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sexta-feira, 9 de março de 2018

Vivitar 70-150 mm f 3.8: Não façam o que eu faço e nem façam que eu digo



         A astronomia é uma ciência de muitas ciências. Na busca pelo entendimento do comportamento do céu a humanidade acabou por desenvolver a geografia, todos os ramos da física, da química e arrisco dizer que todas as ciências ditas humanas tem um pé no céu. Na verdade, não gosto muito desta dicotomia. Ao contrário de vários colegas, que dividem as ciências em exatas e em humanas, eu acredito que todas estas sejam humanas. Até que me apresentem alguma outra espécie capaz de fazer ciência e buscar entender leis universais ou não continua a Ciência sendo uma tarefa humana.  Estou junto com Humboldt ...   
Como nos disse Serviss em seu “Round the Year with the Stars”: Certamente não há nenhum outro campo da contemplação humana tão maravilhosamente rico como a astronomia! É tão fácil de ser alcançada, tão sensível a cada humor, tão estimulante, inspiradora, divertida e infinitamente consoladora. Nem todo mundo pode ser um químico, geólogo, um matemático, mas todos podem ser e devem ser, de uma forma modesta e pessoal, um astrônomo. Já que olhar as estrelas (star-gazing) é o grande remédio da alma”.
Mas o mais divertido na pratica astronômica é que você aprende muitas coisas sobre muitas coisas... Meu avô, que era advogado, advogava (sem medo da redundância...) que seu trabalho era estimulante pois a cada caso ele era obrigado a aprender sobre outros saberes. Em um famoso desmoronamento, que levou a muitas mortes, seu cliente foi responsabilizado pelo infortúnio. Depois de muito estudo e de praticamente tornar-se um engenheiro (segundo conta a lenda) ele descobriu que seu cliente (que era o calculista) havia sido levado ao erro pela geotécnica. Substrato errado, conta errada... Cliente absolvido.
A astronomia é muito desta forma para mim. Me faz torneiro, ótico, marceneiro... Apesar de admitir que o neófito deva procurar por outros astrônomos, buscar por um clube de astronomia (em tempos pré internet isto era ainda mais valido...) e etc... eu mesmo nunca o fiz. Sempre fui muito autodidata em meus hobbies. E mesmo em meu trabalho. Me formei em geografia e trabalho com elétrica móvel. Aprendi trabalhando e tomando muito choque. Felizmente sobrevivi. Nunca fui muito afeito a nada que cheirasse a escotismo (embora tenha chegado a escalar bem na juventude. Sobrevivi a isso também.)
O mar de ruido é fruto dos fungos. A imagem lavada idem. A foto foi uma unica exposição de 30 seg em ASA 1600. M 42 merece melhor sorte...

Embora as luzes do Vidigal não sejam um adversário a altura percebo  uma melhora evidente. A foto tremida é culpa minha e não da lente...


Desta forma quando ganhei diversas lentes de “herança” e descobri que uma delas se encontrava coberta de fungos achei que deveria procurar por um técnico para limpa-la. A forma como descobri que a mesma estava coberta de fungos já foi atípica. Bastaria olhar através da mesma contra uma lâmpada e a “teia” densa e branca seria mais do que obvia. Afinal todo o obvio é ululante.  Mas não foi assim.  Primeiro fiz uma montagem de carpinteiro para minha câmera. O jeito mais tosco que conheço para se montar uma câmera em Pigback em um telescópio. Este o Galileo. Que por sua vez é o telescópio com o bridge plate mais tosco que conheço. Apesar de tudo a foto abaixo prova que uma esquadria e pedaços de sarrafo permitem a pratica da observação e da astrofotografia. Para a montagem da câmera em Pigback foi acrescentado ao “embrulho” um nível de carpinteiro, um parafuso e duas porcas. Ao testar as lentes em uma noite maravilhosa percebi que a Vivitar 70-150 mm que havia ganho deixara muito a desejar. Aí então a apontei para uma lâmpada...

