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terça-feira, 23 de abril de 2019

As Galáxias de Leão e o Universo Próximo.


    

    Na última Aporema (uma festa astro-indígena-pagã) comemorada as vésperas da Pascoa os objetivos observacionais estavam traçados. A Partir das terras de José Eustáquio (um misto de Astrônomo, pescador e bucaneiro) e do cacique Aporema (cacique tupinambá de visão extremamente acurada) iriamos visitar as Galáxias do Super aglomerado de Virgem. Uma espécie de irmão mais velho no universo “local”. (Um disco com o diâmetro de 100.000.000 de anos luz). Assim os alvos iniciais da festa poderiam ser considerados parte deste. Eram todos membros do grupo Leo I e como indica o nome habitam a constelação vizinha a Virgem. Leão.

              Mas apesar da presença do imenso aglomerado de Virgem, Leão tem seu Super aglomerado particular. E este se divide em dois grupos. Leo I e Leo II.  Curiosamente Leo I fica “para cá” do Aglomerado de Virgem (35.000.000 milhões de anos luz) e Leo II fica “para lá” das galáxias virginianas (65.000.000  e além de anos luz). O passeio no leva a explorar uma boa parte do universo próximo. Basicamente quase tudo ao alcance de telescópios amadores modestos... Será ainda uma bela ajuda para compreender a geometria do espaço ao nosso redor.
              Todos os alvos que pretendia visitar em Leão são membros de Leo I. Mas como a fotografia é uma poderosa ferramenta eu acabei por “descobrir” Leo II. Foi uma grata surpresa. Vivendo e aprendendo. E meu passeio acabou me levando mais de 10.000.000 de anos rumo ao passado do que o programado. O “Doc” Brown ia ficar morto de inveja. Creio que o De Lorean não possua tanta autonomia...
           Meu objetivo primeiro era registrar o maior número possível de galáxias Messier em Virgo. Mas meu alvo inicial era M 105. Devido ao Horário e a geografia do observatório Buziano essa era a primeira a se colocar em posição favorável a captura e esquivar-se da Poluição luminosa causada pela atual Armação dos Búzios, antigo Arraial dos Peixes onde habitou José Eustáquio.
            Na primeira noite fracassei retumbantemente nesse objetivo. Neste momento estava realmente tentando ver meus alvos e numa noite visual o set up incluía o Newton (meu refletor 150 mm f8) Mas para não perder a viagem ataquei outros membros do Grupo Leo I. O famoso Tripleto de Leão se apresentou. E assim temos uma bela amostragem do grupo na foto abaixo. Nesta, embora eu não soubesse ainda comparecem diversos membros do mais distante Leo II.    

        Quem quiser se divertir e descobrir quem mora aonde visite http://nova.astrometry.net/annotated_full/3341648 e boa sorte. Há um mar de galáxias IC no limite do resolvível para o set up utilizado na foto. (Uma lente 300 mm f4.5) Pela análise da foto acredito que o limite esteja em torno de galáxias com 0.7 Arc Seg. E com magnitude por volta de 14, 5. Vai ser algo entre o ruído e a matéria na foto ampliada ( link acima) ... 

Ngc 3596 é um membro distante de Leo I (50.000.000 AL). Está a cerca de 50.000.000 de anos luz. E é um alvo querido por observadores com maior poder de fogo do que eu... O tripleto em si (M 65, M 66, Ngc 3628 e quiçá 3627) é viável para possuidores de telescópios mais modestos. 
                Por motivos práticos estabeleci na minha busca parâmetros para determinar quem habita aonde. Moradores de Leo II habitam entre 65 milhões de anos luz e 95 milhões de anos luz. E os alfarrábios os dividem em 11 grupos. Capitaneados pelas seguintes galáxias; Ngc 3169, 3190, 3227, 3254, 3338, 3370, 3396, 3504,3607, 3640 e 3816.  Para se aprofundar em Leo II esse aqui é um bom começo. http://www.atlasoftheuniverse.com/galgrps/leoii.html.
Mais perto que isso Leo I. É aceito que entre 25.000.000 e 40.000.000 são membros associados e bonna fide do grupo Leo I. http://www.atlasoftheuniverse.com/galgrps/leoi.html
                Na foto abaixo e com M 105 finalmente na coleção temos uma amostra de como nem tudo é o que parece ser. Podemos ver claramente três dos alvos há muito programados e que juntamente com o tripleto já apresentado são os representantes mais acessíveis de Leo I. M 95, M 96 e M 105.   M 105 possui sua coleção particular e forma um belo conjunto para o amador. Sob céus mais escuros que Búzios...

