M65
e M66 são duas galaxias e um equivoco histórico reunidos no mesmo lugar. Em um tempo que temos acesso a informação de
forma quase instantânea é sempre importante lembrar que esta nem sempre é
confiável. Em um mundo onde qualquer garoto com nível médio incompleto e
querendo passar no ENEM pode se intitular com
divulgador científico e cientista é importante checar suas fontes.
Desta
forma qual foi a minha surpresa quando localizei um equivoco que se perpetuou
durante mais de um século e que tem em sua raiz um cientista e divulgador de um
tempo que tais títulos eram para poucos e bons...
Recentemente
falei por aqui da grande carência de guias devotados a astronomia observacional
na língua portuguesa e abaixo do Equador em geral. Com muitas poucas exceções não ha uma
literatura que apresente os céus e suas histórias de uma forma interessante e
honesta ao mesmo tempo. A ciência se encastela em redutos acadêmicos
e não se populariza. Quando o faz é geralmente por flanelinhas de noticias cientificas sem
compromisso ou embasamento ... Se a farinha é pouca meu pirão primeiro.
Ainda no século XIX a astronomia já possuía autores devotados a divulgação desta ao
publico leigo. Serviss com seu "Astronomy with an Opera Glass" foi
uma espécie de Carl Sagan sendo um sucesso editorial. O patrono destes autores é provavelmente o
Admiral Smyth . Com seu "Cycles of Celestial Objects" ele "cria
" o formato do que hoje podemos chamar de "manual do astrônomo amador moderno". Ele vai englobar a história e evolução da ciência, o
equipamento utilizado, as técnicas e os Objetos a serem observados. Em seu "Cycles" ele apresenta o
Bedford Catalog que será o campo de provas onde diversos futuros astrônomos
irão se provar e conhecer os céus. A obra é até hoje uma referencia e suas
descrições de DSO´s são verdadeiras obras de arte.
É
no volume 2 ( que inclui o Catalogo Bedford) que nasce a confusão sobre a autoria da descoberta de M65 e M66.
Recentemente
fotografei a dupla de galaxias que juntamente com Ngc 3628 formam o Tripleto de
Leão.
Como
geralmente faço depois de observar gosto de partir em busca de mais dados sobre
as vitimas da noite. Quando estas se tratam de DSO´s do aglomerado Messier eu possuo dois livros que são sempre os
primeiros a serem visitados . Assim escapo da "exagerada" e nem
sempre confiável pesquisa do Google. São
eles o " Deep Sky Companions: The Messier Objects" do O´Meara e o
" Skywatch" do Phil Harrington. Outro que gosto muito é o ""Burnham´s Celestial Handbook". Todos eles habitam minha estante e não o HD...
O
Harrington me diz que para localizar M 66 e M65
devo localizar o triangulo que marca os quartos traseiros da fera.
Imagine uma linha ligando Zosma a Chertan e
continue rumo sul em busca de uma linha com três estrelas.Todas elas
estarão acima de 7a magnitude e serão percebidas com qualquer
buscadora óptica .Dai utilize a sua maior ocular e dando "um passo" rumo ao leste
você chegara ao seu destino.
Como
Newton ( um Refletor de 150 mm f8) eu primeiramente percebi os núcleos das duas
galaxias de uma forma estelar. Com visão periférica percebo uma tênue
nebulosidade ao redor de ambas. Apesar de M 66 ser considerada "mais
fácil" de ser percebida eu percebi primeiro alguma estrutura em M65. M66 se apresente de "cara" para nós. Já M 65 mais de perfil...
2X Drizzle |
Depois
disto vou consultar o O´Meara e este me
"garante " que ambas as galaxias foram registradas primeiramente por
Méchain. Que as teria indicado para
Messier em 1780.
É
aí que a história começa a ficar
nebulosa ( eu sei que o trocadilho é de doer...) .
O Tripleto é conhecido também como o Grupo de
M 66 e em ambas apresentações no Deep
Sky Companion a descoberta tanto de M66 como de M65 é atribuída a Méchain em
1780. Estranhamente ,em um primeiro momento, nem dia nem mês são apresentados.
Para
complicar mais ainda na apresentação feita por Messier de M 65 no Coinossance
diz simplesmente : " (Observada em 1 de Março de 1780) Nebulosa
descoberta em Leo. É bem tênue e não contém estrelas."
