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quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A Pequena Nuvem de Sagitário, as Navegações e um Livro do Mourão

 


É comum eu fazer paralelos náuticos com as minhas observações. Costumo chamar meus planos de observação de derrotas e nos tempos do catálogo JESS José Eustáquio sempre se referia a aglomerados abertos como cardumes. E os Braços da Via Láctea como pesqueiros. Considerava Globulares como peixes de toca.

No dia 12 de outubro se comemorou a descoberta da América por Colombo.  1942. Dessa forma “pescando” por minha estante acabei achando perdido um exemplar do “A Astronomia na época dos descobrimentos” – O céu dos Navegantes nos Sec. XV e XVI do Soporífero patrono Ronaldo Rogério de Freitas Mourão. É um de seus livros mais agradáveis e quase me leva a fazer uma mea-culpa pela minha opinião.  



Em um dos meus capítulos favoritos -Relato da Viagem de descoberta do “paraíso terrestre” - ele nos conta a saga Colombiana e os detalhes astronáuticos do evento.

No final do século XV a arte da navegação vinha sofrendo uma grande mudança de natureza tecnológica.  Como nos conta Mourão apesar de Colombo possuir a sua disposição um bom número de instrumentos náuticos (em outro capítulo ele aborda todo o arsenal. Se você gosta de fato de Astronomia, história e tecnologia o livro será uma leitura adorável) sua utilização parece bem parcimoniosa. Os velhos marinheiros ainda tinham como predileção o uso da navegação estimada. Embora utilizassem os instrumentos se fiavam mais a conhecimentos empíricos obtidos através da contemplação de fenômenos naturais tais como o deslocamento de bandos de pássaros, o aparecimento de paus flutuando, a presença de recifes, penedos e penhascos com ervas que, em geral, eram vistos como como sinal de proximidade de terra. A experiencia demonstrava que a maior parte das ilhas descobertas pelos portugueses tinham se dado mediante a observação do vôo dos pássaros.

Colombo partiu de Palos em uma sexta feira 3 de agosto de 1942. Mais de um mês navegando Colombo e seus camaradas ainda não tinham visto os sinais tradicionais de terra. E Colombo, malandramente, estimava a distância navegada e dava sempre um desconto para não apavorar seus marujos. Em 16 de Setembro eles começaram a ver muitos tufos de ervas, muito verdes que, segundo Colombo, pareciam ter se desgarrado de terra há pouco. Errado duas vezes. Não eram ervas e sim algas e a terra estava distante. Estava adentrando o Mar de Sargaços. No dia seguinte alguém disse ter visto uma gaivota e um Palhancu. Que em tese não se afasta mais de 25 léguas de terra. Ou não se conhece bem o hábito dos palhancus ou foi apenas um delírio...

A confusão de Colombo não pode me deixar de lembrar a hipótese de Herschel de que quando ele em suas “varridas” em busca de nebulosas pelos céus percebia estar há muito tempo sem se deparar com estrelas era sinal de que uma Nebulosa estava pronta para despontar no campo de sua ocular. Acreditava que essas nebulosas (especialmente globulares) acabavam por se apoderar de toda matéria em determinada região e deixar grandes vazios no céu.

O hábito dos antigos marinheiros de navegar por aproximação me é muito querido. Esporadicamente prefiro brincar de seguir estrelas para chegar até os cardumes do que utilizar-me da tecnologia para tal. Afinal Mlle. Herschel (minha cabeça equatorial HEQ 5) pode perfeitamente achar quase qualquer coisa que exista com o apertar de um botão.



Dessa forma cheguei até M24. A Pequena Nuvem de Sagitário. É uma das poucas entradas do catálogo Messier que não é um DSO bonne fide. Mas é um dos mais belos para possuidores de pequenos instrumento e binóculos. E definitivamente a sua região pode ser considerada como um Mar de Sargaços celestial. Ou, melhor, um arquipélago de Ilhas Oceânicas. Algo como Martin Vaz.



Nessa noite eu decidira navegar em estilo “old school” e seguindo a corrente que sobe da Ponta do Bule de Sagitário (O bule é o asterismo que identifica a constelação de Sagitário. É formado por Kaus Borealis, Kaus Media, Kaus Australis, Alnasl, Namalsadhira I e II, Nunki e Ascella) fui me deparando com vários DSO´s. A Lagoa, A Trífida, M21. A noite estava com muita nebulosidade e como um velho marinheiro amigo do Martinho da Vila levava o barco devagar. Com minha ocular 25 mm ia percebendo claramente a via láctea. Balançando de Norte para sul percebia as estrelas se adensarem quando cruzava os braços da galáxia e se tornarem quase inexistentes quando olhava para fora da galáxia. Finalmente percebo um adensamento atípico e sei que estou adentrando M24. É um alvo mais binocular que telescópico. Troco para a minha 40 mm e percebo quase todo o conjunto da obra. Mesmo nas medíocres condições noto as duas nebulosas escuras (B92 e 93) que compõe a paisagem e percebo o brilho forte no seu coração que é Ngc 6603.  Troco novamente a ocular e namoro o discreto aberto com a 10 mm. Nos entornos de B92 percebo o adensamento que é Collinder 469...  Um minúsculo e apagado aberto.


