A Grande Nuvem de Magalhães é um
dos maiores espetáculos dos céus. Ela cobre uma região de aproximadamente 5o
largura por 7o de comprimento. Mesmo com uma ocular wide field
isto vai representar mais de 40 campos telescópicos. Meu binóculo 15X70 não
abarca toda a estrutura e o 10X50 quase consegue... Ao observa-la percebe-se
nuvens sobre nuvens de luz, com áreas brilhantes e linhas escuras. Tudo isto
temperado com aglomerados de estrelas. Só mesmo vendo para entender...
Para
observar a Grande Nuvem, de verdade, céus escuros são fundamentais e condição sine-qua-non. Especialmente porque a
mesma merece horas de contemplação a olho nu antes de qualquer coisa. Habitando
uma linha ao sul da linha que liga Canopus a Achernar e estando você suficientemente
ao sul do equador ela será muito fácil de se localizar. Como disse, em locais
escuros! Em áreas de poluição luminosa a magica não acontece. Você poderá
perceber estruturas na Nuvem com auxílio ótico, mas este é um caso onde “não se
pode ver a floresta apenas pelas arvores”.
Esta é uma unica exposição de 30 seg. ASA 800. Semelhante ao que você verá a olho nú em um céu bom. |
Me
lembro da primeira vez que a percebi à
vera. Há anos atrás, próximo à Vila de Trindade, no litoral Sul (que por
razões geográficas fica a oeste do estado...) do Rio de Janeiro. Faz par com a Pequena Nuvem,
mas é mais clara e bem maior... Imagino o espanto dos primeiros navegadores
europeus ao se depararem com tamanha maravilha.
A
Grande Nuvem de Magalhães é uma galáxia satélite de nossa Via Láctea. Em tese é
terceira galáxia mais próxima, mas como as outras duas estão em processo de
destruição, sendo já digeridas por nossa galáxia, em um futuro “próximo” ela
será a nossa vizinha de porta. As outra
duas são a Galáxia Esferoidal de Sagitário e a Galáxia Anã de Cão Maior (esta
talvez nem seja uma galáxia, mas apenas um “adensamento estelar”). Situada a
cerca de 140.000 anos luz esta “logo ali” em escala cósmica. É pequena para uma
galáxia contendo talvez 10 bilhões de estrelas.
A
GNM (Grande Nuvem de Magalhães) é o protótipo de uma classe de galáxias. Trata-se
de uma espiral “Magellanica” (Magellanic Spiral Galaxies. A tradução é uma
ciência em evolução e a astronomia raramente é feita em português...) e estas são (comumente) galáxias anãs
classificadas como do tipo Sm (SAm, SBm, SABm). São galáxias espirais com um único
braço e nossa convidada é do tipo SBm. Apenas por observar-se sua forma é fácil
suspeitar que seja aceito que esta foi um dia uma espiral barrada que acabou
sendo deformada pela aproximação da Via Láctea. A barra central é uma das mais
chamativas estruturas na obra. Há autores que consideram a GNM como uma galáxia
irregular. A Classificação de espirais
magellanicas foi introduzida por Gerard de Vacoleurs quando este reestruturou a
“Classificação Hubble” de galáxias.
