M6 e M7 se esgueirando por entre a arvore no nascer de Escorpião. |
Muitas
Aporemas não foram festejadas aqui pelos Nuncius Australis. Me envolvi em dois
grandes projetos cinematográficos desde o final de 2019 até o início de março. Primeiro
uma longa temporada por Recife em um filme que acabou se tornado mais um
“statement” de gênero que um projeto do Liceu de Artes e Ofícios e depois uma
comédia aqui pelo Rio mesmo que respeitado a entropia natural de filmes até se
comportou de forma ordeira e organizada.
Com os Meninos em Recife #asalamandra |
Lavoro no Rio. #assombroofilme |
Assim que
terminou o longa carioca ainda se ensaiava um ano promissor e de muito trabalho
apesar de um governo não muito afeito a sétima arte.
Mas aí veio o
Corona vírus. Com um governo ainda menos afeito a vida a vaca parece se dirigir rapidamente para o brejo.
Não sendo possível ir para Cartagena encontrar Fermina me conformo em partir com as crianças para a minha Macondo do momento e me arranco para as bandas de Lumiar. Desnecessário dizer que recomendo uma "Maratona Garcia Marquez" para aqueles que se encontram recolhidos...
Como atesta a
lei de Broken quanto mais tempo tenho para a astronomia amadora e a
astrofotografia menos dinheiro eu tenho. E com a paralisação total dos projetos
vindouros só me restou contrair um empréstimo familiar para quitar os papagaios
do Bradesco, manter o barco acima da linha de flutuação em meio a um momento
turbulento do casamento. Sem contar que este ainda serviu como uma medida
sanitária contra a corona Vírus. Pelo menos durante o período inicial da quarentena.
Nos bons tempos que o ministro da saúde ainda pensava com a cabeça dele.
Desta forma eu,
minha filha e meu pequeno partimos. Aporema ser comemorada. Ainda
que tardia. E sem cara metade.
Aporema é uma
festa astronômico pagã que é usualmente comemorada na primeira lua nova mais
próxima aos solstícios e equinócios. É uma história que já contei algumas vezes
aqui pelo blog. (aqui, aqui, aqui e aqui.... Somente para citar algumas das
vezes).
Apesar da
época do ano e da previsão do tempo eu acredito que ao longo de uma semana
haverá alguma janela observacional e assim preparo meu plano de ataque. Incialmente
pensei em levar o Newton (meu refletor 150 mm f8). Mas acabo achando que o
evento seria mais produtivo e a tralha menor se eu fizesse um approach mais astrofotogáfico
nesta Aporema. E assim levei apenas o Galileo (meu refrator 70 mm f13) como
telescópio. Meus cavalos de batalha serão minhas lentes. Em especial minha
Pentax 300 mm. E a 50 mm para as panorâmicas. Com f 1,7 e pouco cromatismo
mesmo toda aberta ela permite exposições bem velozes com belos campos. Como
montagem levo Mlle. Herschel (Uma Skywatcher 5 pro.). cheguei a pensar em levar
apenas a esquecida Hipatia (Uma EQ 2-3 motorizada em um eixo) mas essa eu estou
guardando para quando me dignar a escalar a Pedra do Sino para fazer umas
fotos.
Chega o
momento de escolher os alvos que pretendo fotografar. E descubro que o meu
Stellarium não está rodando. Então faltando 36 horas para partida reinstalo a
nova versão (0.19.3.1) do famoso programa planetário. Em uma conexão teimando
em ser lenta demoro quase duas horas no processo. Já tive uma briga com NET
Claro e parece que terei outra. Na última
me deram a seu pacote mais veloz e todos os canais sem acréscimo de preço. Isto
depois de muitos gritos e ameaças junto a Ouvidoria. Desta vez não sei o que
vão oferecer. Acho que vou migrar para a Vivo com fibra ótica que montou um
quiosque na portaria de meu prédio.
Crio uma lista
de alvos que gostaria de registrar durante a temporada. É uma prática mantenho.
E geralmente não funciona. O caos inerente a um projeto observacional e as
diversas coincidências de Adams (coincidências que parecem ser relacionar com
leis fundamentais do universo, mas que não tem nada em comum com estas. São
apenas coincidências mesmo. Geralmente são responsabilidade mais direta de minha
preguiça,
incapacidade e /ou do clima do que
das tais “leis fundamentais”) que acabam se acumulando durante as minhas
viagens observacionais sempre terminam me levando por caminhos muito distintos
o que era planejado e o que é realizado. Na verdade, as Coincidências e a geometria do
espaço geográfico onde fui parar acabaram por me levar a ser relativamente fiel
aos planos originais. Pelo menos no que se refere ao horizonte sul. Nuncius Australis
de volta as raízes. Uma versão rural e mais agradável da “Stonehenge dos Pobres”.
