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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Ngc 6144: Escondido nas Luzes e nas Sombras


               

            Ngc 6144 é um globular que vive nas sombras. Tanto figurativamente como de fato. Habitando uma das mais belas paisagens dos céus nosso aglomerado reside a meros 40´ de Antares, o coração carmim de Escorpião, e a cerca de 1o a nordeste do muito mais famoso e muito mais próximo M 4. Este um dos globulares mais próximos da Terra e conhecido como o” Aglomerado Olho de Gato” pela faixa de estrelas brilhantes que cruza o globular.  Não só isto o nosso pequeno e discreto aglomerado habita “atrás” do complexo nebuloso a redor de Rho Ophiucus. Este uma nuvem de poeira localizada a meros 450 anos luz de nós e uma das mais próximas regiões de formação estelar. Barnard quando fotografou em 23 de maio de 1895 a região deixou bem claro quão deslumbrante é o cenário: “Uma vasta e magnifica nébula, intrincada em sua forma e conectada com muitas das estrelas brilhantes da região incluindo Antares e Sigma Scorpii e que possui escarças regiões de igual interesse em todos os céus”.  A região é um dos mais claros exemplos do que Herschel (descobridor de Ngc 6144) chamava de “Loch im Himmel”. Ou “Buracos no céu”.  Herschel “fantasiou” que tais regiões, por aparecerem geralmente próximas a ricos aglomerados estelares, poderiam ser fruto do vazio de matéria deixada por estes nas imediações de onde coletaram suas estrelas. No caso de Ngc 6144 tudo indicaria que ele seria resultado dos restos de M 4....
A paisagem...

                Apesar do que sugere a paisagem, as belas fantasias “herschelianas” se desfazem perante um quadro tridimensional. Enquanto Antares repousa a apenas 150 anos “atrás” do véu de poeira de Rho Ophiuchi, M 4 é um dos globulares mais próximos da terra a modestos 6650 anos luz de nós enquanto 6144 viaja distante a 21.000 anos luz de nós e a meros 8.500 anos do centro galáctico.
                Herschel descobriu Ngc 6144. É a entrada H 10 .VI de seu catalogo. A categoria VI de Herschel engloba “muito comprimidos e ricos aglomerados de estrelas”.  Nesta categoria de seu catalogo encontram-se muito aglomerados abertos brilhantes e muito ricos e brilhantes aglomerados globulares que Herschel considerava resolvidos. Ele descreve: “um muito condensado e consideravelmente grande aglomerado das mais tênues estrelas imagináveis, todas de uma cor “vermelho empoeirado” (dusky red color). A um passo de uma nébula resolvível.”
                Apesar da imensa extinção da região o globular brilha com magnitude 9.0. Mais brilhante que M 72 em Aquários e o mais tênue dos Globs Messier.  Isto indica que o brilho de Antares e “a poeirada” na região escondeu este de Messier e seus contemporâneos.

Ngc 6144 é cheio de antíteses.  Ele se acende em meio a poeira de Rho Ophiuchi e se “apaga” nas luzes de uma estrela gigantesca. Mas é uma figura poética e que que “explica” bem o caso.    Eu, mesmo sabendo onde ele se encontrava e existia, demorei anos para observa-lo de fato. Embora não seja difícil demanda alguma técnica e vontade. É um daqueles casos que de tão a vista está muito bem escondido. Mas como um aumento razoável e isolando o mesmo de Antares o aglomerado se revela e ensaia alguma resolução no Newton (meu telescópio newtoniano 150 mm f8). Nunca tentei um ataque a sério com o Galileu (meu refrator acro 900 mm f13).
                Com um tamanho real de 70 mil anos luz é um aglomerado pequeno e um exemplar dos chamados aglomerados do disco. Um pouco mais ricos em metais e mais jovens que os de halo. Mas não se emocione. Ngc tem cerca de 10 bilhões de anos (parece ser a idade mínima para globulares...)  e 1/56 do Fe presente no sol.      Muito semelhante a o mais conhecido M 80 que também habita por Escorpião.    

                O Chandra X-Ray Observatory localizou duas intensas fontes no aglomerado. Provavelmente variáveis cataclísmicas. Provavelmente dois sistemas compostos por uma anã branca primaria e uma estrela laranja gigante da sequência principal secundaria. Um dos sistemas foi confirmado pelo HST e pelo Chandra trabalhando em conjunto. Nestes casos a anã branca vai acretando material do disco da gigante laranja até o limite e explode (emitindo em Raio -X). A secundária, ao ter suas camadas mais externas “estripadas,” sobe de brilho. Uma vez ocorrida a explosão se reinicia o ciclo.  Mas não destroem as envolvidas como em uma supernova.
                Ngc 6144 é um bastardo. Nenhum dos guias observacionais clássicos o cita. Smith, Weeb, Olcoot e mesmo Burnham não apresentam o aglomerado (Burnham apenas o inclui no apêndice que abre cada entrada de constelações em seu Celestial Handbook e apresenta todas as estrelas (dignas de nota) e DSO´s contidos nesta). Bayer é o único dos observadores clássicos a descrever o aglomerado durante a elaboração do NGC. Tenho duvidas se mesmo John Herschel tenha observado de fato o aglomerado. Ele era um daqueles objetos sob medida para o “Projeto Tudo que Existe”. O globular se tornou mais popular em guias observacionais mais atuais. O´Meara o apresenta em seu “Deep Sky Companions: The Secret Deep”.  Neste ele nos diz que considera “bem visível com Antares em campo com um 5 polegadas a meros 33 X. E aparece como um bonito e uniforme brilho com cerca de 5´de diâmetro. Com visão periférica posso sentir uma irregularidade em sua forma e alguma granulosidade através de sua face, mas estes vislumbres são corrompidos pela luz de Antares.”  Mark Bratton em seu “The Complete Guide to the Herschel Objects” nos conta (e discorda de O´Meara) que o aglomerado está a 31.000 anos luz. E diz que “visualmente” é um objeto tênue e difuso localizado a leste de uma estrela de campo de 10a magnitude. Enevoado e mal definido este aglomerado globular é mais brilhante em direção ao centro. Levemente oval e alongado no sentido Norte-Sul. Algumas estrelas mais brilhantes se resolvem contra um fundo nebuloso”.   No super completo Catalogo do Lunginbuhl & Skiff a descrição é bem honesta. Especialmente para aqueles que observam mais ao norte do equador (para nós as coisas são um pouco melhores..) : “ Em um 150 mm este aglomerado é bem tênue. Um brilho pobremente concentrado 40´ a NW de Antares. Com 250 mm o aglomerado comece a se resolver parcialmente com 150 X. Estrelas de 13a magnitude começam a “piscar” sobre um fundo enevoado. Com 300 mm se resolve parcialmente. Uma faixa de estrelas alinhadas N-S se destaca do fundo.”

                Localizar Ngc 6144 é tão fácil como localizar Antares. Uma vez isolando este da gigante vermelha e com mais de 120 X de aumento o aglomerado começa a revelar algumas estrelas. Um grupo mais brilhante parece cortar o globular na sua região central e se apresenta fotograficamente com um telescópio de 150 mm (como descrito para um 300 mm na descrição de Luginbuhl). Esta barra remonta a uma mini versão de M 4 .  Seu vizinho mais famoso. 
                Um belo desafio para possuidores de telescópios de qualquer tamanho.

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