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segunda-feira, 28 de março de 2016

A Espada de Órion




            A constelação de Órion domina o céu de nosso verão austral. Carrega sobre seus ombros as  brilhantes Betelgeuse e Bellatrix . Com as três Marias ( Alnitak , Alnilam e Mintaka) marcando o cinturão do caçador e com Rigel e Saiph para o sustentar como suas pernas é um das primeiras constelações que o astrônomo amador vai conhecer.
                Com pouco esforço  o amador vai perceber a espada de Órion dependurada em seu cinturão.
                Quando se olha para esta peça  a maioria vai concordar que a espada é representada por uma linha de três estrelas facilmente percebidas a olho nu. Sem muito esforço percebe-se que a estrela central se apresenta "esfumaçada".  Theta Orionis é esta estrela e o esfumaçamento é M 42 . A Grande nebulosa de Órion.  Poucas visões causam maior excitação ao astrônomo noviço que perceber a olho nu a mais famosa das nebulosas.  E esta só aumenta com o auxilio de qualquer equipamento óptico que começa a revelar ainda mais detalhes desta grandiosa paisagem. M 43 rapidamente se junta ao conjunto.  E este acaba por roubar a cena de uma das regiões mais belas do céus.  A  região é lotada de outras nebulosas e aglomerados que acabem sendo engolidos por M 42. Mas a espada de Órion apresenta varias outras histórias que merecem ser contadas .
                Logo de cara é importante notar que a estrela mais ao norte da espada de Órion não é só uma estrela ( assim como a estrela central que já falamos...) . Trata-se  de Ngc 1981. Um aglomerado aberto . Este agrupamento frouxo de 20 ou mais estrelas  cobre uma área comparável a uma lua cheia. Com o uso de Binóculos se resolvem cerca de uma dezena de estrelas. Nela se abrigam duas belas estrelas duplas que são as mais brilhantes do pacote. Struve  750 e Struve 743. Belas duplas binoculares.  Smyth em seu "Cycle of celestial Objects" destaca que Struve 743 é um belo desafio para pequenos telescópios e que requer um bom seeing para serem separadas. 
                Ngc  1981 foi identificada como uma entidade individual pela primeira vez por John Herschel em  1827.    Ele a descreve assim: "  Aglomerado bem brilhante , circular mas levemente irregular, estrelas (brilhantes)  dispersas".  
                Esta localizada a 1.300 aos luz de nós.  Faz parte do cinturão de Gould e possui uma idade de aproximadamente 5 milhões de anos . Um belo trabalho a respeito de Ngc 1981 foi realizado por  pesquisadores  brasileiros . (  http://arxiv.org/pdf/1005.3047.pdf ).
                Agora no extremo  sul surge a estrela mais brilhante da espada. Iota Orionis. E junto com ela uma daquelas confusões que merecem algum esclarecimento. Ngc 1980 é uma nebulosa associada  a Iota Orionis mas que a maior parte dos astrônomos ignora e que acaba se confundindo com  M 42 propriamente dita. Mas ele possui sua história própria.
                Ela nasce em 31 de janeiro de 1786 quando William Herschel  escreveu: " Iota Orionis e suas estrelas vizinhas são envoltas em uma nebulosidade leitosa extremamente tenue de grande extensão." Ele catalogou esta nebulosidade como  o 31objeto de sua classe V ( nebulosas extremamente grandes) .
                Qualquer um que observe Ngc 1980 vai perceber que ele esta envolta por um loop que se lança de M 42. Não só isto . Ngc 1980 é também um belo aglomerado aberto liderado por Iota Orionis ( esta uma tripla...) fazendo deste um objeto bem complexo . Como Herschel fala em estrelas envolvidas na nebulosidade  também é atribuída a ele a descoberta do aglomerado associado a nebulosidade  hoje conhecido como Ngc 1980. A fim de colocar mais lenha na fogueira hoje em dia ha quem chame o aglomerado de Collinder 72 e a nebulosidade apenas de Ngc 1980.  É importante lembrar que tudo isto faz parte da grande nuvem molecular de Órion que tem em seu coração M 42.
                Agora de volta a o meio da bagunça visitaremos o que é conhecido como o complexo de Ngc 1977. Esta nebulosa hoje dia conhecida como "The Running Man Nebula"  esta a 1500 anos luz daqui e foi observada por William Herschel em 30 de Janeiro de 1786 que a descreveu da seguinte forma: " A 1a  e 2a c Orionis e as estrelas a sua volta são envoltas  em uma nebulosidade  extremamente tênue e de brilho pouco homogêneo."
                Ngc 1977 é uma nebulosa de emissão e de reflexão das mais brilhantes e uma das maiores provas da capacidade de M 42 roubar o show. É incrível que esta só tenha sido registrada como um ente independente já no fim do seculo XVIII.  E novamente a nebulosidade tem estrelas envolvidas. Mas neste caso as estrelas são muito espalhadas para que se suponha que Herschel e seus modestos 15´ de campo de visão esteja se referindo a elas. E assim embora alguns considerem o aglomerado e a nebulosidade como Ngc 1977 a maioria dos livros ,  atlas e programas planetarios loteiam o "Complexo  Ngc 1977" em Ngc 1977 ,  Ngc 1975 e Ngc 1973. Tudo em volta de 42 e 45 Orionis...
                Depois de fazer este reconhecimento da espada visite Orion e percorra toda Grande Nuvem Molecular  que engloba tanto M 42 e 43 , os convidados acima apresentados e mais M 78 , a Nebulosa da Chama , a  Cabeça de Cavalo e diversos abertos no grande complexo OB de Órion.
256 exp X 30 Seg -Canon T3- zoom 75 -300 mm @ 75 mm f 5.6  HEQ 5 pro.
 
