Um de meus livros favoritos
chama-se “Os Conquistadores do Inútil”. É uma autobiografia de Lionel Terray.
Um dos maiores guias de montanha de todos os tempos. Eu, como um escalador medíocre,
tive algumas de minhas mais aventurescas escaladas lendo estas páginas. E definitivamente me encantei com este título.
Sempre adorei uma roubada, para desespero da cara metade, e sempre achei uma honra
fazer coisas que não teriam sentido para a maior parte da humanidade. Embora
Ngc 4440 não se compare a primeira Ascenção de um pico de 8000 metros , nem a
segunda Ascenção do NorthWand do Eiger em um tempo que pítons eram uma inovação
tecnológica (e a primeira do FitzRoy e outros feitos que adoraria ter feito..)
ela serva como um exemplo de como nem sempre o inútil é tão inútil. Em tempos
que a curiosidade e a ciência parecem ser algo fora das prioridades mais
imediatas da nação eu resisto e me orgulho de conhecer Terray, Burnham, Dom
Quixote e outros conquistadores do inútil.
E
assim chego a Ngc 4440.
Em
uma foto feita do aglomerado de Virgem, mais especificamente da área da
Corrente de Makarian, reparo um um grupelho de galáxias bastante discretas.
Mais um tripleto galáctico para minha coleção. Sou muito afeito a elas. Coleciono
“Coincidência de Adams”, Tripletos galácticos e mais um monte de coisas que
podem parecer sem sentido. Provavelmente devido a Adams nem sempre o são.
Desta
forma resolvo que vou tentar extorquir informações daquele pequeno grupo, e em
especial de uma delas. Afinal torturar pixels não me parece tão desumano.
Ngc
4440 se apresenta claramente como uma espiral barrada mesmo com a pequena
ampliação obtida na captura inicial. Feita com uma lente 300 mm. E perdida em
meio a galáxias mais famosas e infinitamente mais brilhantes.
Depois
de torturá-la no DSS (Drizzle sobre drizzle) continuo com uma espiral barrada. Um
membro provável da Corrente de Makarian (a distância apoia a ideia) ela se
apresenta como um mistério. Uma face de montanha sem vias. Inspirado por Terray
eu decido achar uma via (estou relendo “Conquistadores do inútil”.).
Depois
de muito garimpo descubro que esta é perfeita para o “Projeto Tudo que existe”.
Habita o catálogo Ngc e não é descrita, indicada ou comentada em nenhum dos
guias clássicos ou modernos que possuo. E ainda por cima é um alvo visual que
embora medíocre é visível em telescópios amadores de 150 mm. Não será mais que uma estrela enevoada e sem forma,
mas será mais que uma estrela... Um a conquista para quem acha que ver o que ninguém
quer ver algo importante. Herschel e Terray tem mais em comum do que se pode
imaginar...
Descobri
que Ngc 4440 é uma galáxia espiral passiva. Deveria ser evitada...
Galáxias
espirais passivas fogem a padrão. Elas não possuem regiões HII e praticamente
não possuem estrela jovens. Não há berçários. Seu espectro é “vermelho”. Não há produção estelar. Embora espirais elas
deveriam ser elípticas. Já deveriam ter evoluído.
Ngc
4440 ainda por cima habita uma região onde colisões galácticas são comuns.
Mas...
A
55.000.000 de anos e ao lado de M 87 reside no coração do Aglomerado de Virgem.
Local bastante “crowdeado”.
Apesar
disto sua população não apresenta (ou muito pouco) estrela jovens comuns a
aglomerados abertos e/ou regiões HII. Se você habitasse por lá não iria ter uma
Nebulosa de Orion em sua ocular...
Ao
alcance de telescópios amadores e certamente charmosa para possuidores de
grandes telescópios acho curioso não ser mais cantada em prosa e verso. Mesmo
em meio ao carnaval galáctico da região ela me chamou atenção imediatamente em
minhas fotos e Ainda por cima possui duas companheiras muito próximas (Ngc 4436
e 4431) que fazem do campo alvo muito interessante. Se você conseguir ver também IC 794 com qualquer coisa menor que um 300 mm no Atacama recomendo que procure rápido um médico. É possível que esteja vendo coisa e sofrendo de algum tipo desordem psíquica. Mas ela é uma galaxia bem interessante, cosmologicamente falando . Trata-se de uma "Tidal Dwarf" e assim é uma galaxia extremamente jovem e riquíssima em metal. Possivelmente fruto da interação de "algo" com alguma espiral na região. No mais é um pequeno tripleto dentro
de uma das áreas mais interessantes do aglomerado de Virgem. Talvez por isso
mesmo passe desapercebida. Acho muita semelhança com o Grupo de M 105.
Provavelmente por ter passeado por ambas na mesma noite.
Um
alvo diferente e nem tão inútil. Quase filosofia.
As
fotos apresentadas são fruto de um drizzle inicial de 3x seguido de outro de 3
X. O segundo já sobre o arquivo. Tiff gerado pelo DSS. Quase tortura. Uma delas foi levada ao pau de
arara. Outra só foi mantida em solitário... A pixelização é evidente no mais
sofrido. Mas o projeto “Tudo que Existe” não dá bola para essas coisas... Visualmente Ngc 4440 é discreta. Mas
percebe-se sua natureza galáctica. As companheiras não são mais que estrelas perceptíveis
com visão periférica. No Newton (150 mm f8 sob Bortle 6). creio que 4440 quase
se revele uma espiral sob céus generosos. Seu Brilho de superfície é de 12,4. Ou
seja, antes dos malditos 13... O Brilho de superfície é um indicador muito
melhor de suas chances de ver algo do que a magnitude quando falamos de galáxias.
Até 13 há chances reais. Acima de 13 o céu tem que colaborar, o equipamento também
e prática é fundamental...
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