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quinta-feira, 9 de julho de 2020

A Lua , O Mar do Néctar e a Cretinália


               

              Com a quarentena a astronomia acabou ficando meio de lado. Embora tempo livre não fosse artigo em falta a “Cretinália” me afetou. E assim em tempos de cloroquina e sem ministro da saúde eu acabei me chafurdando em minisséries e outras atividades menos nobres.  Curiosamente o cineasta Jorge Furtado enviou um poema de Pope traduzido e por alguma razão eu achei que era hora de tirar a poeira do Newton e começar a olhar o céu de mais   perto. Em vez de meus amados DSO´s resolvi abrir uma temporada lunar. Até porque nela existem lições que não devem ser esquecidas nos tempos que a terra plana parece ser levada a sério até no Itamaraty e   planalto central afora...
                Inspirado pelo momento político brasileiro, Jorge realizou uma boa tentativa de tradução de um trecho de “The Dunciad” (A Cretinália), poema satírico de Pope onde a deusa Torpeza ocupa o trono e manda aprisionar a Ciência, exilar a Arte e amordaçar a Lógica.
                Provavelmente devido ao Exilio da arte eu ficarei sem trabalho um bom tempo. E com a mordaça lógica meus clientes (na maioria estrangeiros) ficarão sem aparecer um bom tempo. E desta forma devo aproveitar que o Lei de Broken vai se comprovar e eu terei muito tempo. A Lei de Broken diz que quanto mais tempo tenho para a astronomia menos dinheiro eu tenho.
                Antes de chegar até o Mare Nectaris e as lições e histórias escondidas no seu entorno acho interessante esclarecer que a dificuldade desta tradução começa pelo título, “The Dunciad”. O poema de Alexander Pope é uma sátira onde a deusa Dulness (vossa Lerdeza) governa um reino de dunces (burros, ignorantes, cretinos). Já vi o título “The Dunciad” traduzido por “A Duncíada”, o que mais confunde do que ajuda. A tradução poderia ser “O Burrismo”, ou “O Ignorantado” mas, pensando na classe governante brasileira, um grupo que inclui sicários corruptos, militares saudosos das torturas, falsos pastores, vigaristas alucinados, obscurantistas delirantes, punguistas profissionais, imbecis e oportunistas patéticos, acho que uma boa tradução é “A Cretinália”.
7 e 8 de Julho de 2020

                Agora rumo a Lua.
                Fotografar a Lua é uma tarefa bem menos árdua que DSO´s. Nada de alinhamento polar, acompanhamento etc. É claro que se pode fazer isso de uma forma mais “profissional”. Geralmente aí se utilizando câmeras de filmar e o Registax. Confesso que não é muito minha praia. Mas considero possível obter resultados bastante satisfatório utilizando uma câmara reflex e o Newton (Meu telescópio 1200 mm f8). É também uma das poucas vezes que costuma calçar minhas barlows no telescópio. Barlow são lentes que a maioria dos fotógrafos chamariam de duplicadores. Atuam como uma lupa. E no caso de uma Barlow 2 X duplicam a distância focal do telescópio (ou mais vezes dependendo da Barlow).  
                Além das razões expostas anteriormente a lua vem nascendo em posição favorável para a observação a partir da “Stonehenge dos Pobres” (a Janela de meu apartamento).  E assim nas noites de 7 e 8 de julho de 2020 lá fui eu desenferrujar.
Bad Moon Rising.  Foto artistica .   Desobediência civil...  

                Como já falei fotografar a lua demanda menos esforço que quando se deseja fotografar objetos de céu profundo (DSO´s). E assim além de tirar a poeira do Newton coloco Hipátia para passear (minha cabeça equatorial EQ -3). Mlle. Herschel e seus contrapesos ficam no armário e poupam essa velha coluna que se encaminha para meio século esta semana do esforço. Não preciso de Go-to Para localizar a lua nascendo a leste. Na verdade, comecei tão preguiçoso que nem buscadora montei. Mas acabei tomando o mínimo de vergonha na cara e instalei minha 50 mm no newton para salvar muito tempo. Afinal quando se fotografa de uma janela a Janela de tempo existe.  No dia 7 fiz algumas fotos com o velho Galileo (um refrator 900 mm f 13) e com um Celestron 750 mm que peguei na casa de meu tio para reformar. Porem este possui um a cremalheira plástica já toda comida e o foco se faz muito difícil.
                Encurtando o assunto fiz umas poucas fotos sem Barlow englobando a lua inteira. E depois Passeei ao longo do “Terminator” (a região onde a luas se divide entre a parte iluminada e escura) com minha Barlow 2X calçada.
                Diversas formações interessantes se apresentaram, neste post vou abordar em especial a região do Mare Nectaris. Principalmente e só por isso devido aos personagens que batizam as crateras e formações no seu ao redor.
                Acho importante dizer que os Mares Lunares são planícies de lava vulcânica bem mais escuras que as regiões ao seu redor e remontam aos tempos que a lua ainda apresentava atividade vulcânica. O Mare néctares se formou durante o período nectariano (incrível coincidência...). Ou seja, algo entre 3.98 e 3.85 bilhões de anos atrás...
                O Mare Nectaris (O Mar do Néctar) se localiza na região sudeste da lua. O que é bastante curioso já que a lua não apresenta campo magnético significativo e, portanto, uma bussola por lá é algo bastante inútil.  Na verdade talvez a bussola vá apontar em direção a centro do Mar do Néctar pois foi achada uma concentração de massa (MASCON) ou uma alta gravitacional em seu centro (vejo o mapa gravitacional do GRAIL).  Provavelmente nem isso. 
GRAIL