Mas como já dizia o livro de autoajuda: O
melhor da viagem é o caminho, não o destino.
Com isso em
mente e com a seguinte derrota (utilizo aqui emprestado esse termo náutico para
definir a lista de DSO´s que pretendo visitar) planejada eu preparo o equipamento.
Estão indo a Canon 18-50 mm que
acompanha quase todas as DSLR´s da Canon, minha 50 mm Pentax f 1,7, uma Takumar
70 – 210 mm e a Pentax 300 mm. E o Galileo. Com todas as minhas oculares.
Infelizmente esqueço um dos anéis do adaptador T3 no Newton e então o Galileo
só servirá para a observação visual. (Olhei a lua com ele uma única vez...) Como já falei Mlle. Herschel me acompanha. No Kit uma fonte de 12 v e uma imensa prolonga de fio paralelo ( 25 m). Nunca esqueça suas extensões. S.ao caras e vc nunca sabe onde estara o tomada mais próxima. Sempre levo também um inversor para poder apelar para o carro .
Lembrando que
a quarentena só vai se tornar algo real em alguns dias de minha partida. Desta forma parto para Boa Esperança com uma
casa provavelmente alugada a partir de quinta-feira 19 de março de 2020. Para
já garantir alguma incerteza logo no início da jornada parto para lá na Quarta
17. E assim durmo (eu e crianças) na casa de um amigo um pouco acima no vale
enquanto tento contato com o proprietário. Essa foi a noite mais limpa e clara
de toda a temporada. E eu em vez de observar passo a noite me embriagando com o
amigo e minha filha. Ele garantindo que o presidente não dura até maio e minha
filha achando que o Velho é um revolucionário. A Epidemia ainda é algo distante
e o lock off só irá se materializar em 48 horas.
Desta forma
consigo chegar à bela e charmosa casa na beira do rio no anoitecer de quinta
feira. O tempo totalmente nublado. E assim permaneceu até a próxima quinta.
Com minha Aporema
seriamente ameaçada e o equinócio em curso e a quarentena instalada só me
restava vaguear sorrateiramente com as crianças pelas vazias cachoeiras da região,
fazer churrasco e me manter embriagado. Meu velho professor e sua esposa, bem
como seus filhos, decidem se encastelar. Não nos veremos mais até o fim da
temporada...
Finalmente a locadora do veículo me manda um
zap avisando que poderei ficar com a carro até o fim do lock off. Isso me
acalma. Depois de uma semana (e com a casa alugada por até um mês no pacote) o
tempo resolve abrir.
Geralmente
observo da Pedra Riscada. Em um terreno com um horizonte livre em todas as
direções. Desta vez não vai dar. E assim me preparo para uma sessão de
astrofotografia de guerrilha. Bem no espírito de meus vizinhos e de minha
filha. Afinal, depois de mais um
pronunciamento desastrado do comander-in chief, fazer a quarentena se tornou um
ato de resistência contra a estupidez. Um manifesto de inteligência.
O Alinhamento
polar é feito apenas com o auxílio de uma bussola e de um app que possuo no
telefone. Chama-se Sun Seeker. Este, em um bom dia, é bem preciso. E se mostra
suficientemente preciso para garantir que consiga utilizar um lente 300 mm e
obter capturas que se não perfeitas, suficientemente boas para meu bel prazer.
Não sou um astro fotografo Caxias e muito menos caprichoso. Astrofotografia é a
melhor diversão.
Sirius. A umidade se apresenta. |
Na nuvem de Norma moram muitos abertos Ngc 6067 é o mais obvio. |
E quando
fotografo com minhas lentes, geralmente, utilizo o alinhamento do Go- To usando
geralmente apenas uma estrela como referência para o Synscan (menu 1 Star Align).
Costuma ser o suficiente. E em um observatório com o horizonte sul sendo o único
realmente desobstruído é a melhor opção.
Neste primeiro
dia está muito enevoado. E não sei por que cargas d’água resolvo utilizar minha
Lente Canon 70-300 mm. Ela tem muito cromatismo. Mas por outro lado consigo fazer
wide fields e até mesmo tentar alguns DSO´s maiores sem trocar lente. E assim
sendo tenho muita agilidade para caçar alvos entre as nuvens. E de uma derrota
planejada acabo praticando um tiroteio as cegas. At´3 que fico feliz com o
resultado. A Lua quase nova ajuda.
Dispensa apresentações: M 42 e a espada de Orion. |
Finalmente na
sexta 27 eu consigo a noite mais limpa possível. Mas com companhia de meu locatário.
E assim utilizando o alinhamento polar de ouvido da noite anterior resolvo mostrar
a brincadeira para ele (Felipe, capitão bombeiro, e o mais recente arrependido
de seu voto. O Corona veio sepultar as últimas esperanças que ele tinha no
Capitão Messias). E dessa vez coloco minha Pentax 300 mm F 4.5 na câmera. É impressionante
a diferença uma prime e uma zoom. Mas em uma comparação assim próxima no espaço
tempo chega a ser covardia. Creio que a Canon 70-300 mm vai ficar mais tempo guardada
no case e se dedicar mais a ornitologia daqui para a frente.
