífida se fez presente e merecedora de tanta seda rasgada.

                Visualmente ela é pequena e em escala de cinza. E/ou meu telescópio é pequeno (ele é). Mas é a Trífida. Percebe-se sua natureza e em céus escuros sua extensão (a Nebulosa Porter Mason) se faz presente e por um truque de contraste percebe-se até alguma cor...
                M 20 tem paternidade discutida. A Maioria dos autores concorda que Le Gentil observou a mesma enquanto inspecionou M8 (facilmente percebida a olho nu e um dos pontos mais brilhantes da Via Láctea). Stoyan defende que Messier é o pai da criança.  Já sua personalidade tripla parece ser percebida por John Herschel. Autores clássicos e habitantes do hemisfério norte (e possuidores de acromáticos) não fala nada a respeito (Smith e Webb). Herschel (filho) observou do hemisfério sul e com um refletor muito maior...  Ele foi quem batizou a criança. É o padrinho da Trífida. E a descreve assim; “... consiste de 3 massas nebulosas e irregulares gradualmente mais brilhantes em direção ao centro onde encapsula um forcado ou uma área vazia abruptamente sem luz como um vazio na nébula.... Uma linda estrela tripla é situada exatamente na borda de uma das massas nebulosas exatamente onde o vazio se bifurca em dois canais”.
                Burnham nos conta que sua estrutura Trífida é facilmente percebida com um telescópio de 200 mm. Com meu 150 ele é evidente com 120 X de aumento e em locais relativamente escuros. Do Rio de Janeiro é preciso muita fé...
                M 20 consiste de duas estruturas basicamente. A Trífida propriamente dita, que brilha intensamente em Ha e é uma nebulosa de emissão e um halo azulado (a Porter Mason) que é uma nebulosa de reflexão. A Trífida é a nebulosa de emissão e uma parente próxima de M 42 (a Grande Nebulosa de Orion). Porém muito mais jovem. A maior parte de suas estrelas nascituras continua escondida no escuro. Este aglomerado secreto não possui mais de 500.000 anos. Sua área ocupa algo como 15 anos luz e apesar de discussões parece se encontrar mais próxima que o entorno. Mas há divergência entre as fontes. Ela não pertenceria a imensa aglomeração OB de Sagitário. Estaria do lado oposto do braço de M 21. Em fotos do Hubble se perceba vários EGGs. Embriões de estrelas. Um local bem animado...

                Pela buscadora M 20 é um pequeno borrão em volta de uma brilhante estrela. Mas com M 21 para indicar o caminho é um alvo fácil. Conforme se vai aumentando o poder de fogo mais impressionante ela se torna. Céus escuros ajudam muito.
                Como modelo é uma delicia de se fotografar. Já fiz varias experiências. Atualmente resolvi levar astrofotografia mais a sério. Será alvo de uma expedição em breve. As fotos aqui apresentadas são fruto de algumas sessões observacionais, mas, sem muito compromisso. Estou vivendo uma história de amor com o PixInSight e creio que vá passar a fazer capturas mais a sério. Mesmo porque não preciso mais observar 40 objetos por noite. O fim da infância...
                 Uma das grandes damas da noite mesmo sem se apresentar. Uma diva com jeitão de Tim Maia...
- Vai Banda Vitória Régia. 
(Para quem não teve o prazer de ver o sindico se apresentar (vi 4 vezes) em noites ruins ele abria o show, mandava a banda arrebentar e voltava só para fechar o espetáculo. Dos quatro, três foram a sério. O outro foi a banda que tocou. Arrebentava...)

terça-feira, 12 de junho de 2018

M 21 : Uma introdução para M 20


                



            Há tempos devo uma apresentação de M 21 aqui no Nuncius Australis. Como venho retrabalhando diversas antigas fotos com o auxilio do poderoso PixInSight 1.8 e aproveitando o material para aprender a mexer com o software (que com muitos recursos não é exatamente autoexplicativo) acabei esbarrando em uma antiga foto de M 21.
                O problema é que esta trata-se de um crop sobre uma outra foto muito maior e que engloba a muito mais charmosa Nebulosa Trífida, M 20.


                M 21 é um pequeno aglomerado aberto que apesar de algumas opiniões divergentes não emplaca mais que I 2 p na classificação Trumpler (se você leva astronomia um pouco a sério deve conhecer a classificação Trumpler para aglomerados galácticos. Ou clique aqui). O p no final significa pobre... Assim é pouco mais que um nó de estrelas brilhantes.
                Há algum tempo escrevi a respeito de M 20. Mas por razões que vão muito além da vã filosofia acabei por dedicar o post mais ao apêndice (A Nebulosa Porter Mason) mais a norte da Trífida do que à M 20 propriamente dita. Provavelmente porque aqui no Nuncius Australis temos profundo carinho pelos astrônomos dublês de Dons Quixotes. Não que Mason fosse um “Cavalheiro da Triste Figura” como Burnham. Ele está mais para o “Cavalheiro da Triste História”.  