Depois decido fotografar o Mar de Sargaços e numa operação que demanda dois marinheiros consigo retirar o Newton (meu telescópio 150 mm f8), correr o contrapeso da montagem e instalar a câmera com a 300 mm sem perder o rumo.  É necessário correr o contrapeso pois como a câmera e a lente são muito mais leves que o telescópio Mlle. Herschel acaba toda desbalanceada e trava se isso não é feito. Geralmente a operação fracassa. Mas a prática ajuda.



M 24 é conhecido também como a Pequena Nuvem de Sagitário ou ainda com Delle Caustiche. O nome de Pequena nuvem é muito apropriado e ela definitivamente me lembra uma versão minimalista da Grande Nuvem de Magalhães, especialmente quando vista a olho nu em local de céus bem generosos. Delle Caustiche   é um nome conhecido apenas por uma minoria de iniciados. Segundo Agnes Mary Clerk (uma espécie de Carl Sagan do início do século XX) o nome foi dado pelo pioneiro da espectrografia padre Pietro Angelo Secchi.  Devido aos arranjos de suas estrelas em raios, arcos, Curvas causticas e espirais interlaçadas. M 24 também é arquitetura e matemática... 

As curvas cáusticas foram estudadas por Tschirnhausen em 1682. Mais tarde outros matemáticos deram contribuições para o estudo destas curvas, nomeadamente, Huygens, Quetelet, Lagrange e Cayley.

O método consiste em obter uma curva à custa de uma outra curva e de um ponto. À curva que se obtém chama-se cáustica.

Dada uma curva C e um ponto fixo S, catacáustica é a envolvente dos raios luminosos que partem de S e são refletidos em C.

 

Se a curva C for uma circunferência e o ponto S estiver numa determinada posição então poderemos obter como curva cáustica uma cardioide ou um caracol de Pascal.

Ngc 6596 e IC 4701 


Não se trata de um objeto de céu profundo strictu sensu. Trata-se de uma imensa cidade estelar no braço de Sagitário de nossa galáxia e se espalhando por cerca de 600 anos luz possui estrelas entre 10.000 e 16.000 anos luz de nós. Na verdade, essa bela peça de tapeçaria é e uma porção da galáxia que se revela entre a nebulosidade escura no entorno do centro galáctico próximo. O efeito é sensacional.

Messier a observou em 20 de junho de 1764 e escreveu:  Aglomerado no mesmo paralelo que o anterior e acima da ponta do arco de Sagitário na Via Láctea. Uma grande nébula dentro da qual a diversas estrelas de várias magnitudes. A luminosidade se espalha através de toda a aglomeração e se concentra em várias regiões. A posição dada é do centro do aglomerado.

M 24 é a mais densa concentração estelar visível por binóculos. mais de 1000 estrela são perceptíveis no campo.

Ngc 6603 é um belo alvo por si só. Um aberto dificil de resolver . Mas charmoso em seu esfuminho. Telescópios maiores devem dar um jeito nesse amotinado. Se encontra sobreposto a Nuvem. na sua região mais próxima. 10.000 anos luz. É uma descoberta de John Herschel. Sua estrela mais quente indica uma idade de 100.000.000 de anos. è dificil de se distinguir do fundo. Aumento ajuda.  

Os discretos aglomerados à oeste.

           A Pequena Nuvem é um lugar perfeito para se praticar a observação visual e descobrir muitas ilhas perdidas em meio as algas. E em seu entorno chegar a portos ainda mais seguros e dignos de nota. M 17 e M 18 compõem muito bem a passagem. E ainda outros portos mais escondidos. Sendo interessantes e Ngc 6596 justaposto a IC 4701. E diversos abertos a oeste da obra Todos com uma aparencia mais de sistemas multiplos que de Aglomerados abertos propriamente ditos (com 120X de aumento) . São estes IC 1283 , IC 1284 , Ngc 6595 e Ngc 6589. Com mais tempo de exposição provavelmente se obterá registro de nebulosidade abraçando todo esse conjunto.  Fiz uma bela inspeção na foto obtida e espero que esta sirva como um mapa eficiente para se explorar a” América”.


            De volta a Colombo o empirismo acabou por ser o guia.

Seguindo a leitura d0s diários percebemos que no dia 7 de outubro os pássaros novamente assumem a posição de piloto da descoberta. À tarde, ao perceberem que uma grande multidão de pássaros voava do Norte para sudoeste iria, certamente, dormir em terra o Almirante lembrando-se de que os marinheiros portugueses tinham feito suas descobertas seguindo aves deu ordem de abandonarem o rumo oeste e seguirem Oeste Sudoeste por dois dias. No dia 8 já percebiam ervas muitos frescas e de caráter fluvial e pássaros menores. Na quinta dia 11 (a véspera da descoberta) e ainda no rumo Oeste sudoeste estes viram petréis e juncos verdes. Ao entardecer este mandou seguir de novo a oeste. E logo Rodrigo de Triana, abordo da caravela Pinta avistou terra.   No dia seguinte chegaram a pequena ilha no arquipélago das Lucaias, chamada pelos indígenas de Guanahani e batizada de San Salvador por Colombo.

E assim, nos conta Mourão, acaba (ou começa) a Grande Utopia Colombiana.