                Podemos ver M 105, Ngc 3384 e Ngc 3389.  M 105 e Ngc 3384 são membros de Leo I. Mas Ngc 3389 é um membro de Leo II e faz parte do grupo encabeçado por Ngc 3388 que se encontra acima e a esquerda na foto. Esta separada de sua vizinha óticas por mais de 30 milhões de anos luz.  Esta foto também serve para o programa de se saber quem habita aonde.
M 95 e 96. Ambas em Leo I.

M 105 e Ngc 3384. Ngc 3389 é a galaxia menor e mais azulada abaixo e a direita.  esta habita Leo II e está bem mais distante. 

                Leão é uma vizinhança incrível para que deseja caçar galáxias. E você pode passear no entorno do mais famoso aglomerado de Virgem. Seja nos subúrbios mais próximos (Leo I) ou nos mais distantes Leo II.   Leo I possui mais alvos visuais...
                Bons céus serão necessários. Com exceção das Galáxias Messier em Leo I  todas as outras serão muito discretas no visual para possuidores de telescópios mais modestos. E mesmo não tão modestos. Um belo safari fotográfico me parece um programa mais realista...

domingo, 21 de abril de 2019

Ngc 3628: O Fantasma de Hamlet


           

        Ngc 3628 é o membro mais apagado do famoso “Tripleto de Leão”. Se apresentando dentro do mesmo campo ocular de M 65 e M 66 ela escapou até aos atentos olhos de Méchain quando da descoberta de suas mais brilhantes vizinhas (se lerem o post sobre M 66 e M 65 vão ver que ha controvérsias sobre o autor da descoberta deste par). E assim sobrou para Herschel sua descoberta na noite de 8 de abril de 1784. A dupla Messier já foi apresentada aqui no NunciusAustralis.
              Ngc 3628 é uma galáxia com muitos apelidos. A “Galáxia-Hamburguer”, A Galáxia de Sarah, A Galáxia de Mahasin. O título de Galáxia Hamburguer se explica por pareidolia facilmente. Agora quem são Sarah ou Mahasin é um mistério que se perde nas brumas da história e da web...
        Os títulos de “Vanishing Galaxy” (A Galáxia que desaparece...) e “ O  Fantasma de Hamlet” são criações recentes e ambas invenções de O´Meara. O título “shakespeariano” tem uma bela fundamentação ótico semântica...
                O´Meara em seu “Deep Sky Companions: The Hidden Treasures” nos conta que nossa arredia galáxia apresenta uma qualidade: quanto mais a observamos mais acostumados nos tornamos a vê-la.  Assim como o problemático espírito da peça de Shakespeare “Hamlet”.  Logo no ato 1 cena 1:
(Entram Horácio e Marcellus. Bernardo já está em cena.  Sai Francisco):
Marcellus- Ele apareceu novamente esta noite?
Bernardo- Eu não vi nada.

(Aqui a tradução que possuo desvia da versão apresentada por O´Meara... E assim a tradução da próxima fala é minha. E em se tratando de Shakespeare isso pode ser perigoso. Mas creio que na minha versão o caráter astronômico do dialogo se faz mais evidente...)

Marcellus- Horátio diz que é nossa fantasia,
E não deixará a convicção se apegar dele
Tocando esta visão temida, duas vezes vista por nós:
Portanto eu tenho suplicado junto a ele para com a gente assistir os minutos desta noite
Que, se novamente a aparição venha
É como se Ele tenha que aprovar nossos olhos. . .
                
          O´Meara defende que o que nós podemos aprender desta conversação é a importância de se ter paciência com, e fazer repetidas observações, de todas as coisas assombradas – e aí incluídas desafiadoras galáxias vistas de borda para nós como Ngc 3628. E assim como os leitores de Hamlet ainda discutem se Shakespeare pretendia que o fantasma do pai de Hamlet seria real ou imaginário os observadores amadores ainda discutem se Ngc 3628 é viável para telescópios pequenos, sua visibilidade e de seus detalhes é uma misto de fatos e fantasia.
                Na minha opinião o fantasma existe. Mas é como aquela velha história: “Não creio em Bruxas. Mas que las hay las hay” ... O Homem é o exercício que faz.
                O Fantasma de Hamlet em conjunto com o negrume do céu e o equipamento utilizado tem que autorizar sua visão para Ngc 3628 se materialize na ocular.
                A foto abaixo foi “desprocessada” para dar uma ideia do que você deve esperar perceber.  A primeira coisa a ser feita é desapegar de M 66 e M 65. E usando estas como faróis perceber a assombração.
O Fantasma  esta acima. Formando um triangulo Isóceles co M65 e M 66. Uma exposiçã de 30 seg. "apagada" no Photo Shop. É semelhante ao que vc vai perceber em um Telescópio 150 mm f8 em um céuu escuro. Ocular de aproximadamente 26 mm.    

                O´Meara nos dá outra valiosa dica. O Fantasma não gosta de muita ampliação. Se com 23 X ela é “evidente” com mais ampliação ela começa a se espalhar mais de 1/2 campo de uma ocular média (cerca de 120 X).  E com este aumento de potência a galáxia começa a se dissolver mais e mais contra o fundo. É como sua faixa escura, que é um de seus mais evidentes detalhes e o único ao alcance de telescópios mais modestos, começasse a se destacar muito e apagasse sua área clara.  É o detalhe se sobrepondo a todo.
                Na verdade, esta faixa de poeira que habita o plano da galáxia provavelmente fez a galáxia invisível a Méchain.  E apesar de ser apenas 0,5 magnitude mais apagada que M 66 (o membro mais brilhante do Tripleto) ela se espalha por uma área maior e assim apresenta um brilho de superfície muito inferior. Para os amadores em busca de galáxias o brilho de superfície é um indicador muito mais exato do que você vai ver ou não do que a magnitude.
O Tripleto . 20X45 seg ISO 1600. 3X Drizzle no DSS . Lente Penatx 300 mm f 4.5 . Esticada no PixInsight. Se percebe claramente a distorção nos discos de Ngc 3628  e de M 66. 

                Devido a isso “O Fantasma do Rei de Hamlet” (esta é a tradução completa do apelido dado por O´Meara. Por razões estéticas eu alterei um pouco...)  escapou dos clássicos guias escritos por Smyth e por Webb.  Burnham em seu “Celestial Handbook” não entra em muitos detalhes e em sua abordagem do Tripleto nos diz apenas: “A apenas 35´ norte de M 66 repousa um outro objeto, galáxia “edge-on” Ngc 3628, caracterizada por uma fina linha de poeira. Maior, mas mais tênue que M65e M 66 e não percebida por Messier mede cerca de 12´de comprimento. Estas três galáxias formam um nobre grupo para pequenos telescópios”.

Aqui o Resultado de 20 Exposições de 30 seg. No newton ( 150 mm f8). Apesar da incrivel diferença as fotos do post foram feitas com um dia de diferença. A otica da Pentax é muito superior ao espelho do Newton. E a transparencia na segunda noite colaborou também... 

                Ngc 3628 pode ser o mais discreto membro do tripleto, mas é certamente o mais fascinante cosmologicamente. Habitando o esporão de Leão de galáxias reside a cerca de 25 milhões de anos de nós    e se espalha por cerca de 78.000 anos luz de universo (diâmetro linear).  Se percebe claramente a influência dos outros membros do Tripleto na forma distorcida de Ngc 3628. Ela é classificada como uma espiral barrada peculiar.  Isso por si só garante a entrada no catálogo Arp de Galáxias Peculiares. É Arp 317. Seu catálogo visava caracterizar uma larga amostragem de estranhos objetos que saem da tradicional classificação de Hubble e ajudar a entender como galáxias evoluem. No mesmo campo (mas não nestas fotos) habitam 2 quasares. E com isto Arp a utiliza como um exemplo para sustentar sua louca teoria de desvios para o vermelho intrínsecos. Hoje em dia parece ser língua morta. Mas as viagens de Arp são divertidas e seu livro “Universo Vermelho” é muito original. Mesmo sendo uma tremenda bobagem.
               O gás em Ngc 3628 caminha em uma direção e as estrelas em outra. Hoje é aceito que isso seja fruto de sua interação com as outras galáxias do tripleto. Bem como sua furiosa produção estelar. Suas imagens em raio X demonstram muitas características interessantes e originais. Uma galáxia muito dinâmica.