Ao redor dos Apontadores. Alpha e beta Cen. |
Ngc 5822 Habita na fronteira do Centauro com Lupus. Interessante em medios telescópios. fazem parte do "Projeto Tudo que Existe". |
Acrux é sempre visitada. Minha estrela favorita. No limiar da separação com a 300 mm. |
Ngc 6067 |
Nesta segunda
noite visito apenas velhos conhecidos. A transparência não está uma maravilha e
o horizonte sul / sudeste acaba por ocupar a maior parte do tempo. Sendo uma
sessão de astrofotografia etílica eu acabo não tentando nada demais. Começo por
Sirius (Que está no oeste sudoeste e entre uma coluna de Palmeiras imperiais e
um bambuzal) para realizar o alinhamento do Go-To de Mlle, Herschel (minha
Cabeça Equatorial Heq 5) depois vago por alguns campos e estrelas bem
conhecidos.
M42 se apresenta e como sempre impressiona o neófito. Depois Eta Carina faz o mesmo. As Plêiades do Sul não deixam feio. Mas pode-se perceber em quase todas as fotos a grande umidade no ar. Halos coloridos e bastante ruído... Brinco mais um pouco depois que meu amigo se dá por vencido por um tanto de astronomia e por muita cachaça. Mas antes disso apresento um dos maiores espetaculos do céu. Acho que , em breve, teremos mais gente com a mosca azul...
Sirius e M 41 dando as caras entre a vegetação e as nuvens... |
M42 se apresenta e como sempre impressiona o neófito. Depois Eta Carina faz o mesmo. As Plêiades do Sul não deixam feio. Mas pode-se perceber em quase todas as fotos a grande umidade no ar. Halos coloridos e bastante ruído... Brinco mais um pouco depois que meu amigo se dá por vencido por um tanto de astronomia e por muita cachaça. Mas antes disso apresento um dos maiores espetaculos do céu. Acho que , em breve, teremos mais gente com a mosca azul...
Omêgaturo . Cen 300 mm |
Reparem a diferença.... Mesma foto. A de Baixo foi torturada no PixInsight... |
Ngc 5617 - Ao lado de Alpha Cen. |
Insisto mais
um pouco e resolvo fazer um exercício que há muito não praticava. Ver quão
fundo eu sou capaz de ir a olho nu. Uma espécie de Apnéia astronômica. E me
sentindo um Jaques Mayol celestial vou ficando cada vez mais orgulhoso ao começar
a perceber que com algum esforço e anos de treino (embora meio enferrujado) sou
capaz de localizar claramente todos os abertos do Catálogo Lacaille disponíveis
no momento. E até mesmo alguns Ngs mais obscuros.
M6 e M7 são muito fáceis. A região
nebulosa que compreende a “Guerra e Paz “e a “Pegada do Gato” são facilmente perceptíveis.
Entre Centauro e Escorpião nos entornos de Altar e Norma conto dezenas de
abertos evidentes. Imagino que estacione
entre magnitude 7 e 7,5. E a noite não está perfeita. Fico feliz em descobrir que meu trabalho,
embora castigue, não está me cegando. Ficar apontando refletores de mais de
10.000 w e controlando a intensidade do sol para garantir que haja pouca flutuação
na iluminação de uma cena não ´e exatamente tratar bem da visão... Mas tenho certeza de que percebi estrelas individuais
em M7. E quiçá em M6. Ômega Centauro é
muito fácil e sua natureza enevoada clara com vidro moído. Ngc 6025 quase
ensaia uma resolução. E 6067 é tão fácil quanto os Messier. Na verdade, foi a
maior diversão dessa Aporema. Junto com M 42. Nada como ficar um tempo de molho
para achar tudo mais bonito outra vez. Nos arredores de Lúpus percebo claramente
diversas pequenas nebulosidades que sei tratar-se de aglomerados abertos (
sendo Ngc 5823 o mais evidente). Me
sinto um astrônomo renascentista pré-Galileu.
Plêiades do Sul |
No sábado a
noite o tempo novamente não colabora.
Domingo é dia
de vir embora depois de 12 dias no retiro serrano. Infelizmente rendeu menos do
que esperava. Mas as crianças se divertiram e evitamos um confinamento mais
severo durante uns tempos.
Agora é hora
de voltar para o Rio e sobreviver ao Corona, a economia e aos desmandos do
poder. E se tudo der certo retornar para cá lá pelo inverno com saúde, algum
dinheiro no bolso e uma perspectiva de um segundo semestre que pague as
contas... E fazer uma Aporema mais “strictu sensu”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário