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terça-feira, 31 de outubro de 2017

M 35 , Meteorologia e um Vizinho


         M 35 é um dos mais belos aglomerados abertos dos céus. E é um local repletos de coincidências, que ao contrário da maioria destas podem ser relacionadas a algumas leis fundamentais do universo.
                O aglomerado é considerado como um arauto do bom tempo. Conseguir perceber M 35 a olho nu significa uma transparência absurda e é sinônimo de tempo seco.  Uma das coincidências é que a astronomia e a meteorologia caminham juntas desde a antiguidade.  Aratus (270 A.C.) em “O Céus” (Phenomena) nos apresenta o legado de Eudoxus e o conhecimento dos fenômenos celestes nos tempos de Platão. No mesmo compêndio ele apresenta “A Previsão do Tempo” (Diosemia) . Em forma de poesia ele reúne as duas ciências em um único volume. Não me parece coincidência.
“Known are their laws ; in harmony unroll
The nineteen-orbed cycles of the Moon.
And all the signs through which Night whirls her car
From belted Orion back to Orion and his dauntless Hound
                          Aratus na tradução de E.Poste


                Aratus nos apresenta o caminho do sol pelo céu e as constelações do Zodíaco. Curiosamente ele nos mostra como o sol se encontra em Gêmeos no Solstício de verão (A História como a conhecemos costuma se passar no Hemisfério Norte) .
                É aí que as coisas começam a ficar interessantes. Alguns milênios mais tarde Serviss (O Carl Sagan do séc. XIX) nos conta em seu antológico “Astronomy with na Opera Glass” que no momento que o sol atinge sua maior declinação norte ele se encontra sobre M 35. Na verdade a frente de M 35.  “No brilho do pôr do sol aquele enxame estelar é escondido de nossa visão, mas com os olhos da mente podemos olhar através e além do nosso sol pelo abismo incompreensível do espaço e o contemplar ainda brilhando, seus raios misturados ao nosso grande Deus do Dia o fazendo então parecer apenas mais um vagabundo solitário na extensão do Universo”.
                Não bastasse isto Serviss ainda nos lembra que apenas alguns graus a sudoeste deste (lembrem-se: o zodíaco e a eclíptica são "quase"  mesmo lugar) William Herschel descobriu Urano na noite de 13 de março de 1781.
                M 35 é ainda (e também por isto. Era grande fã de Serviss) o aglomerado aberto preferido de Walter Scott Houston, este o criador e autor da coluna Deep Sky Wonders por várias décadas na revista Sky and Telescope.  Scott nos conta na sua coluna de março de 1964 (dias antes do Golpe de 1 de abril aqui nas terras tupiniquins) que aprendeu as constelações lendo o livro de Serviss.  Nesta ele fala que não possuía um binoculo de ópera, mas sim uma luneta de 25 mm feita com uma lente subtraída de um óculos materno e com uma lupa obtida de seu pai. Foi assim que ele viu M 35 pela primeira vez. E mesmo assim a impressão que ficou foi de maravilha...