                Localizar Ngc 3628 é fácil. Ache os outros membros do tripleto acima do pernil traseiro do Leão e você estará lá. Ver já é outra história...

                O Fantasma de Hamlet é um objetivo digno de nota. E ainda garante que você visite o charmoso e oferecido par formado por M 66 e M 65.
Bom programa...

sábado, 20 de abril de 2019

Ngc 6334: A Pegada do Gato




          


         Ngc 6334 tornou-se um popular alvo para os amadores nos anos mais recentes. Possui vários nomes sendo o mais popular e assim conhecida, pelas bandas de Sucupira, como a “Nebulosa Pata do Gato. Mas vista por outros olhos e em outras bandas é também chamada de Nebulosa da Garra do Urso (Bear´s Claw Nebula). Eu gosto de chamá-la de “A Pegada do Gato”. Definitivamente ela me parece mais com a trilha de um felino deixada em meio a via láctea do que com uma pata propriamente dita. E é claro que vamos seguir este rastro na caçada deste belo DSO. 
    Quando falo que Ngc 6334 se tornou um alvo popular recentemente é porque trata-se de um alvo mais de caráter fotográfico do que visual propriamente dito. E como apenas recentemente a astrofotografia tornou-se realmente mais popular e accessível esta interessante e charmosa nebulosa passou a ser mais conhecida e visitada. 
  
       Foi descoberta e catalogada por John Herschel 7 de junho de 1837. John Herschel formou, juntamente com  Lacaille e Dunlop a divina trindade dos céus austrais. E cabe a ele o posto de “Espirito Santo” já que descobriu quase tudo que anda, caminha e brilha (ou nem brilha ‘’tanto) abaixo do equador.  Deixando assim o cargo de Pai para Lacaille e o do Filho para Dunlop....  
     Visualmente é um alvo discreto e que demanda céus bem escuros. E como cobre uma área quase equivalente a lua cheia não é adequada a grandes ampliações. Eu a percebo melhor com meu 15X70 que com 46X no Newton.  Preciso experimentar o alvo utilizando minha Ocular de 40 mm. Com 30x de aumento é possível que eu chegue ao “soft spot”.
    Observando de céus suburbanos claros ela é quase imperceptível. A foto abaixo simula o efeito. É fruto de uma única exposição de 45 segundos e foi tratada “às avessas”. Em vez de ter seu contraste e brilho aumentados estes foram reduzidos até o limite do visível. É exatamente aí que vai habitar a nebulosa visualmente em céus Bortle 6 ou 7.
Sob Bortle 6. As quatro estrelas no canto esquerdo são um bom guia até a Nebulosa... 

              Em céus mais escuros você pode ter uma visão semelhante a esta outra foto. Bem... debaixo de céus bem escuros mesmos. Como disse o alvo tem um caráter mais fotográfico que visual...   
                                  

             A Pegada do Gato é um dos mais ativos berçários estelares da Via Láctea e são estas estrelas jovens e extremamente maciças que fazem a pegada apresentar seu característico brilho avermelhado. São estrelas, em média, 10 vezes mais maciças que o sol e extremamente jovens, tendo se formado há poucos milhões de anos. Ngc 6334 pode conter dezenas de milhares de estrelas, com muitas delas ainda ocultas no casulo da nebulosa. E possui suprimento muitas mais. Sua massa é equivalente a cerca de 200.000 sóis.
3 drizzle

         Sarah Willis do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics e da Faculdade Estadual de Iowa apresentou um paper no encontro da Sociedade Astronômica Americana de 2013 onde nos diz que Ngc 6334 está passando por um “baby boom” e apresentando uma elevada taxa de nascimentos estelares. A Nebulosa está produzindo estrelas mais rapidamente que a mais famosa “Nebulosa de Orion”. Isto a faz um dos mais prolíficos berçários da Via Láctea.  A nebulosa possui cerca de 2000 estrelas muito jovens ainda envoltas em seus discos protoplanetários. A maioria destas estrelas se forma em aglomerados. Isto sugere que em alguns milhões de anos a Pegada do Gato possa se parecer com um múltiplas Plêiades, cada uma contendo milhares de estrelas. Mas não se anime sequer com a possibilidade de imortalidade... A nebulosa está a mais de 10 vezes a distância (5.500 anos luz) do famoso aglomerado e a região é extremamente obscurecida por poeira e apresenta alta extinção.
                

