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segunda-feira, 28 de maio de 2018

M 50 : Paternidade, PixInSight, Photoshop e Grande Greve


      


      Com o país a beira do colapso, minha conta bancaria solidária a nação, o carro sem gasolina e a lua quase cheia não me vejo observando tão em breve. Que fique registrado que este post foi realizado durante aquela que será lembrada como a “Grande Greve de Caminhoneiros de 2018”. Uma versão menos romântica e menos trágica que a “Grande Fome da Irlanda”. A última foi causada com a ajuda da Phytophtora Infestans. Ambas compartilham a pouca vergonha dos governantes.
Desta forma me resta caçar DSO´ que tenha fotografado e que tenham acabado relegados devido a outros objetos mais interessantes ou a capturas abaixo da média. M 50 é um destes casos.
            Mas engatinhando no PixInSight 1.8 (uma espécie de Ferrari dos programas de processamento de fotos astronômicas) achei que deveria dar as fotos de M 50 realizadas durante a Aporema (uma festa que remonta ao período pré-colombiano aqui na Pindorama) de janeiro uma nova chance. É impressionante o que se pode fazer com o bichinho. Especialmente se usar um coquetel de 1 parte Photshop e 1 parte PixInSight. É um caso típico de “O impossível a gente faz agora. Milagre demora um pouco...”.

Não é nenhuma Brastemp. Mas é M 50 "cuspido e escarrado"... 

            Primeiro M 50.
Trata-se de um belo aglomerado aberto.  Acho estranho que não seja mais cantado em prosa e verso. Embora, seja dito, que na língua de Camões exista pouca literatura sobre o céus... Nenhum guia observacional clássico foi jamais traduzido para o português.
            O grande aglomerado em forma de coração habita a constelação de Monoceros  (Unicórnio).  Sua paternidade é alvo de interessantes histórias envolvendo os tais guias observacionais clássicos. Smith em seu “The Bedford Catalogue” (que é como ele batizou o segundo volume do seu livro e guia “Cycles of Celestial Objects”. Como seria de se supor o Observatório de Smith se localizou em Bedford.) fala que M 50 é uma interessante dupla. O evidente aglomerado em sua volta era apenas um “plus”. E  ele nos diz que Messier descobriu o aglomerado em 1771 e o descreveu como “uma massa de estrelas mais ou menos brilhantes”.  Seu contemporâneo Reverendo Webb parece ter se impressionado mais... Se refere ao grupo como - Um Brilhante aglomerado, h (John Herschel) nos diz que com 30´. Com uma estrela vermelha. Entre Sirius e Procyon; 1/3 mais próximo da última. Em uma soberba vizinhança aonde o Criador teria “Semeado de estrelas, o céu é denso como um campo.”
            O guia de Webb foi substituído quase um século depois pelo hoje já histórico “Burnham´s Celestial Handbook”. Neste Burnham atribui a descoberta de M 50 a Cassini antes de 1771. Depois desmente Smith e nos conta que Messier descobre o mesmo de forma independente apenas em 1772 (é verdade. Messier observou M 50 em 5 de abril de 1772). Para alimentar nossa curiosidade acrescenta que Bode também o registra em 1774 procurando por um objeto reportado por Cassini. Importante frisar que estamos falando de Giovani Domenico Cassini (descobridor da Divisão Cassini nos anéis de Saturno). E que a descrição que leva a isto está no livro “Elementos de Astronomia” de seu filho Jacques Cassini (escrito em 1740).
            Tratando-se de DSO´s do Catalogo Messier costumo utilizar 3 fontes mais atuais para checar os fatos. A primeira é o Guia do Stoyan para os Objetos Messier (“Atlas of the Messier Objects; High Lights of the Deep Sky”). Este nos diz que é quase certo que M 50 foi uma descoberta de Cassini. Depois deste a próxima parada é o “Deep Sky Companions; The Messier Objects” do O´Meara.  Este também nos diz ser “possível” que M 50 seja uma descoberta de Cassini.  Por fim gosto de olhar a pagina da SEDS para o catalogo Messier. De novo é “possível” que Cassini tenha “furado” Messier. Na minha modesta opinião a raiz de todo o problema está no fato que Cassini de fato observou algo em Monóceros. Mas não marcou sua posição. Como Bode nos diz: “Em 2 de Dezembro de 1774 eu procurei observar a “estrela nebulosa” a qual M. Cassini diz ter visto entre o Cão Maior e Menor, e da qual não consegui localizar em local algum a descrição de sua posição. Eventualmente localizei, nesta região, ao norte de Theta, Um e Gamma na cabeça de CMa ou abaixo da barriga do Unicórnio um pequeno aglomerado em superfície nebulosa.”  Na região abundam abertos. Mas M 50 é um dos mais evidentes. Logo ...    
            Como falei o aglomerado é pouco cantado. O´Meara nos diz que M 50 é “um obscuro aglomerado em uma obscura constelação”. Um objeto Messier dificilmente pode ser muito obscuro. Mas levando-se em conta a lista ...Ok!
            Localizado a 2900 anos luz de nós e com um diâmetro aparente de aproximadamente 15´ pode-se calcular que o mesmo ocupe cerca de 13 anos luz de galáxia. Dependendo de quem o vê sua classificaçãoTrumpler varia entre I 2 m, II 3 m até II 3 r.  Como palpitar na escala Trumpler é permitido eu aposto em II 2 r. Ou seja um aglomerado que se destaca do fundo com leve concentração central e com mais de 100 membros. Clarie et al. Identificou 109 membros entre 175 candidatos no campo de M 50. Estudos mais recentes e com muito mais poder de fogo chegam a mais de 2000 membros com magnitude limite de 23.  Estudos ainda mais recentes indicam uma idade de mais de 100 milhões de anos. E assim é pouco provável algum parentesco (outrora suspeitado) com Ngc 2353 e a Nebulosa de Roseta.