M 65 |
Para
tornar as coisas ainda mais confusas a apresentação (descrita no Deep Sky
Companion teoricamente como uma
transcrição da feita pelo próprio
Messier) de M 66 nos diz o seguinte: " (observada em 1 de Março de 1780)
Nebulosa descoberta em Leo; bem tênue bem próxima da anterior ( M 65) . Ambas
aparecem n mesmo campo telescópico. O cometa observado 1773 e 1774 passou entre
estas duas nebulosas nos dias 1 e 2 de novembro de 1773. Messier, sem nenhuma duvida, não
as viu devido a luz do cometa."
A
frase final da apresentação deixou uma duvida no ar. Sofreria Messier da
Síndrome de César ( Júlio César tinha o habito de falar de si mesmo na terceira
pessoa) ou seria o verbete obra de Mechain? Ou ainda um adendo do próprio
O´Meara?
A
fim de aprofundar as investigações resolvo partir para fontes na web. É
importante lembrar que apesar do mar de desinformação que existe na internet existem trabalhos sérios . O site da SEDS ( leia-se Hartmut Frommert) é um belíssimo exemplo. especialmente quando se fala em Messier
Frommert
nos explica que M65 e 66 são uma descoberta
original de Messier e que o erro se dá na obra magna do Admiral Smyth
, o "Cycles of Celestial Objects", quando ele provavelmente devido a uma
confusão devido a "Síndrome de César " de Messier atribui a
descoberta da dupla a Mechain. O erro
encontrou eco no trabalho de Kenneth Glyn Jones em algum momento
nos anos 60 e com isto se perpetuou em outros guias mais modernos. Smyth
fala categoricamente em seu texto que elas foram apontadas por Mechain a
Messier em 1780 e pareceram tênues e enevoadas para ele ( pagina 249 do
Cycles...) .
M 66 |
Frommert
nos explica que Messier jamais disse que estas lhe foram indicadas por Mechain
e que ele sempre deu créditos a seus colaboradores. O M do catalogo Messier é
bem honesto com Mechain ( que realmente descobriu diversas das entradas no
catalogo e levou crédito por isto).
Solucionado
o mistério a história seguiu seu rumo e ambas as nebulosas são descritas e
observadas por William Herschel e posteriormente por seu filho que deixam belas
descrições destas. Existe uma carta entre Herschel filho e Herschel pai apresentada
no "Cycles" que demonstra claramente como ainda eram desconhecidas a
estrutura e a natureza das galaxias
nestes tempos. As observações históricas de M 65 e M 66 podem
ser encontradas em :
A
distancia da dupla é também controversa . Varia entre 21 e 35 milhões de anos
luz. as mais recentes medições se inclinam mais para os valores
superiores... O tripleto de Leo forma um grupo maior junto com o grupo de M 96
também em Leo.
Arp inclui o grupo em seu "Atlas de Galaxias Peculiares" . A Interação gravitacional no grupo é claramente percebida no " esquadro" de M 66 e ficou bem evidente nas imagens obtidas
As
imagens feitas aqui são resultado de uma exposição somada de 34 minutos . São
68 exposições de 30 segundos ASA 3200 realizadas com um refletor de 150 mm
f8 montado sobre uma cabeça equatorial HEQ 5 pro. A câmera utiliza é uma Canon T3 sem modificação
alguma.
As
imagens foram "empilhadas" no Deep Sky Stacker e foi utilizado o
Método HDR para os light frames. Foram utilizados apenas 16 dark frmes . Nem
flat nem bias frames foram realizados.
Utilizei o drizzle em algumas das imagens.
M
66 e M 65 são belos alvos galácticos
para a temporada de outono que se aproxima. Infelizmente não consegui enquadrar
Ngc 3628 que reside um pouco mais ao
norte. Algumas das galaxias do Index catalog ( IC) chegam a se apresentar como fontes estelares ( seus núcleos) . Mas não fazem parte do grupo e são bem mais distantes e de magnitude inferior a 12...
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