                Todos os autores (desde Smith) falam que M 35 é perceptível a olho nu como uma pequena região nebulosa em noites favoráveis. Mas nenhum dos autores mais antigos jamais afirmou ter, de fato, visto M 35 a olho nu.  Houston tinha  por hábito em suas explorações examinar o que era possível observar sem recursos extraordinários.  Em sua apresentação de M 35 (A Gema de Gêmeos) ele nos fala “... amadores rotineiramente se testam tentando observar o aglomerado a olho nu. Isto o coloca na mesma classe que a galáxia M 33 e a Luz Zodiacal.  Skiff contou 434 estrelas entre as magnitudes 8.2 e 15.3 e conclui que a magnitude total do aglomerado seria de 5.1. Portanto ao alcance da vista humana. Mas com o brilhante fundo composto pela via láctea pode ser um pouco mais difícil do que parece.  De qualquer forma numa madrugada limpa de setembro de 1984, Dennis de Cicco (Editor de S&T) enquanto aguardava pelo “nascer” do Cometa Austin buscou por M 35. e ele estava lá. Eu o vislumbrei assim, mas com o auxílio de um filtro para nébulas (não especificado) de meu quintal em Connecticut.  Poderia alguém identificar estrelas individuais no aglomerado sem auxilio ótico? “
                O biônico Stephen James O´Meara, em seu “Deep Sky Companions- The Messier Objects” nos fala que embora ela tenha certeza de resolver algumas estrelas ele não consegue as localizar com absoluta precisão e teme estar sendo enganado por sua mente. E assim parece que o desafio ainda esta de pé...
                Eu, no meu modesto astigmatismo, consegui perceber M 35 (com uso de visão periférica) algumas vezes em Búzios. Somente como uma leve nebulosidade bem pequena. Mas de um existir acima dos padrões de Espinoza. Portanto ele estava lá mesmo. No dia seguinte deu praia. Definitivamente há uma relação entre a observação a olho nu de M 35 e o clima no planeta. Quase uma lei fundamental se considerarmos o bater da asa das borboletas como desprezível em nosso modelamento.
                Quanto a minha a observação visual de M 35 tenho que levar em conta uma coisa. Parafraseando Smyth “Muitas coisas, consideradas invisíveis, são simples demais para quem sabe aonde olhar”. O fato de não haver nenhum registro de M 35 a olho nu durante a antiguidade não garante que isto não tenha acontecido. Aristóteles percebeu M 41 a olho nu e desta forma este continua sendo o mais tênue objeto conhecido na antiguidade clássica. M 35 possui magnitude 5.1 e M 41 de 4.5. É uma diferença considerável.   E naqueles tempos ninguém sabia aonde estava M 35... (A frase de Smyth, em uma tradução ipsis litteris, que encontrei na abertura do “Celestial Objects for Common Telescopes” de Webb é esta: Muitas coisas, consideradas invisíveis aos instrumentos secundários, são simples suficiente para quem sabe como vê-las.).
                A descoberta oficial de M 35 é alvo de alguma discussão, mas é atualmente o mais aceito que sua primeira observação tenha sido feita por De Chéseaux em 1745 ou 1746.  Mas como sua lista de nebulosas não foi publicada (foi apenas apresentada uma vez a academia em 6 de agosto 1746) e tornou-se mais conhecida apenas após sua investigação por Bigourdan em 1892 muitos autores atribuem a primeira observação a John Bevis. Este o inclui em seu Uranographia Britannica que foi completado em 1750.
                É este o caso de Messier, que elegantemente cita o trabalho de Bevis: “Aglomerados de muito tênues estrelas, próximo ao pé de Castor (o gêmeo mais a oeste), não longe de m e h   nesta constelação. M. Messier marcou sua posição na carta para o cometa de 1770.  Posição foi “plotada” no Atlas Celeste Inglês (o Uranographia Brittanica de Bevis).