               



          Numerei as formações que mais me agradam ao redor do Mar em sentido anti horário e assim temos: 
          1.       Theophilus
          2.       Cyrillus                  
          3.       Chatarina

Estas três sendo os escudeiros na entrada noroeste do mare.  Teophilus é a mais jovem das três e sua estrutura revela isto. Enquanto Catharina e Cyrillus são contemporâneas do Mare Nectaris, Theo (para os íntimos.) se formou no período Eratostheniano. Este compreende algo entre 3,2 e 1,1 Bilhões de anos.
         4.       Fracastorius- É minha formação favorita no Néctar. A maior cratera da região. Imagino este como um imenso golfo separado do Mar por um pequeno estreito. Fosse a lua um oásis consigo ver um imenso litoral com mais de 150 km (a cratera tem 127 km de diâmetro). A cratera é percebida com binóculos com 10X de aumento. O melhor período para sua observação é 4 dias após a lua cheia (a foto foi feita 3 dias após).  Mas o mais interessante e/ou folclórico é o personagem que o batiza. Uma figura renascentista por excelência. Girolamo Fracastorius nasceu em Verona em 1478 e faleceu na mesma Verona de Romeu e Julieta em 1553.  Cientista e poeta. Seus grandes feitos foram o refinamento da Teoria das esferas homocêntricas e um “famoso” poema sobre a Sífilis.  As esferas homocêntricas tiveram papel na matemática de Copérnico. Na verdade, o poema de Fracastorius dá o nome Sífilis a doença.  “Syphilis sive morbus gallicus” (Sífilis ou a Doença Francesa) conta a história de um pastor chamado Syphilus que insultou Apolo e foi punido com uma terrível doença. Fracastorius foi um epidemiologista sensato para seus tempos e nos deixou também a primeira descrição sobre o Tifo. Não teria nenhuma chance no Ministério da Saúde de nossos tempos.
           5.       Cook
           6.       Colombo
           7.       Magalhães
Desnecessária a apresentação. Mas em tempos de Terra plana é sempre bom lembrar que Cook foi o descobridor da Nova Zelândia, Havaí e alimentou com sua própria carne alguns nativos do pacífico. Colombo descobriu a América dando a primeira prova de uma terra esférica, mas errando por alguns milhares de quilômetros e Magalhães da a primeira volta ao mundo batendo um último prego no caixão do Araújo.  E no dele também já que morreu no processo.
        8..       Gutenberg- Na extremidade Sul do Montes Pirineus que marcam o limite leste do mare Nectaris e o separa do Mare Fecundidatis. Uma Cratera que me parece mais uma divisão entre duas cristas dos Morros. Mas em tempo de fake News o inventor da “Imprensa” e da Prensa tipográfica não poderia ser esquecido. É uma cratera bem antiga. Do Pré Imbriano. Algo entre 4,5 e 3,5 Bilhões de anos. Logo mais antigas que as montanhas ao seu redor (que são do período Nectariano)
          9.       Capella – Uma Cratera contemporânea de Gutenberg e que homenageia o inspirador de Copérnico. Martianus Capella. Um Jurista cartaginês do século V que escreveu uma teoria de como Vênus e mercúrio giravam ao redor do sol.
       10.   Isidorus- Essa fecha o círculo e marca o promontório Nordeste que limita  e o separa do Mare Nectaris do mare Tranquilitatis. Forma belo par com Capella.  Homenageia Isidoro de Sevilha. Este serviu como arcebispo de Sevilha por mais de três décadas e é considerado, nas palavras do historiador do século XIX Montalembert numa frase muito citada, "o último acadêmico do mundo antigo”. Na época da desintegração da cultura clássica, marcada por violência aristocrática e analfabetismo, Isidoro se envolveu na conversão da casa real visigótica, ariana, ao catolicismo, ajudando seu irmão Leandro de Sevilha, e continuando seu trabalho depois de sua morte. Ele era muito influente no círculo mais íntimo de Sisebuto, o rei da Hispânia visigótica e, com Leandro, destacou-se nos concílios de Toledo e Sevilha. Sua fama depois de morto baseou-se em sua "Etymologiae", uma enciclopédia que juntou fragmentos de muitos livros antigos que, não fosse por isso, teriam sido completamente perdidos.  Hoje em dia provavelmente seria considerado muito avançado e não teria nenhuma chance como Bispo na IURJ. Afinal não achava a ignorância melhor que o saber e parece nunca ter vendido indulgências.

Virtual Moon Atlas

A região do Mare Nectaris é melhor observada entre o terceiro e o quinto dia depois da Lua cheia. A margem leste próximo ao terceiro e a oposta junto ao quinto. Mas lembre-se que no terceiro dia você vai ver tudo aqui apresentado . No quinto não...  E supondo que a lógica já tenha sido solta você também pode observar bem a região entre 4 e 5 dias depois da Lua Nova.