Quando me iniciei
nas artes de ver o céu descobri uma figura histórica notável e que apesar de
seu papel fundamental na construção do céu que paira sobre nossas cabeças ao
sul do equador é praticamente desconhecida dos astrônomos
amadores na Terra Brasillis. Nicholas
Louis de Lacaille , o Abbe Lacaille. Este cidadão não só criou toda uma família
de constelações bem dentro do espirito de sua época ( todas possuem nome de
instrumentos científicos) como deixou o planisfério que hoje utilizamos. Não
bastando isto ele registrou as mais proeminentes nebulosas do céu austral. Em seu " Sobre as Estrelas Nebulosas do Céu Austral" ( Sur les Étoiles Nébuleuses du Ciel Austral) de 1755 ele
apresentou 45 nebulosas. Destas 38 ou 39 se revelaram verdadeiros DSO´s. Todas estas entradas estão entre as maiores
joias da coroa celestial austral.
Já sabendo disto tudo e de posse
de meu primeiro telescópio me dediquei primeiramente a observar todo o catalogo
Lacaille. Pouco depois e já com alguma experiência achei que seria um bela
escola registrar todos os "Objetos Lacaille" fotograficamente.
Entre o inicio e o fim desta
grata tarefa passaram-se cinco anos , dois telescópios ( O Galileu , um
refrator de 70 mm e o Newton , um refletor de 150 mm) ,diversos binóculos e 3
cabeças equatoriais ( Eq1, Eq2-3 e HEQ5). Bem como duas câmeras DSLR ( Uma
cânon 350D e uma T3 ) .
Mas a fila tem que andar e
finalmente venho falar sobre o ultimo dos Objetos Lacaille que faltava-me
fotografar. A grande novidade no front é
que não falta mais nenhum.
Ngc 4833 foi abatido na noite de
10 de abril de 2016.
Localizado na pequena constelação de Musca este é um aglomerado globular bastante interessante. E de difícil
acesso para habitantes ao norte do Equador.
A constelação de Musca reside ao
sul do Cruzeiro do Sul. Sua história remonta ao seculo XVI e faz parte de doze
antigas constelações introduzidas nos céus pelos navegantes holandeses Keyser e de Houtman em seu caminho para as Índias Orientais. Em seu catalogo de 1603 de Houtman a constelação é chamada de " De Vlieghe" ( Mosca).
Bayer em seu clássico atlas
Uranometria chama a constelação de Apis
, a abelha.
Lacaille posteriormente chamou-a
de Musca Australis em seu planisfério.
Houve um tempo em que existiu sua contrapartida, Musca Borealis ( um apêndice em Aries )... Mais tarde o nome foi encurtado para Musca.
No caminho até Ngc 4833 não
podemos deixar de perceber duas interessantes estrelas em Musca. Beta Musca é uma interessante estrela dupla e
que pode ser útil para se iniciar a navegação até nosso alvo em locais de forte
poluição luminosa. trata-se de um sistema duplo bem interessante apesar do pouco
contraste de cor entre suas estrelas . Serão divididos com quase qualquer
auxilio óptico . Carregam ainda a curiosidade de serem estrelas "fugitivas".
Passeiam pelo espaço em altíssima velocidade em comparação ao seu meio . Fazem
parte da nossa já conhecida associação Centaurus - Scorpio. Seu período é de
194 anos ao redor de seu centro de gravidade...
Agora já bem mais perto de 4833
e quase uma parada obrigatória esta Delta Musca. Trata-se de uma dupla espectroscópica cuja a
primaria é uma bela estrela alaranjada. É a estrela mais próxima da Terra na
constelação. Ela se apresenta com uma companheira não relacionada na buscadora.
LS Musca. Esta é uma variável. Ngc 4833 vai estar levemente ao norte. Em minha
ocular 40 mm ambas se encontram no mesmo campo. É interessante retirar Delta do
mesmo campo pois esta pode "disfarçar" o globular.
1X20 seg 6400 ASA |
Visualmente o globular é pouco
mais que um esfuminho. Sua estrela
estrela mais brilhante arde com magnitude 12,4 e seu ramo horizontal em 15,5.
Portanto resolvível em telescópios de médio porte. Em sua foto percebemos ele
resolvido . Visualmente isto acontece parcialmente. Um grupo de estrelas mais
brilhantes marca o centro do globular recordando de forma modesta M 4 em
Scorpio.
Lacaille descobriu Ngc 4833 em
17 de março de 1752 e é a entrada Lac I.4. Ou seja: a quarta entrada da
Categoria I. Nebulosas sem estrelas. Sua
descrição é como sempre sucinta e precisa: " Recorda um pequeno cometa.
Tênue". Em minha buscadora 10X50 mm
é exatamente assim que o globular se apresenta. Lacaille possuía lunetas ainda
menos potentes que isto.
Ngc 4833 é a terceira entrada
mais ao sul do catalogo Lacaille ( atrás apenas de Tuc 47 e de Ngc 2070 , a
Nebulosa da Tarantula) . Seria de se imaginar que apenas os pesquisadores do
céus austrais tivessem registrado sua existência . Não me foi surpresa que Dunlop o tivesse
incluído em seu catalogo. Mas que que em seu registro ele cite Bode foi , no
minimo , inesperado: " (Musca 12 , Bode)
Esta é uma bela e arredondada nebulosa, com cerca de 4´de diâmetro,
moderadamente condensada no centro. esta , com aumento da ampliação , tem a
aparência de um globo de matéria nebulosa com estrelas bem pequenas na sua
margem noroeste. Mas com poder suficiente para resolve-lo a aparência globular desaparece e a mais
brilhante e condensada parte é o lado oeste do centro com estrelas
consideravelmente espalhadas do lado nordeste. resolvível em estrelas de
magnitudes diversas. Uma nebulosa a
oeste (D 164)
É interessante a inclusão do
aglomerado como Musca 12 do catalogo de Bode. Pode ser que se refira a Delta
Musca. O catalogo de nebulosas compilado por Bode em 1777 definitivamente não
fala do Globular embora localize alguns objetos descobertos por Lacaille. Bode
observou a vida toda de Berlim...
11X 20 seg 6400 ASA - Canon T3 Newton 150 mm HEQ5 pro - Percebe-se nitidamente a barra central e a estrela de 7 mag citada por Herschel- 2X Drizzle no Deeo Sky Stacker |
Como não poderia deixar de ser
John Herschel em seu gigantesco levantamento do céu austral também deixa seu
testemunho sobre nosso convidado:
” Globular , brilhante , grande, redondo ,
gradualmente mais brilhante em direção ao centro . Estrelas de 14a
magnitude e uma de 7a magnitude a noroeste do centro.; Interessante
objeto ( h 3444)"
Como podemos perceber todos
percebem a série de estrelas mais brilhantes a seu centro. Na verdade são um
aglomerado de estrelas brihantes dentro do aglomerado que nos transmite esta impressão.
Ngc 4833 é um aglomerado extremamente
pobre em metais com estrelas
apresentando 1/60 da quantidade presente
em nosso sol. É evidentemente muito
antigo sendo um daqueles objetos paradoxais quase mais velhos que o universo.
Sua idade é calculada em 15 bilhões de anos. Sua distancia não é alvo de muitos
conflitos e todas as fontes nos falam em
algo ao redor de 16.000 anos luz.
Por uma daquela coincidência sem
nada a ver com as leis fundamentais do universo mas por isto mesmo muito
suspeitas foi o ultimo Lacaille fotografado por mim. Se não um nobre título
pelo menos uma bandeira quadriculada...