            Localizar M 50 não é difícil. Seguindo uma linha que sai das Três Marias e segue para um local entre  Sirius e Procyon vai acabar te levando até ele. Há outros aglomerados na região para se esbarrar. Mas ele é o mais evidente. Que o diga Bode...

Antes de "roubar" no Photoshop. Apenas 12 exposições de 30 seg 1600 ISO stacked no Rot n Stack

            De volta a nossas fotos o “Aglomerado do Coração” foi registrado de Nova Friburgo em noite sem quase nenhum compromisso com a astrofotografia. E com um alinhamento polar realizado apenas para poder apresentar as crianças algumas maravilhas celestiais. O resultado foi que com o andar da noite as crianças foram dormir e o céu acabou ficando bem mais transparente que o esperado. E assim forcei uma barra para tirar algumas fotos de dois abertos do catálogo Messier que nunca tinha registrado (embora já tivesse observado ambos algumas vezes) M 50 e M 93 (do qual tinha recordações mais exatas).  M 50 me surpreendeu. Grande brilhante e colorido. Tinha que fotografar. E assim consegui cerca de uma 10 de imagens com bastante rastro.
            Provavelmente devido a isto estas fotos ficaram esquecidas por um bom tempo. Empilhei o lote utilizando o Rot n Stack. Fotos muito toscas não servem para o DSS (Deep Sky Stacker). Ele se recusa a empilhar.
            Ao longo do post   vocês devem ter percebido que fotos péssimas nunca ficam muito boas. Mas quase sempre é possível se obter um registro de DSO´s mais brilhantes sem grandes pretensões ou tempo. Evidentemente o material não se prestará a grandes ampliações. Mas será excelente referencia para a identificação de DSO´s. 
            Uma técnica pouco digna, mas muito funcional para reduzir o rastro das estrelas com o Photoshop. Duplique o layer de fundo e “escureça” o layer duplicado. Depois corra o layer superior sobre o de fundo e veja as coisas se ajeitando. O PixInSight resolve bem o gradiente de fundo de fotos que foram capturadas sem a realização de darks ou flats. Venho percebendo que em capturas realizadas com câmeras DSLRS os flats são mais importantes que os darks ou Bias. Outra coisa é que o PixInSight é um programa que demanda mais estudo... comecei a ler o “Inside PixInSight”.  Vou estudar. E na próxima lua nova quero fazer uma captura mais séria de alguns DSO´s para poder “brincar” mais a sério com o novo brinquedo.... Andei testando realizar o stacking no PI. Mas é bem mais trabalhoso que no DSS. O procedimento descrito no livro realmente pode ser que leve a resultados superiores. Mas não sei se tanto...

terça-feira, 15 de maio de 2018

M 68 : O Globular do Corvo


            


       O Catalogo Messier possui 29 aglomerados globulares. Há anos venho buscando fotografa-los. Devido a aquelas coincidências que nada tem com as leis fundamentais do universo (coincidências de Adams) M 68 acabou sendo o antepenúltimo destes que fotografei. Curiosamente foi um dos primeiros que observei. Ao contrario do que Messier nos diz em seu catalogo eu acho M 68 facilmente visível e graças a sua posição em relação as estrelas de Corvus facilmente localizável. Mas o tendo observado diversas vezes tinha como certo que já deveria ter fotografado o mesmo. Ao organizar minhas fotos descubro que não era verdade. E desta forma este que é um fácil aglomerado globular acabou sendo capturado em uma noite fria e nebulosa onde quase tudo deu errado. Mas como aqui no Nuncius Australis mais vale a captura que a foto propriamente dita chegamos ao ponto onde nos encontramos agora.