Eu não consigo ver aonde esta indicad a posição de M 35 na carta de Messier para o Cometa de 1770 . 

                É bem interessante o acesso de Messier ao Atlas de Bevis.  Seu atlas nunca foi publicado por formas tradicionais. O editor do Atlas, John Neale, faliu antes da conclusão do projeto. Porém alguns “plates” para a impressão foram feitos e impressões feitas antes da ruina de Neale. Estas foram posteriormente vendidas e se tornaram volumes “completos”. O Uranographia Brittanica de Nevis é um livro raríssimo. De 17 cópias feitas resta hoje somente uma. (Claro que foi digitalizada e qualquer um pode ter acesso a essa “raridade”.) 
Uranographia Brittanica . Plate 24 -M 35 esta discreto ,mas claramente marcado junto ao pé de Castor.  


              M 35 também ranqueia alto nas coincidências que nada tem a ver com as leis fundamentais do Universo. Seu descobridor não publicou sua descoberta (Cheseaux), seu primeiro registro foi em um Atlas “não publicado” que Messier teve acesso e este mesmo marcou sua posição na Carta do Cometa que mais perto já passou da terra e que atualmente encontra-se perdido...
                A melhor descrição e uma que eu gostaria de ter escrito para o aspecto de M 35 visto por uma buscadora é a de Serviss: “O aspecto geral é como um pedaço de prata fosco sobre o qual uma luz cintilante esta a passear”. Ele segue nos dizendo “que o esplendor desta congregação cósmica, vista por um telescópio mais poderoso, pode ser entendido a partir da pitoresca descrição do Admiral Smyth:  Este apresenta um magnifico campo estelar, da nona até a décima sexta magnitude, mas com um centro de massa menos rico que o restante. Estrelas pequenas se inclinam formando curvas de três ou quatro membros geralmente com uma grande estrela na raiz destas curvas. Lembra um pouco um a ignição de um foguete."
                 De fato, a descrição de Smyth casa muito bem com o que observo com o Newton. (meu Refletor 150 mm f8).
              A melhor forma de observar M 35 no meu set up é com minha ocular de 40 mm. Mesmo assim ele preenche uma boa parte do campo. Este ocupa uma área igual a lua cheia. Se resolvem  varias dezenas de estrelas e o "buraco central" empresta uma aparência de rosquinha ao aglomerado. 
                
                Analisando seus membros M 35 possui uma idade entre 100.000.000 e 200.000.000 de anos. Relativamente jovem. Ele possui 20 membros com magnitude inferior a 10, 120 membros com esta até 13 e 2700 estrelas que pertencem ao aglomerado considerando-se até a magnitude 21. Sua estrela mais brilhante é uma gigante branco azulada de magnitude 7.5. É uma estrela do tipo espectral B3. As mais antigas estrelas genuinamente ainda na sequencia principal são do tipo B6 e B7 e possuem magnitudes de 8.8 e 9.2
                Atualmente a distância mais aceita para M 35 é de 2710 anos luz. Disto podemos derivar um tamanho físico de 22 anos luz.  Isto implica em uma densidade estelar média de 3 estrelas por ano luz cubico.
A foto que abre o post e esta são a mesma. Resultado de 15 frames de 20 segundos com ASA 3200. 4 Darks. DSS+PixInSight+ PhotoShop+ Noiseware.
Realizadas em Buzios em janeiro de 2016. 

                Como podemos perceber nas fotos M 35 apresenta um interessante companheiro cósmico diretamente a sudoeste. Ngc 2158. Este descoberto por William Herschel. Residindo a uma distância muito maior (12.000 anos luz) é um dos mais distantes abertos conhecidos. Possui magnitude 8.6 e é um alvo visual difícil e muito suscetível a poluição luminosa. Com uma idade estimada na de 2 bilhões de anos faz parte daquele grupo de aglomerados abertos que possuem um parentesco no seu diagrama H-R com globulares.  Sua longevidade pode ser atribuída a evidente concentração estelar que é óbvia na imagem.  Arp (um dos Dons quixotes da astronomia) relaciona a formação deste (junto com M 188, M 67 e Ngc 752) a sua posição na galáxia e os coloca como uma transição entre globulares e abertos. A metalicidade destes parece corroborar com a ideia. Estes abertos “antigos” teriam se formado próximos ao halo em um momento anterior na evolução galáctica e assim menos “contaminados” por metais mais abundantes próximos ao centro da galáxia e posteriormente na história química da mesma.  Seu tamanho físico é muito semelhante ao de M 35 e assim é um par que serve bem como exemplo para a relatividade das coisas.Nas fotos ele tem um que de "Globular"... 
                    Observando com a mesma 40 mm que utilizo em M35 o aglomerado se disfarça no campo. Demanda atenção para ser percebido. Utilizando a 10 mm e isolando o mesmo ele ameaça se resolver mas jamais na integra. Não é um alvo fácil visualmente. especialmente com pequenos telescópios. No meu 15X70 é apenas uma suspeita névoa. Creio que em céus muito escuros seja uma presença mais obvia.  



                M 35 é um dos mais ricos aglomerados que conheço e creio que qualquer um que tenha um primeiro contato com o mesmo, independente do aparelho utilizado na observação, não passe por um momento de assombro e admiração e até humildade perante tal maravilha.   E se o observar a olho nu pode ter certeza que é uma grande noite para se buscar por alvos mais difíceis...

Um comentário:

  1. Que interessante, mesmo q algumas coisas sejam além do meu conhecimento sobre estrelas. O universo é fascinante e assustador. Tudo giga, mega. Essas medidas em anos-luz são para além da compreensão “normal”. Fascinante.

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