                Orion além de ser uma constelação dominante é uma das áreas mais dinâmicas nos nossos arredores  galácticos .  Um curso completo de astronomia em uma unica constelação.


Ngc 1647: A Lua Pirata

             

           Ngc 1647 é um aglomerado aberto pouco estudado e habitando próximo as Híades é muitas vezes ignorado pelo amador desavisado. Apesar disto tudo ele é figura fácil em  livros clássicos e esta presente em diversos desafios observacionais . É um dos "400 de Herschel" e esta presente entre os  "Hidden Treasures"  de O´Meara.

                Em uma noite dedicada a constelação de Touro acabei por fotografar este belo aglomerado aberto enquanto descansava a vista para continuar a busca por M 1.
                Embora diversos autores me digam que 1647 é percebido a olho nu eu sou obrigado a discordar. Mesmo em locais muitos escuros este esparso aglomerado galáctico com magnitude 6.4 deve requerer olhos muito mais bem calibrados que os meus...
                O apelido que aqui apresento é novamente uma invenção do O´Meara. A partir do que ele percebe com um binóculo 7X50 mm . Creio que sempre vou invejar a acuidade visual do cabra e sua criatividade. Mas as vezes acho que ele força a barra:
" Através de binóculos 7X50 Ngc 1647 é um adorável aglomerado apresentando-se como um fantasmagórico brilho arrendondado com um tamanho aparente maior ao de uma lua cheia que por isto chamo de "The Pirate Moon Cluster" ; as estrelas do aglomerado se apresentam em grupos disparatados que mimetizam as áreas claras e escuras que vemos na lua a olho nu ( e o que seria de uma história de piratas sem uma lua fantasmagórica?) "
                Definitivamente o aglomerado não me levou tão longe . O aglomerado apresenta , para mim, um padrão espiralado de estrelas sem uma grande aglomeração central. Uma espécie de M 7 em miniatura. Algo como uma galaxia em espiral onde os braços se resolvem em estrelas.
                Mesmo em minha buscadora (9X50) eu resolvo alguns membros no aglomerado e este não possui o tal brilho fantasmagórico. Não necessitei de  muita ampliação para resolve lo na integra e achei que o melhor resultado foi obtido com 40 X de aumento. O uso de maiores ampliações permite localizar diversas estrelas  duplas dentro do aglomerado.
             Pesquisando descubro que este tem mais semelhanças com M 7  que poderia supor apenas pela sua forma. Com cerca de  190 milhões de anos estes são contemporâneos . E como Ngc 1647 esta 11 vezes mais distante ele é na verdade maior que M 7.  Na verdade ele é muito maior que suas vizinhas mais famosas , as Híades.  Enquanto estas se espalham por  aproximadamente 14,5 anos luz nosso longínquo amigo se espalha por mais de 20 anos luz. Fosse ele 1000 anos luz mais próximo este seria como M 7. E visível por todo o hemisfério norte.
                Ngc 1647 foi descoberto por William Herschel em 15 de fevereiro de 1784. Sua descrição nos leva a crer que ele não  tinha certeza de este tratar-se de um aglomerado "puro sangue":
" Um aglomerado consideravelmente grande , com estrelas bem esparsas , talvez uma ponta aparente da Via Láctea ". 