Treinando no PI. O programa não pinta. Mas funciona como um pau de arara. Se houver informação ele extrai. E com menos ruido que qualquer outro soft de processamento fotográfico que conheço. Pau a pau com o Photoshop só que com as ferramentas para astrofotografia já prontas. Esta captura foi feita com algumas poucas dezenas de fotos de 30 seg. ISO 1600. E para piorar a captura foi em Jpeg... A sessão de tortura começou com um Tiff empilhado no DSS ha alguns anos. 

                De qualquer forma é impossível falar de M 21 sem falar de M 20.  Embora exista a chance de que o alinhamento destes dois DSO´s trate-se apenas de uma das Coincidências de Adams (coincidências que nada tem a ver com as leis fundamentais do universo embora possam sugerir ter...) é possível que a reunião não seja casual. Ambos estão localizados entre 4 e   5000 anos de luz nós e mesmo estando separados por 1000 anos luz eles habitam o mesmo Microcosmo. Na verdade, uma das regiões mais dramáticas da Via láctea. Especialmente se você levar em conta que M8, a Nebulosa da Lagoa, habita logo ao lado e esta forma certamente par com M 8 em uma imensa região HII próxima a “décima terceira vertebra” (a região central da Via Láctea...). Em um paralelo com o conceito de “Naturgemälde” desenvolvido por Humboldt não se pode compreender as partes sem uma compreensão plena da paisagem. Mas aí já estamos retornando se não a vã filosofia pelo menos a geografia.
                Assim sendo façamos como o açougueiro: Vamos por partes. Hoje falaremos de M 21 e amanhã de M 20....



                M 21 é um aglomerado galáctico facilmente localizado junto a M 8. Em ambientes de forte poluição luminosa, geralmente, se chega primeiro a M 21 (partindo-se de Lambda Sagitário ou de Mu Sagitário) no caminho para M 20.  Ambos ocupam o mesmo campo em uma ocular de grande campo. No meu caso uma 40 mm e até mesmo e com jeitinho na 26 mm.  Messier localizou M 21 na noite de 5 de junho de 1764 (uma noite muito produtiva pois além de M 21 ele “descobriu” M 20, M19 e M 22). M 21 é uma descoberta original de Messier (M 20 foi provavelmente notada anteriormente por La Gentil em 1747) e com seu modesto telescópio ele nos deixou o seguinte testemunho: “Aglomerado de estrela próximo ao anterior (M 20). A estrela mais próxima conhecida próxima a estes dois aglomerados é 11 Flamsteed Sagitarii. As estrelas nestes dois aglomerados são de 8a e 9a magnitude e cercadas por nebulosidade.”
                M 21 não apresenta nenhuma nebulosidade (pelo menos não sem auxilio de um filtro de nébula e de um telescópio muito grande). Stoyan nos conta que a 1o a nordeste de M 21 habita Sharpless 34. Mas é alvo difícil mesmo em astro fotos e perceptível apenas com auxílio de um telescópio de ao menos 300 mm e utilizando um filtro de banda estreita. Messier certamente foi enganado duas vezes naquela noite. Nem M 20 é um aglomerado aberto nem M 21 apresenta nebulosidade. Smith em sua descrição no “Cycles of Celestial Objects” parece desvendar o mistério no que diz respeito a M 21: “Um frouxo aglomerado de estrelas telescópicas em um rico entroncamento galáctico. Ao redor do centro um conspícuo par. A. 9 mag. Amarelada; B. 10 mag.  Acinzentada; Pa 317o. d. 30.9´´ (1875). Messier inclui algumas periféricas em sua descrição (na minha copia não...) e o que ele menciona como nebulosidade tem que ter sido um agrupamento de estrelas mínimas no campo.”
                Webb não chega a dar uma verdadeira descrição do aglomerado, mas fala “de uma região brilhante (...a lucid region).
                Embora haja alguma divergência M 21 se encontra a cerca de 4000 anos luz e está localizado no braço espiral de Sagitário. Um pouco mais perto que M8 e M 20. Faz parte da associação OB1, e como todos os seus membros, é um objeto muito jovem. Há evidências de dois ciclos de formação estelar no aglomerado. Park et cia. Acharam estrelas de apenas 4 milhões de anos enquanto a maioria dos membros tem uma idade derivada de 7.5 a 8 milhões de anos. Forbes identificou 105 membros abaixo de magnitude 15.5 em um campo de 18´. Autores classificam o aglomerado entre Trumpler I 3 r e I 3 p. Como a classificação Trumpler é área de palpite liberado eu arrisco I 2 p.


                Com uma magnitude de 5.9 M 21 é visível a olho nu de céus escuros. Mas a região tão rica e clara que é difícil isola-lo na paisagem. Será facilmente percebido como um pequeno nó de estrelas com quase qualquer auxilio ótico. O´Meara em um arroubo "Rossiano" diz perceber uma estrutura espiralada em M 21. (Ross foi o proprietário do maior telescópio de seu tempo. O Leviatã. Foi o primeiro a perceber claramente estruturas espirais em varias galaxias. Depois começou a perceber espirais em tudo que observava....) 
                Depois de observar este aglomerado ultrajovem é só seguir viagem para nossa próxima parada: M 20. A Nebulosa Trífida.  

domingo, 10 de junho de 2018

M 93 e a Impostura Científica


            


      M 93 é o palco onde se desenrola uma daquelas histórias cômicas e venenosa que costumam permear a existência humana. Sendo uma das entradas mais austrais do Catalogo Messier não é lá muito lembrado nos livros clássicos por sua aparência. O que é já é, por si só, uma grande bobagem. É um belíssimo e rico aglomerado aberto em Puppis. Especialmente para os felizardos que habitam ao sul da Nova Inglaterra...