                Localizar Ngc 6334 não é difícil. Bem em cima da cauda do Escorpião o ferrão deste parece apontar para a área. Com um bom mapa e algum dever de casa você chega lá facilmente.
          Como alvo fotográfico por excelência devo divagar um pouco sobre as imagens aqui apresentadas. Todas são resultado de diferentes tratamentos em diversos softwares. Todas são fruto da mesma sessão de captura. Forma obtidas 20 fotos com 45 segundos de exposição em Isso 1600. foi utilizada uma Canon T3 e uma Lente Asahi Pentax serie F de 300 mm e uma abertura de f 4.5.  As imagens foram realizadas em Búzios (Bortle 6) em noite de Lua nova.
                As imagens apresentadas são resultado de empilhamentos no Deep Sky Stacker com e sem o uso da ferramenta de drizzle (http://deepskystacker.free.fr/english/technical.htm#Drizzle )  (há fotos sem, com 2 e com 3 drizzle). Posteriormente as fotos foram esticadas no PixInsight 1.8. Um dado curioso e que pode ajudar os astro fotógrafos é que como a Nebulosa emite muito no vermelho ao se decompor a imagem em canais RGB o canal R se torna uma eficiente máscara para todo o processamento a seguir.

20 X 45 seg ISO 1600 + 20 dark frames . DSS+PixInsight+ Photoshop. Repare na "ponta" da Nebulosa Guerra e Paz (Ngc 6337) no canto inferior esquerdo.  Sem Drizzle.

                A Pegada do Gato foi um belo presente em uma noite que fora toda dedicada a capturar galáxias em Virgem. Já no fim da noite e com um resto de bateria consegui uma bela captura. Gostaria de ter feito mais exposições. Creio que seria possível reduzir em muito o ruído. E Provavelmente melhorar o enquadramento para capturar a "Nebulosa Guerra e Paz" no mesmo campo. Esta se apresenta “batendo na trave “no canto" esquerdo embaixo da foto mais aberta...   Ambas são certamente um alvo mais propicio a um ataque com uma lente 300 mm do que utilizando o Newton (meu telescópio 150 mm f8).

quarta-feira, 10 de abril de 2019

O Outono , A Virgem , a Lógica , a Visão, a Astrofotografia e outras Lendas


            

            
           Chegou o Outono logo Virgem. Se p -> q então contingência lógica.  Mas nessa Aporema que vou comemorar na lua nova de abril será uma tautologia. De qualquer forma não me lembro mais as benditas tabelas de verdade de meu curso de Lógica 101. Embora o Chateaubriand fosse um excelente professor.
                Depois de um bom tempo retorno para a Armação de Búzios para comemorar uma Aporema.   Para aqueles que não acompanham o blog:   Aporema é uma festa pagã de origem indígena e que é comemorada sempre na Lua Nova mais próxima aos equinócios e solstícios. 4 vezes ao ano. Seu nome remonta um Cacique Tupinambá de nome Aporema. É possível que devido a sua lendária acuidade visual a palavra “aporema” tenha sido incorporada a algumas línguas do tronco tupi com o significado “ver longe” ou em uma tradução bem livre como “ver antigo”.  Em uma daquelas “coincidências de Adams” que coleciono aporema é também um silogismo que demonstra o valor igual de duas proposições contraditórias. Coincidências de Adams são coincidências tão surpreendentes que parece ser relacionadas a leis fundamentais do universo. Mas são apenas coincidências. São uma homenagem a Douglas Adams.  Autor do obrigatório “Guia do Mochileiro das Galáxias”. Um livro que você deve sempre ter na mochila junto com uma toalha.
                Meus objetivos foram traçados na semana anterior a viagem. Eu iria novamente me digladiar contra o Aglomerado de Virgem. De novo falando em verdades e contradições queria observar apenas as Galáxias Messier que adornam o superaglomerado galáctico mais próximo.  Se não todas pelo menos uma boa parte.  Uma longa caminhada pelos caminhos do Outono. Um passeio difícil na companhia de duas nobres donzelas que disputam o posto de Virgem celestial: Astréia e Perséfone. Já dizia Quintana em sua Canção de Outono:
Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma…
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!
                Há muito sem visitar a Terra de José Eustáquio , um misto de pescador, pirata e astrônomo que habitou a região no Sec. XVIII e amigo pessoal do Cacique Aporema, eu tinha me esquecido que os céus da Armação não são os mesmos de meu novo posto de observação na nem tão próxima Serra-Mar. Se na Pedra Riscada observo debaixo de céu 3 ou 4 na escala Bortle em Geribá  peno entre  6 e 7.  
                Mas tenho minha derrota toda planejada: Em um arquivo txt. habita meu plano de ataque.