                O Rev. Webb também descreve de forma confusa o aglomerado em seu " Celestial Objects for Common Telescopes":
"Estrelas de 8.5 a 10.0 magnitude. Arredondado par aberto". Provavelmente falta uma virgula entre arredondado e par aberto...
                O aglomerado é real e O´Meara contou cerca de 200 membros. Como o aglomerado é pouquíssimo estudado o numero de membros reais é duvidoso.   Sua distancia é aceita em 1700 anos luz de nós.

                A foto que abre o post é resultado do empilhamento de 15 fotos com 20 segundos de exposição . ASA 1600. Foram utilizados cerca de 6 dark frames. Foi utilizado apenas o Deep Sky Stacker no pós processamento. O telescópio utilizado foi um Newtoniano 150 mm f8. Canon T3. Montagem HEQ 5 Pro.
               

                Mais um dos "400 de Herschel" . E uma visita obrigatória mesmo na nobre vizinhança de Touro.  

segunda-feira, 7 de março de 2016

Ngc 6752 e 6397: Os Globulares Marinhos

           
         

      O mês de fevereiro foi bastante intenso . Fui escalado para realizar um projeto na paradísica Fernando de Noronha.E minha esposa foi demitida.  Mesmo com todas as preocupações associadas ao trabalho em questão e a preocupação com o saldo bancário da cara metade  minha maior fantasia era sobre os céus escuros que poderia encontrar na ilha. Sabendo que cada quilograma de bagagem contaria para o transporte do equipamento necessário para  filmagem eu ainda assim consegui contrabandear meu "Pau de Dar em Doido" ( um binóculo 15X70) e Hipátia ( minha montagem EQ3-2) para trabalhar em conjunto com uma lente 70-300 mm.
                O céus são de fato muito escuros e em certas noites realizei sensacionais passeios com o " Pau de Dar em Doido". Mesmo que lutando contra um céu a "la Hermes de Aquino" ( Nuvem Passageira...)  eu tive visões incríveis da Plêiades , Híades e de diversos abertos em Auriga , Touro e etc... Uma noite foi especialmente recompensante deitado nas areias da Praia do Boldró . Percebi diversas galaxias no aglomerado de Virgem. Mas realizar longas exposições eram uma tarefa bem ingrata e a alternância de momentos de céu claro com chuva tornaram quase impossível a realização de astrofotografia. A única noite que me dispus a colocar Hipátia em campo terminou em correria para salvar todo o equipamento da chuva.
                O arquipélago é  um habitat diurno. Uma das maiores maravilhas astronômicas que você vai ver  é de caráter muito cotidiano. Diariamente eu via o por do sol. No ultimo dia me lembrei que gostava de escalar e em um ato de determinação escalei o "Piquinho" para observar este evento. Ainda nesta noite fiz algumas das poucas fotos astronômicas da viagem. Hipátia foi até Noronha a passeio.


                
                


                Como me disseram os locais oitenta por cento das maravilhas do arquipélago estão debaixo da água...








                De volta a "Stonehenge dos Pobres" eu , já saudoso de DSO´s e ainda sobre os efeitos da viagem, resolvi capturar dois globulares que pela forma  tem forte relação com o ambiente marinho.
                O primeiro deles é Ngc 6752 . Este foi apelidado por O´Meara como o aglomerado "Estrela do Mar".   Sua observação visual definitivamente justifica o apelido e em minha modesta foto realizada com forte poluição luminosa e com pouco tempo de captura o efeito permanece. Em registros mais "sérios" esta impressão se perde um pouco.  
                Localizado na constelação de Pavão  ( que é a encarnação celestial de Argo, o construtor do navio dos Argonautas) esta estrela do mar é o quinto globular mais brilhante dos céus e também um dos mais fáceis de ser resolver em estrelas individuais . Nem tanto devido a sua concentração ( que é bem alta) mas devido a sua proximidade de nós e a a magnitude de ramo horizontal (13,7) . Devido a isto tudo  Ngc 6752 é um dos globulares que sofreu colapso do núcleo mais estudados e que nos deu uma grande compreensão dos fenômenos envolvidos neste processo e de das estruturas geradas da evolução dos globulares em geral. Assim  sabemos que no núcleo interno deste de 20 a 40% de suas estrelas são binarias . Também foram encontradas diversas "blue stragglers"  e pulsares de raio X.
                Ngc 6752 se apresenta evidente em meu 10X50 e chega a começar a se resolver em suas bordas com o 15X70. Mesmo no Rio .
                Quando observado com o "Newton" ( refletor 1500 mm f8) ele apresenta seu caráter marinho claramente e justifica seu apelido. 