            M 68 carrega ainda uma outra coincidência consigo. Ele é o último objeto incluído na segunda parte do catalogo Messier. Este na forma que foi publicado possui 103 entradas e dividiu-se em 3 fases. Sua primeira versão (da qual sou o orgulhoso proprietário de uma cópia digitalizada) é de 1771 e foi publicada nas Memoires de l´Académie de Sciences de 1774. (Objetos de 1 até 45). A segunda parte é de 1780 e foi publicada no mesmo Memoires só que desta vez na sua edição para o ano de 1783. Incluindo aí as entradas de 46 até nosso querido M 68.  Sua ultima etapa foi publicada no Memoires de 1784. Que acaba em M 103. Postumamente foram incluídas as entradas de M 104 até M 110.

            Como disse Messier o considerava um alvo difícil: “9 de abril 1780 – Nebulosa sem estrelas abaixo do Corvo e da Hidra. É muito tênue e difícil de se perceber com os refratores; próximo a uma estrela de 6a magnitude.”

            A primeira vez que observei M 68 foi com o “Galileu” (um refrator de 70 mm f13). Estava na Armação dos Búzios. Embora não se resolva e seja apenas um esfuminho é bastante evidente e revela sua identidade mesmo para uma buscadora 8X50mm.

            A “paternidade” de M 68 é alvo de alguma disputa. Glyn Jones nos diz que foi Méchain seu descobridor. O´Meara também assim o diz em seu "Deep Sky Companions: The Messier Objects" Mas a maioria dos autores garante ser este um “Messier Original”. Este sempre deu os créditos nas descobertas de seu grande colaborador. 

      Herschel Pai (William) fala de um aglomerado bem concentrado sendo como sempre o primeiro a resolver os globulares de Messier. Já Herschel Filho (John) diz resolver este facilmente. Entre os guias mais clássicos de todos (Smith e Webb) também há conflito. Enquanto Smith parece apanhar do clima inglês e nos dizer que só percebe “uma nebulosa grande, arredondada e muito pálida” seu conterrâneo e contemporâneo e em geral mais modesto reverendo Webb fala em “bem resolvido” e de uma estrela rubi... M 68 pertence a classe X de concentração de globulares. Portanto mais para um aglomerado pouco concentrado do que para um muito e insolúvel grupo de estrelas muito espremidas.
Drizzle. 


            Observado com o Newton (me refletor de 150 mm f8) com 120 vezes de aumento eu pendo para o lado de Webb. Mas não resolve sua parte mais nuclear. Percebo estrelas no terço exterior do mesmo e nenhuma cor. Na noite que este foi fotografado as coisas estavam bem ruins e neste caso a descrição de Smith seria mais apropriada.

            M 68 é um aglomerado típico do halo galáctico. Possui uma orbita bem excêntrica, não habita perto do núcleo (entenda Ophiucus, Sagitário e Escorpião), sua orbita leva mais de 500 milhões de anos e pode estar a mais de 100.000 anos luz do núcleo galáctico. Segundo Stoyan tem mais e 10 bilhões de anos (o que me parece pouco...) e baixa metalicidade.  Possui 42 estrelas variáveis conhecidas sendo 40 destas do tipo RR Lyrae tão típicas de globulares.  Atualmente se encontra a 36.000 anos luz de (e se aproximando) e possui um tamanho físico de aproximadamente 120 anos luz.
            O biônico O´Meara acha que M 68 é um belo desafio para vista desarmada. Talvez no Atacama... Sendo um globular bem austral para o catalogo Messier é compreensível que este o considerasse difícil, mas de latitudes mais austrais é alvo fácil para binóculos 10X50 mm. Com grandes telescópios é fácil se perceber a estrela avermelhada citada por Webb. Localiza-se 5´ a noroeste do núcleo de M 68.


            Navegar até este é fácil. Considerando a linha que liga Algorab (Delta Corvus) até Kraz um passo siga aproximadamente mais meio passo e chegue até seu objetivo.
Rot N Stack Modo mean utilizando um dark frame auto gerado ( que geralmente leva a uma coloração meio esverdeada das fotos...). Esta imagem recorda muito o aglomerado quando o bservado visualmente em condições ideais com cerca de 60X de aumento ( exceto pelo verde)

            As fotos aqui apresentadas foram realizadas em noite muito enevoada e o alinhamento polar feito "de ouvido". O material capturado em RAW não rendeu. Fui obrigado a converter tudo em JPEG e empilhar as poucas fotos obtidas no Rot n Stack. O Resultado final foi muito ruido e algum verde... A fim de me livrar do verde que vemos na foto logo acima foi fácil . O Photoshop transforma tudo em uma escala de cinza com um único click... Astrofotografia é a maior diversão.