A lente que esta montada na foto não é a Vivitar. É uma Pentax 300 ED . Felizmente veio em excelente estado e sem fungos.. Não teria a coragem de fazer o mesmo que fiz com a Vivitar...  

Como já disse sou um autodidata. Além disto um autodidata “duro”. E pior... Um autodidata duro e pão duro.
Desta forma ao fazer uma rápida consulta a um amigo e este imaginar que a limpeza da lente não sairia por menos de R$ 300,00 eu comecei a pensar se não era hora de aprender como limpar lentes. Ou jogar ela fora. Você a vai encontrar por aí a venda por menos que isto... Na Amazon encontrei por 20 dólares e no Mercado Livre tem gente pedindo entre 165 e 500 reais. É uma lente “pé de boi”. Foi feita pela Vivitar entre 1976 e 1979. Foi um sucesso comercial. Com um multiplicador ela vira uma 300mm e mantém f 3.8. Apresenta bastante cromatismo. Especialmente em f 3.8. Se você busca por uma lente deste tamanho ela terá excelente custo-beneficio. A minha veio com uma baioneta para Pentax K. Mas é fácil conseguir adaptadores para Nikon e Canon. Ela vai ser uma lente totalmente manual. 
A grande maioria das pessoas vai lhe dizer que você não deve limpar suas lentes, espelhos ou qualquer coisa de seu equipamento astronômico. A menos que seja realmente muito necessário.  Pode ser verdade..., mas já limpei meu espelho primário e secundário. Continuam tão bons quanto novos e definitivamente melhores do que quando estavam sujos. Já descobri que na astronomia, assim como na vida, muitas pessoas dão conselhos sobre o que nunca fizeram E não fazendo nunca erraram.   E com uma lente condenada nas mãos era uma excelente oportunidade para se errar...

Camera Wrench

Em uma rápida pesquisa descubro que preciso de uma “câmera wrench” para abrir a minha Vivitar. Lógico que não a possuo e pesquisando descubro que não é tão fácil obter uma no Brasil. Teria que apelar para o Ali Express e este nada tem de expresso. Pesquiso mais um pouco e descubro que um cartão de crédito velho, devidamente cortado pode servir para o serviço. Não é verdade...

1a lente

2a lente

A observação é o começo do método... E assim fico olhando para a lente, de vários ângulos. Percebo que há uma (na verdade duas) ranhuras no que só poderia ser o anel de fixação da lente. Finalmente concluo que um compasso poderia ser utilizado para abrir a lente. Não funciona. Muito fraco. Penso mais um pouco e tento com uma caneta (que posteriormente se transforma em um clip de papel) ... E voilá.  A lente vai se abrindo. Retiro a primeira lente. Percebo as mesmas ranhuras no anel em torno da 2ª lente. Com jeito ela se deixa levar também. A 3ª não vai. Esta possui dois furinhos em vez de ranhuras... Preciso de uma ferramenta mais apropriada. Mais uma rápida inspeção pela casa e me deparo com uma “câmera wrench” muito mais eficiente que  o clip... Uma tesourinha de unha.   Apesar de não ser a projetada para tal ela é a “ferramenta certa”.  Faz o serviço sem danificar as superfícies óticas (embora arranhando um pouco o anel...).
3a lente

Leve arranhada... Esta é dificil de se recolocar no lugar... 

De posse das lentes é só remover os fungos...  Mas como?
 Igual a prato sujo. Agua e sabão...
 Limpo as três objetivas que tinha retirado bem com uma mistura de água e sabão neutro e seco e “esfrego” bem com Rosco paper (a ferramenta certa sendo usada pela primeira vez nesta missão...) Limpo as superfícies expostas que restaram na câmera. (Há mais um conjunto de  lentes Uma delas  teve a superfície externa limpa e a lente mais próxima ao obturador eu que não retirei e limpei também somente uma das superfícies a externa. Suas retiradas ( e de mais duas) implicariam em ter que retirar o anel de abertura e definitivamente preciso das ferramentas certas “mesmo” para tal.