28X 30 seg Lente 50 mm -Miaplacidus é a estrela brilhante acima e a direita quase fora do quadro.Abaixo a direita e também quase fora do quadro se percebe o Aglomerado aberto Ngc 2516. |
A
GNM é conhecida há milhares de anos pelos habitantes do hemisfério sul. Os
nativos do pacifico sul se referiam as Nuvens de Magalhães (GNM e a PNM) como
as
Nuvens superior e Inferior de Neblina. Já os aborígenes australianos que se
referiam a Via Láctea como o caminho por onde os espíritos viajavam pelo do céu
consideravam as nuvens como dois homens negros que esporadicamente vinham a
terra e sufocavam pessoas enquanto estas dormiam. Al Sufi, em sua descrição das constelações
celestes feita no séc. X, fala de um estranho objeto. Al Bakr, “O Boi Branco”,
o qual é hoje ligado a GNM. Antigos navegadores deixaram diversas referencias
as Nuvens. Elas foram chamadas de “As Nuvens do Cabo” durante quase toda a
idade média. O Nome de Magalhães é ligado a elas pela clássica e precisa
narração de Pigafetta da primeira circum-navegação capitaneada por Fernão de Magalhães
(1524): “O Polo antártico não é demarcado por estrelas como o ártico. Para
localiza-lo existem diversas pequenas estrelas aglomeradas, na forma de duas
nuvens um pouco separadas uma da outra, e um pouco tênues. Agora no meio destas
estão duas estrelas não muito grandes, não muito brilhantes e elas se movem
levemente. E essas duas estrelas estão no Polo Antártico.” Mesmo que a definição do polo mostre algumas
de suas limitações, sua interpretação de que as Nuvens de Magalhães consistem
de estrelas é digna de nota.
Mosaico realizado com 4 empilhamentos utilizando 3 Drizzle no DSS. A foto que abre o post foi submetida a 2 Drizzle não sendo necessário fazer um mosaico neste caso... |
A
GNM é por si só um DSO. Um dos poucos claramente visível a olho nu. Por tratar-se
de uma galáxia e uma das mais próximas ela é um celeiro de DSO´s. Ou seja ao
observa-la com um telescópio você pode ter o direito de ver seres abissais.
DSO´s extragalácticos...
O
primeiro a mapear “a fundo” a GNM foi James Dunlop. Tendo sido precedido por
Lacaille que localizou seu DSO mais brilhante, a Nebulosa da Tarântula (Ngc
2070). Dunlop em seu pioneiro levantamento de nebulosas, realizado a partir de
Paramatta na Austrália, dedicou muitas de suas noites de observação a região da
GNM. Quase todos os objetos descobertos
por Dunlop na GNM foram re-observados por John Herschel. Com a exceção da entrada D 175 de seu catalogo
(hoje em dia identificada como Ngc 1929,34,35,36 e 37 no New General Catalog
organizado por Dreyer). Herschel em seu “Results of Astronomical Observations Made
During the Year 1834, 5,6,7,8 at the Cape of Good Hope” localiza 919 objetos na GNM. Com as 5
entradas de Dunlop que lhe escaparam chegamos a 924 objetos. Com descobertas mais
recentes (especialmente Resquícios de Supernovas) o numero de DSO´s se aproxima
de 1000 na GNM.
O
caráter único das Nuvens (lembrem-se que na época as Nuvens eram consideradas
pedaços destacados da Via Láctea) foi reconhecido por John Herschel e seu
levantamento leva Abbe em 1867 nos dizer:
1- Os
aglomerados são membros da Via Láctea e estão mais próximas a nós do que as
estrelas mais tênues padrões.
2- A
Nebulosa resolvida e não resolvida repousa geralmente fora da Via Láctea a qual
é essencialmente estelar.
3- O
universo visível é composto de sistemas, os quais a Via Láctea, as duas
Nubeculae (GNM e PNM) e a Nebulosa são indivíduos e que são eles mesmos
compostos de estrelas (tanto simples como múltiplas e aglomerados) e de corpos
gasosos de formato tanto regular como irregular.
O estudo das nuvens evolui junto com a evolução da nossa compreensão
pelo universo.
O estudo da
mesma segue seu rumo e o próximo grande passo é dado com a construção da
estação do Harvard College Observatoire em Arequipa (Peru). O Mais significante
resultado destes primeiros estudos foi a descoberta por Henrietta Leavitt da
Relação Período-Luminosidade da variáveis Cefeídas.