                Pretendo realizar o ataque a partir de oeste. Na verdade, vou estacionar por volta das 20:00 horas no horizonte nordeste e esperar o aglomerado cruzar esse meridiano. É a área menos afetada pela poluição luminosa gerada pelo “centrão de BZ”. E desta forma vou primeiro observar os membros mais próximos que habitam próximos a Leão. São estes M 95, M96 e M 105. Seguidos de M 65 e M 66.  Depois dividi o aglomerado de Virgem propriamente dito em alguns grupos organizados de oeste para leste e encabeçados pelas galáxias que me pareciam ser as mais dispostas a colaborarem coma minha causa.  O primeiro grupo encabeçado por M 98, o segundo por M 88 e o terceiro M 49. E, estupidamente, não queria utilizar M 87e a cadeia de Makarian para coordenar o ataque pela simples razão de que já tinha fotografado a maior parte do conjunto da obra.
                A melhor forma que vejo para se explorar o Aglomerado é calcular a posição de M 87 (que é uma das galáxias mais facilmente percebidas no aglomerado) e com esta centralizada calmamente ir escaneando a região e começar a navegação.
                Tendo o Newton (meu telescópio 150 mm f8) alinhado e balanceado as 19:20 com o auxílio luxuoso de Avior. Sou muito preguiçoso para realizar o drift e assim costumo realizar o alinhamento polar utilizando uma estrela no momento que esta cruza o meridiano.  E agora obtive um aplicativo que é um nível digital preciso o suficiente para um excelente acerto... Outra coisa boa de voltar a Terra de Zé Eustáquio é que eu sei onde reside o sul celeste “de ouvido”.
                Como não poderia deixar de ser nem tudo são rosas. O vizinho da casa ao lado largou a luz da varanda acesa. E um novo poste perturba bastante.... Mas me contenho e não cometo nenhum tipo de vandalismo.  Começo a jurar que a Aporema de inverno será na Pedra Riscada...
M 96 - 20 Exposições 30 seg 1600 Iso- Newton. Nada explica porque não enquadrei também M 95 nessa foto...

                Parto para o jogo. E rapidamente me lembro que a Astronomia é sobrinha de Moira e prima irmão de Obsessão. Quando você decide passar as suas noites de sexta, sábado e domingo em busca de galáxias que, na melhor das hipóteses, vão comparecer na sua retina com o uso de visão periférica, técnicas de respiração e de horas no escuro é bom saber que nem todos vão entender e muito menos gostar. No caso meu filho e a cara metade estão já bastante contrariados. Para piorar minha esposa arrastou sua amiga mais “loca” para acompanhar a noite. Sou obrigado a determinar uma área de exclusão e todos são proibidos de ir aos fundos da casa. Bagunça só na varanda da frente da casa ou na sala. Se precisarem pegar algo na cozinha devem utilizar uma pequena lanterna. E gritar antes para que eu feche os olhos.
                O pequeno eu acalmei contando a história de “ver antigo”. Embora não seja muito fascinado pela astronomia ele adora dinossauros. E assim, quando contei a ele que aquela luz que estávamos vendo começou sua viagem no tempo que as imensas e ferozes criaturas ainda caminhavam sobre a terra ele deu sossego. E ficou encantado com a ideia de ano luz. Gostaria de realmente entender como uma criança de 5 anos realiza o espaço-tempo. Ele percebeu algo. Mas definitivamente eu não sei o que... Talvez não seja tão diferente de minha percepção. Só mais jovem.
                Meu plano faz água rapidamente. Com Mlle. Herschel (minha cabeça equatorial HEQ 5) com seu Go-to um pouco errante e caçando o invisível a noite vira uma longa série de tentativas e erros. Ainda não sei como consegui ter mais erros que tentativas...
                M 105 (e suas discretas damas de companhia), M96 e M95 (O Tripleto menos conhecido de Leão) ficou para o dia seguinte. M 65, M66 e galáxia de Hamburguer (O Tripleto de Leão propriamente dito) foram um pouco mais companheiras.
O tripleto de Leão. Achei que 100 Exposiçoes de 30 seg. Com Iso 3200 revelaria muito mais detalhe. Mas a noite estava com péssima transparencia... Já tive resultados melhores exatamente com o mesmo set up e com metade das fotos... Newton e Canon T 3. 