A 2ª lente era, disparada, a mais coberta de fungos. Diria que 98 % dos fungos no conjunto se encontravam na mesma. Especialmente na superfície mais “externa” desta.
Deixo tudo secar bem e remonto. Reinstalar a 3ª lente não é tão fácil. Tem que entrar muito no esquadro ou a rosca fina acaba engripando pelo caminho e utilizar WD 40 não é uma opção.  Tudo de volta a lugar e não sobrou nenhum parafuso ou lente ou o que seja...
Olho com a lente montada para luz e não vejo mais nenhum fungo.   Tudo bem!!! Sobraram cerca de 1% destes que aguardam as ferramentas certas aparecerem para poder limpar a superfícies das lentes mais próximas ao obturador. Não sei se o farei. O ótimo é inimigo do bom ( mas me conhecendo é capaz que eu insista no erro...) . A lente já ganhou um  folego admirável.  




Este caso é um daqueles onde não recomendo nem que façam o que eu faço nem que façam o que eu digo. Mas a lente esta “quase” como nova... Se ela sobreviver as ferramentas certas que estou esperando talvez tenha 100% dos fungos removidos. Talvez fique como está.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Ngc 3496, John Herschel e Tudo que Existe


             

             Ngc 3496 é um aglomerado padrão para o “Projeto Tudo que Existe”. Neste pretende-se registrar, seja visualmente seja fotograficamente, todo o Catalogo Ngc ao alcance de observadores nas proximidades do Trópico de Capricórnio. Não se espera nenhum tipo de qualidade nos registros e sendo possível diferenciar o DSO de uma roda de fusca 68 o registro é aceito.