                

              Foi descoberto por Dunlop durante seu levantamento realizado em Parammata , na Austrália, em 1827. É a entrada de numero 259 de seu catalogo. Ele o descreveu assim:
"[Uma nebulosa bem grande e brilhante, com 5´ou 6´ de diâmetro. Uma figura arredondada e irregular e facilmente resolvida em um aglomerado de pequenas estrelas. Extremamente comprimida no centro ; A parte brilhante no centro é causada por estrela de magnitude considerável quando comparadas com outras na nebulosa. Me sinto inclinado a crer que se tratam de dois aglomerados alinhados ; a parte brilhante esta um pouco ao sul do centro da grande nebulosa"

                Com magnitude 5,4 ele chega a ser percebido a olho nu em locais bem escuros.  Partindo-se de Peackock ( Alfa Pavo) em direção a cauda do Pavão ele será facilmente localizado com auxilio de qualquer buscadora óptica mesmo em céus urbanos.  É um globular que merce mais destaque e que devido a sua posição muito austral é pouco comentado .Juntamente com nosso próximo convidado ele compõem bem com a sagrada trindade composta por Omega Centauro, Tucana 47 e M22.            Continuando em busca de globulares com algum "caráter marítimo" eu acabo visitando um dos poucos objetos do catalogo Lacaille que ainda não apresentei por aqui. Nossa próxima parada é em Ara e naquele que pode ser o aglomerado globular mais próximo de nossa casa. Ngc 6397.  Este foi apelidado por mim mesmo. Suas estrelas , com o auxilio luxuoso de meia garrafa de um espirito das highlands escocesas , me levaram a ver um cefalópode mutante . Um polvo com nove pernas. Daí para o lúdico exercício de batizar coisas muito maiores que as nossas estruturas cotidianas como algo que as "humanize" foi um passo . Nasceu o "Aglomerado do Polvo Mutante".  Com certeza bem maior e assustador que o pequeno exemplar que encontrei entocado e apavorado na Baia de Sueste...



                Ele forma um belo par com o aglomerado anterior e é também um dos 20 aglomerados globulares que sofreram colapso de seu núcleo e assim possuem uma imensa concentração de estrelas em pouco espaço. Algo  sempre interessante para a astrofísica ...

                Como falei ele pode ser o aglomerado mais próximo da terra. Atualmente as bolsas de aposta na Inglaterra pagam mais para ele do que para M4 . Mas a incerteza ainda admite reviravoltas e jogar no azarão as vezes compensa...  Sua distancia é estimada em 7200 anos luz de nós e  a de M4 é de 6.800.  Com magnitude 5.3 é um desafio para ser observado a olho nu em céus nem tão escuros . Estando perto de  Beta Ara ele é facilmente localizado com o uso de qualquer buscadora óptica.




                 
                 6752 ele se apresenta facilmente em meu 10X70 e começa a querer resolver-se em sua bordas . Resolvem-se varias estrelas com o uso do "Newton" e mesmo do "Galileo" ( um refrator 70 mm) .


                Ngc 6397 é o quarto Globular mais brilhante dos céus perdendo apenas para a já citada Trindade. E deixa no chinelo os tão cantados M 13 e M15...
                               O aglomerado cobre uma área significativa ( 0,5o) mas o que se percebe mais claramente é seu núcleo super denso. Afinal sofreu um colapso...
                Ele foi listado pôr Lacaille  em  1755 como a entrada de numero 11 da categoria III  de seu catalogo de Nebulosas ( estrelas acompanhadas de nebulosidade) ; Em sua tradicional síntese ele não diz mais nada... Cabe a Dunlop revelar sua natureza de forma um pouco mais expansiva: "  Nebulosa resolvida em estrelas.". É a entrada 336 de seu catalogo.
                É um outro favorito e mesmo sóbrio percebo seu aspecto cefalópode. ´Beta e Gama Ara formam uma bela e colorida dupla no caminho para o "Polvo Mutante " e este é um passeio que gosto muito de fazer.
                As fotos de Ngc 6397 foram realizadas em Búzios. São resultado de algumas dezenas de exposições de 20 segundos com o "Newton" e com uma Canon T3 . 1600 ASA. O Rascunho de polvo foi feito com o Photoshop. O empilhamento foi feito no DSS.
                Saudades de Noronha. Reza a lenda que o tempo é mais firme em setembro...


                P.S. Não fui  a nenhum ato contra a Dilma. Mas agora irei. Sinto que o contracheque da cara metade ( que não chega mais...) vai atrapalhar meus planos para fotografar o aglomerado de Virgem este mês.