                Tenho que contar um segredo para vocês. Se o plano é observar as galáxias Messier (ou outras) de Virgem lembrem-se que muitas delas não serão simpáticas. A moça é Virgem não é à toa... 


 O Grupo de M 105 , M96 e M 95-30 X 45 Seg Iso 1600 Pentax 300 mm 20 Darks DSS + Pix + PS. 2 Drizzle

Realisticamente em céus como os de Búzios nenhuma delas será muito mais que uma suspeita e não terão forma. Serão todas um ponto estelar fraco (o núcleo) com uma leve nebulosidade ao redor. Será muito difícil diferenciar estas das estrelas fracas que habitam a região. E depois que você localizar uma galáxia com certeza lembre-se de onde ela está. A navegação na região é mais de galáxia em galáxia que “Starhooping”.  Como você vai perceber muitas pequenas estrelas enevoadas e suspeitas de serem mais que uma estrela na região vai ser bem difícil saber quem é quem.  As Galáxias que você terá um pouco mais de apoio são M 66, M 65, M 98, M84, M 86, M 87 e M 49. Lembrando que as belíssimas espirais “de frente” para nós (como M 100) não irão aparecer. Seu brilho de superfície é muito baixo para céus com poluição luminosa. Mesmo roubando e fotografando elas não serão muito dadas. Galáxias “face-on” não gostam de luz mesmo. Vide M 33 que está a meros 3 milhões de anos de nós. Em Virgem você pode multiplicar a distância, no mínimo, por 10...  Como já falei (e Quintana antes de mim) muitas as vezes os caminhos do Outono vão dar em parte alguma...
No coração de Virgo. 

                Outra informação interessante que descobri nesta Aporema. Há muitas galáxias na região e isso eu já sabia. Mas quase todas as IC (galáxias listadas no Index Catalog. Uma continuação do New General Catalogue) não estarão ao alcance de amadores nem com fotografias... As Ngc (Listadas no New General Catalogue) ainda dão uma força. Algumas até se rivalizam as Messier.  É importante lembrar que o NGC foi todo realizado a partir de observações visuais. Já o IC utilizou-se de placas fotográficas. É impressionante o que os pioneiros fizeram com os limões que tinham. Messier dificilmente possui um telescópio melhor que o Newton. E observava de um Paris que já era conhecido como o a Cidade Luz. Sua visão era melhor que a do Steve Austin.  (Aos leitores mais jovens: recomendo que procurem por “O Homem de Seis milhões de dólares” no google.)

M 98 21 x 45  seg 1600 iso

                Afobado que sou utilizo péssima astronomia o resto de noite. Mando Mlle. Herschel apontar para uma das vítimas e tiro uma foto. Se aparecer algo que pareça com uma galáxia eu tento observar um pouco e depois tiro mais fotos. No visual a coisa está muito feia. Nessa noite eu só vi (tenho certeza) M 87 e M 49. M 66 e 65 eu conheço o campo estelar e posso mentir para mim mesmo...
                Na segunda noite as coisas são parecidas com a primeira. Mas faço muitas exposições (100 X 30seg.) com ISO 3200) do Tripleto de Leão original e espero conseguir algo. O dia fora muito bom para a noite render.  A fim de aproveitar um pouco o tempo faço uma seria de fotos de Ômega Centaurus. Sempre bonito.
                Finalmente chega o domingo.    Mudança radical de equipamento. E aí a derrota planejada com tanta antecedência acontece. Parece até que Murphy e Clark estavam de férias. Em vez de atacar o aglomerado com o Newton decido utilizar um set up mais flexível e leve. Minha Pentax 300 mm f 4.5 Serie F. Com um fator de correção de 1,6 devido ao sensor da Canon T 3 ela vai atuar como uma 480 mm.
                Começo a desconfiar que o Newton é um pouco pesado para a HEQ 5. Pelo menos para astro fotos. Com a 300 Mlle. Herschel (utilizando apenas o 1 star align) crava tudo que peço. A Noite transcorre as mil maravilhas. Com o computador no colo rodando o Astrophotography  Tools eu não só capturo toda a derrota como ainda abato a “Pata do Gato” e faço uma linda foto de M 4.  Tudo isto conversando com a cara metade e bebendo cerveja...