                Ngc 3496 foi descoberto por John Herschel. Este, talvez, o único astrônomo que realizou um completo levantamento de nebulosas em ambos os hemisférios terrestres. Primeiramente re-observando todo o trabalho realizado por seu pai, William Herschel juntamente com sua tia Caroline e posteriormente realizando seu grande levantamento a partir de Cape Town.  O trabalho de John é uma versão 2.0 do que se propõe o “Projeto Tudo que Existe”. Em primeiro lugar por este ter observado em ambos os hemisférios. Segundo por ele ter descoberto e não apenas observado quase todas as entradas austrais do catalogo Ngc. E terceiro porque ele, de fato o fez...
                Agnes Clerk foi uma das maiores historiadoras da astronomia e em seu legado nos deixou um livro que quase todo apaixonado por Urania deveria ler. “The Herschels and the Modern Astronomy” de 1895.  Neste, depois de ter detalhado a vida e a obra de William e Caroline, aborda os trabalhos de John. Ela abre assim o primeiro capítulo da parte dedicada a este em seu lindo trabalho
                “O pequeno menino é divertido, cômico e promissor” Dr. Bruney escreveu depois sua visita a Slough em 1797. John Frederick Herschel era então um garoto de 5 anos o qual nascera “na sombra de um grande telescópio”. De pois de flertar com várias ciências ele se decidiu pela observação dos céus e um de seus primeiros feitos foi reexaminar as estrelas duplas descobertas por seu pai. Este mediu 380 das entradas originais de seu pai e fez diversas correções. Sua pesquisa com estrelas duplas foi parte importante de seus estudos durante toda a vida. Neste trabalho ele desenvolveu o conceito de “Astronomia do Invisível” ao descobrir que em muitos dos pares algumas destas estrelas já conhecidas possuía outra companheira e que a perturbação de suas orbitas indicavam revelavam massas obscuras- planetas de escalas colossais e possivelmente regiões para inimagináveis formas de vida.
                Com a morte do pai este resolveu organizar todos os papéis deste e re-observou todas as 2500 nébulas descobertas por este. Sendo que a metade destas era invisível para quase qualquer instrumento com exceção do seu.  Ele iniciou este projeto em 1825 e o concluiu em 1833. Neste processo ele ainda descobriu 3.347 estrelas duplas. Muita das quais extremamente afastadas para poderem ser consideradas dignas de nota...
                Em 1835 ele sentou praça em Cape Town e iniciou seu gigantesco levantamento de Nebulosas do céu austral. Ele vai se tornar o maior conhecedor destes e completar em grande estilo a trindade austral composta por Ele mesmo, Dunlop e Lacaille.
                A partir de seu observatório em Feldhausen John vai fazer uma colheita celestial que jamais será repetida por nenhum outro observador por meios puramente visuais na história da humanidade.  1.202 estrelas duplas e 1708 nebulosas e aglomerados dos quais apenas 439 já teriam sido observados. Seu estudo sobre as Nuvens de Magalhães vai constituir base para uma mudança de paradigma que só será encerrado por Hubble já no século XX.
                Não era uma das características mais marcantes de John uma prosa concisa. Podemos perceber isto pelo título de seu grande trabalho: “RESULTS OF ASTRONOMICAL OBSERVATIONS MADE DURING THE YEARS 1834, 5, 6, 7, 8, AT THE GAPE OF GOOD HOPE; BEING THE COMPLETION OF A TELESCOPIC SURVEY OF THE WHOLE SURFACE OF, THE VISIBLE HEAVENS, COMMENCED IN 1825.”
                Foi este o cara que descobriu o discreto e tímido aglomerado aberto aqui apresentado. Sua descrição não é exatamente apaixonada. " e, F, S, R, gb M". Ou seja : extremelly Faint , Small, Round, gradually brighter  Middle".  É classificado com III 1 M na classificação Trumpler. Como trata-se de um aglomerado do Projeto Tudo que Existe suponho que os que aqui estão lendo isto sabem o que significa. Senão olhem aqui...
                   A foto que aqui ilustra o elemento é fruto de um drizzle de 3 X feito no Deep Sky Stacker a partir de uma foto realizada com uma Lente Pentax ED 300 mm. Posteriormente revisitei o aglomerado com o Newton (meu refletor 150 mm f8). Com 240 vezes é um pequeno e delicado aglomerado que se apresenta de forma bem evidente embora pequeno. Resolvem-se pequenas estrelas bem concentradas e de algum colorido. Saber onde ele esta ajuda muito. É uma região bastante contaminada e rica e este poderia passar desapercebido por um observador desavisado.   Eu mesmo, certamente, já passara por aquelas bandas e não percebi nada. Céus escuros vão ajudar muito. Tenho minhas duvidas de ter percebido algo a partir da Stonehenge dos Pobres. É alvo para céus mais generosos. Quero testar o mesmo na próxima ida a Búzios. De Lumiar é modesto, porém presente.
Escondido no meio de tanta beleza. No canto direito da foto habita Ngc 3496...


                Não é um aglomerado muito estudado. Mas localizei um trabalho realizado por L. A. Balona e C. D. Laney (1995) "CCD Strömgren photometry of NGC 3496 and Melotte 105."
                Segundo estes no campo de nosso aglomerado podemos distinguir pelo menos duas populações: um grupo de idade intermediaria que inclui um pequeno número de estrelas tardias do tipo B ou jovens estrelas do tipo A e um grupo mais conspícuo representado por um ajuntamento de gigantes vermelhas. De um se deriva uma idade de 400 milhões de anos e do outro algo em torno de 640 milhões de anos. Cabe a dúvida a de serem fruto de eventos distintos que levaram a surtos de nascimento estelar ou de não se tratarem de   um aglomerado de fato.  Sua distância é de mais de 990 mil anos luz.  O trabalho se aprofunda na utilização de variáveis pulsantes como uma técnica mais eficiente e precisa para a determinação do estado evolucionário de aglomerados galácticos.


                Localizar Ngc 3496 não é difícil. Se encontra bem próximo a leste  da Grande Nebulosa de Eta Carina.  Mas lembre-se que ele demanda algum aumento para ser realmente percebido. Não espere perceber este pela buscadora. Será, na melhor das hipóteses estelar e não será uma das estrelas mais brilhantes na região.
                Os americanos têm um termo bom para quem irá atrás de um alvo como Ngc 3496. “DSO die-hard”.