     Carrega o karma de ser sempre lembrado não pela modesta descrição feita deste por Smith no “The Bedford Catalogue” no segundo volume de seu maravilhoso “Cycles of Celestial Objects”. Na verdade, é mais lembrado pela indiscrição e certa maldade do geralmente politicamente correto Admiral Smith.  Neste ele nos conta da proeza do Chevalier d´Anglos. 

       Besteira é uma palavra com vários sinônimos: absurdo, bestice, bobagem, asnada, asneira, asneirada, asnice, baboseira, bestagem, burrice, calinada, despautério, despropósito, dislate, disparate, estultice, estultícia, estupidez, idiotice, imbecilidade, insânia, necedade, nescidade, pachouchada, palermice, parvoíce, patetice, sandice, toleima, tolice, tontice.

         Smith inclui mais um: “Angosiades”. Depois veio a se referir a todas as gafes astronômicas como uma “Angosiade”. Em uma adaptação livre cometerei um barbarismo e utilizarei o termo “angosiada”. Nos tempos de Smith o francês era a língua mais prestigiada e os galicismos eram mais comuns que os anglicismos atuais...
Chevalier Dangos

          O Chevalier d´Angos  ( Jean Auguste D´Angos – 1744-1833) foi um dublê de químico e astrônomo obtendo resultado desastrosos em ambas as ciências. Cavalheiro de Malta (assim como Villegagnon) primeiramente colocou fogo no Observatório no `Palácio de Valetta realizando um experimento com fosforo. E posteriormente fez má fama descobrindo cometas inexistentes e/ou confundindo DSO`s com estes.  M 93 foi um desses casos e o erro foi divulgado amplamente por Smith. Encke, particularmente, o perseguia ferozmente.  Sua última “angosiada” antes de cair no ridículo total foi descobrir o planeta Vulcano. Este orbitaria mais perto do Sol que Mercúrio.

           M 93 carrega ainda a honra dúbia te ter sido a ultima entrada do Catalogo Messier descoberta pelo “Eu Profundo” de Messier. Daí para frente todas as entradas originais foram obras de “outros eus”. Especialmente Méchain.

         Messier descobre o aglomerado em 20 de março de 1781 e o apresenta de forma breve: “Aglomerado de pequenas estrelas sem nebulosidade”.

        Smith depois de destilar seu veneno contra o picareta D´Angos nos diz “um elegante grupo na forma de uma estrela do mar”.  E Webb é ainda mais conciso: “um brilhante aglomerado em uma rica vizinhança.”

     Burnham tem uma impressão muito semelhante à minha e percebe uma massa central evidentemente triangular ou em forma de cunha com estrelas se espraiando por um diâmetro aparente de cerca de 25´. Ressalta ainda que K.G. Jones percebe uma borboleta de asas abertas. Posso até conseguir perceber isto também...

      Algo que adoro no Burnham´s Celestial Handbook (além do livro todo...) é que as fotos que o ilustram não são tão melhores que as que consigo realizar por aqui. E M 93 especialmente elas são tão ruins quanto.  Quiçá piores. Deveria ser um hobby ingrato fazer astrofotografia amadora ( e mesmo profissional) nos anos 60.

        M 93 habita o lado oposto do braço de Orion habitando a 3400 anos luz de nós. Bonnato calculou que este se espalha por 23 anos luz e seu núcleo possui cerca de 2. 3 anos luz. Sua massa é calculada em 1700 massas solares e sua idade já vai na casa de 400 milhões de anos.

   Duas estrelas alaranjadas se sobressaem na paisagem. são membro reais do grupo e duplas. Fazem parte do catalogo Aravamudam e são Ara 2066 e Ara 2064. Como quase sempre sua cor é alvo de controvérsias...



     Scott Houston nos afirma que M 93 é perceptível a olho nu a partir de sua residência na Nova Inglaterra. Logo, aqui do Tropico de Capricórnio, deveria ser tarefa fácil. Sabendo onde olhar e em local bem escuro é factível...   Facilmente localizável a partir de Asmidiske ( Xi Puppis) e utilizando Aludra ( Eta Canis Maj) como apoio. Facilmente notado na buscadora

     O´Meara em seu “Deep Sky Companions: The Messier Objects” chama atenção para um interessante padrão que posteriormente a leitura percebi. M 93, especialmente pela buscadora, possui um padrão assimétrico que recorda um olho de gato. Recordando assim o globular M 4.

     M 93 é um belíssimo alvo visual onde se percebem estrelas de diversas magnitudes compondo um quadro com mais de 50 estrelas facilmente percebidas. Eu o enquadraria na classificação Trumpler como I 3 m.