                Começo a achar que já espremi o Newton até perto de seus limites. Preciso urgentemente de Evostar... Na verdade a ignorância as vezes é uma benção. O Newton é apenas um telescópio razoável para observação visual. Como astrofotografo é uma certa forçação de barra. O foco é muito difícil (cremalheira...)  e a qualidade de seus espelhos é apenas razoável. De tempos em tempos ele faz uma foto aceitável. E é extremamente suscetível ao seeing e a transparência.    Um exemplo simples de como ele deixa a desejar é o fato de ser obrigado a trabalhar com um threeshold (limite) muito baixo no Deep Sky Stacker para garantir que esse empilhe um número aceitável de frames. Com a Pentax (e outra lentes) Utilizo um threeshold muito mais alto e dificilmente um frame é recusado.  

Agora é torcer para que já que elegemos este celerado em nome de uma suposta melhora econômica que está venha a galope. Sem educação, sem ciência, sem cinema e sem educação vai ser difícil. Mas perder tudo isso e ficar duro vai ser...
                Segunda tenho que retornar correndo para o Rio já que meu trabalho foi adiantado em um dia. Na noite cai uma tempestade na cidade.
M 4 e cia. ltda.

                A Aporema de outono terminou e os céus já choram. O diluvio chegou a Rio poucas horas depois de eu devolver o carro na locadora.  Esqueci de dizer que além de ficarmos sem cultura, sem ciência, sem cinema, com bancada evangélica forte somos também negadores do aquecimento global. É bom que eu ganhe dinheiro suficiente para meu Evostar rápido...
                Com rápida análise sobre o material capturado é inegável a superioridade da ótica Pentax sobre os espelhos da Skywatcher. Só falta aumento... Não esquecendo que Mlle Herschel me garantiu 100% de aproveitamento das fotos feitas com a lente. E fazendo exposições de 45 segundos com um acompanhamento quase irretocável.  Eu não possuo um guider para o Newton. É outra coisa que é bom que entre logo o dinheiro para ter que aturar o Olavo de Carvalho gerenciando a educação no país. Sai Velez e entra um discípulo ainda mais burro.  E o diluvio rolando lá fora...
Tripleto de Leão 21X 45seg 1600 Iso. Dando um banho n Newton e suas 100 exposições com 3200 Iso. F4.5 contra F8 . Mas mesmo assim...  3 drizzle no DSS

Agora resta “revelar” as fotos. Nesse processo aprendo mais uma lição. Quando não tenho certeza do que estou vendo utilizo um site adorável que faz isso. Chama-se astrometry.net . É raro que ele não identifique algo que brilhe, pisque ou acenda no universo. Mas ele não gosta de arquivos com autosave no nome. Descobri agora. Acho que ele acha que é roubo. Tem algo a ver com um tal de “Django” Mas bastou eu alterar o nome dos arquivos para ele carregar e dar o caminho das pedras. Outro detalhe é que ele não é chegado em fotos muitos processadas.  Menos informação para ele é mais. Geralmente utilizo apenas um frame (esticado de leve no Photoshop e transformado em Jpeg. Ele não aceita Raw (CR2.) para identificar. Especialmente em alvos mais coloridos como o final da Cat´s Pawn Nebula. Na seção galáctica ele atua com brilhantismo.
M 49... Newton..

O fim do Mundo deve estar realmente próximo. Quase todos os alvos da derrota planejada foram ao menos fotografados. E os que não foram acabaram substituídos por várias novidades.  Das galáxias Messier foram registradas M 65, M 66, M 84, M 86, M 87, M 88, M91 (ainda que de esbarrão), M95, M 96 e M 105. E mais de uma dezena de Ngc´s. Quanto as IC´s uma análise nas fotos ampliadas vai provar o que disse acima. A maior parte não se apresenta. E as que se apresentam não são alvos visuais viáveis com meu equipamento nem mesmo no Atacama...
Quanto a observação visual a Virgem precisa de um quarto bem mais escuro que Búzios...