Shapley, em
1956, seleciona as seguintes “grandes contribuições astronômicas associadas ao
estudo das Nuvens de Magalhães”:
1- A
descoberta de centena de gigantes Cefeídas variáveis em ambas as nuvens.
2- A
medição da velocidade radial positiva par as linhas de emissão associadas a
objetos dentro das nuvens, sugerindo sua independência da Via Láctea
3- Descoberta
e desenvolvimento da relação período luminosidade das Cefeídas clássicas
4- Detecção
por radio telescópios de Hidrogênio neutro dentro e ao redor das nuvens e
medição de sua distribuição.
5- Considerado
menos importante, mas ainda assim digno de nota foi a dedução de que 30 Dourados
(Ngc 2070, A Nebulosa da Tarântula) é 100 vezes mais radiante que o globular
mais brilhante conhecido em qualquer lugar e é intrinsecamente mais luminosa
que muitas das mais próximas galáxias anãs com seu milhão ou mais de estrelas.
Com milhares
de DSO´s em seu corpo é impraticável ao amador observar todos eles e em sua maioria
estes serão quando muito estelares para os telescópios amadores.
As fotos aqui
apresentadas são resultado de uma captura realizada em céus Bortle 3. Mais
precisamente 28 exposições (4 em 800 ISO e 24 em 1600 ISO feitas com uma Canon
T3 em RAW) de 30 segundos. Foram aplicados 12 dark frames e o empilhamento destas foi realizado no Deep Sky Stacker e posteriormente as fotos foram aprimoradas
no Photoshop e no FITS. A lente utilizada foi um a Pentax 50 mm f1.7 @
3.5.
Mesmo com este
modesto set up a quantidade de DSO´s que se apresenta é grande. Abaixo indico os
alvos mais chamativos e indicados aos possuidores de telescópios amadores
pequenos. Em tese todos viáveis com telescópios de 70 mm em céus abaixo de
ideal. A lista concorda com as recomendações de Consolmagno no obrigatório “Turn
Left at Orion”. Neste ele cria uma classificação para DSO´s. Esta vai de 1
telescópio até 5 telescópios. Apenas as Nuvens de Magalhães e M42 ganham 5 telescópios.
O mosaico 3 Drizzle anotado. Recomendo que baixe e de um zoom na imagem em seu visualizador de fotos. |
São este:
1- Ngc
1711- Um compacto aglomerado de estrelas
2- Ngc
1714- Uma nebulosa de emissão
3- Ngc
1743- Um aglomerado de nebulosas de emissão
4- Ngc
1818- Um aglomerado de estrelas
5- Ngc
1835- Um globular
6- Ngc
1850- Um aglomerado com nebulosidade
7- Ngc
1866- Um “jovem” aglomerado globular
8- Ngc
1910- Um aberto contendo a variável S Doratis
9- Ngc
1935/36 Um aberto nebuloso
10- Ngc
1966-Uma nebulosa de emissão
11- Ngc
1978- Um globular
12- Ngc
1984- Aberto
13- 2018
– Nebulosa de emissão
14- Ngc
2027- Aberto
15- Ngc
2032- Nebulosa Gasosa
16- Ngc
2048- Nebulosa de Emissão
17- Ngc
2058-Diversos aglomerados abertos
18- Ngc
2070 – A nebulosa da Tarântula
19- Ngc
2080- Nebulosa Gasosa
20- Ngc
2100- Aberto
21- Ngc
2134- Um aglomerado compacto
22- Ngc
2164- Aberto
Ngc 2044 - Este não esta na lista, mas faz parte do Projeto "Tudo que Existe" |
A GNM pode ser
um programa para anos de observação. Para aquele que desejarem se aprofundar
mais sobre as Nuvens um trabalho obrigatório é “The Magellanic Clouds” de Bengt
E. Westerlund disponível na Cambridge Astrophysics Series. Primeiramente
publicado em 1997 já vai completando 21 anos. Continua atual.
Ngc 2070 |
Ngc 2100 |
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