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quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

M 80 : O Favorito de Herschel


               

          M 80 é um de meus globulares favoritos. Talvez por isto tenha guardado sua foto por anos antes de apresenta-lo aqui no Nuncius Australis. Mas mais provavelmente isto foi resultado da mecânica observacional que possuo. Geralmente realizo algumas rodadas observacionais por ano (as Aporemas) e nestas capturo diversos DSO que irão ser o esteio do Blog pela estação. Quando capturei M 80 capturei muitos objetos e depois de processar todas as fotos fui apresentando os objetos frutos da ultima expedição. Atualmente é difícil observar da Stonehenge dos Pobres. Embora continue achando que é possível observar sob céus Bortle 8 e 9 e que inclusive isto é um excelente exercício para o iniciante não obtenho mais o mesmo prazer.  Desta forma e muito provavelmente eu ainda não tinha chegado até M 80 quando parti para outra rodada observacional. E pronto. M 80 ficou perdido no HD e guardado na minha memória biológica. Eu provavelmente achando que já havia abordado este no blog ha varias Aporemas...    (Aporema é uma festa pagã de origem indígena que ocorre sempre nas luas novas mais próximas aos equinócios e aos solstícios. Ou quase isso. E que habita o terreno das lendas aqui do Nuncius Australis)

                 A foto que abre o post é resultado do stacking de cerca de 10 exposições de 30 seg. com ISO 1600. O Newton ( Refletor 150 mm f8) montado na Mdle. Herschel ( Montagem equatorial HEQ 5pro) . Camera Canon T3. Foi utilizado o DSS (Deep sky Stacker) para empilhar as fotos e posteriormente a foto foi "esticada" no PixInSight 1.8. Foram utilizados uns poucos dark frames. Nem Flat nem Bias.... 

                Finalmente tendo reparado o esquecimento vamos ao que interessa: M80
                M 80 habita Escorpião. Certamente é a mais desafiadora entrada do Catalogo Messier em suas franjas. Não chega a ser um grande feito. Todas as outras entradas do Catalogo do caçador de cometas na constelação são muito fáceis e perceptíveis a olho nu mesmo de locais nem tão escuros. Trata-se de um globular pequeno e extremamente denso. Shapley II. O Mais denso dos Globulares do tão famoso catalogo de impostores cometários.  Na verdade, é um exemplo didático destes. Com pequenos aumentos é um exemplar perfeito de um “cometa paraguaio”. Messier iniciou seu trabalho buscando relacionar DSO´s que pudessem confundir astrônomos na sua caça por cometas. Era essa a moda na época. As pequenas e grandes nebulosas que encontravam pelo caminho não eram tão dignas de nota. Ele organizou um catalogo de objetos a não serem procurados...
            M 80 é um clássico globular do halo interno. Com uma orbita pequena e nunca se afastando muito do downtown galáctico. Sua orbita completa ao centro da Via Láctea não demora mais que modestos 70 milhões de anos. O nosso sol realiza seu percurso (um ano galáctico) em 225 milhões de anos. Mesmo com tal diferença de velocidade o sol teria meros 25 anos (aproximadamente) e M 80 será um Matusalém cósmico com cerca de 200 anos.  Globulares e suas estrelas são algumas das coisas mais velhas que se pode observar...
         Ngc 6093, o outro eu de M 80, é um aglomerado relativamente pobre em metais e isto atesta sua idade.
              Localizado a pouco mais de 4o NO de Antares (Alpha Scorpio) M 80 tem a paternidade disputada. Messier e Méchain eram um misto de colaboradores e concorrentes. Apesar de algumas fontes falarem o contrário tudo indica que M 80 é um Messier original. Ele teria chegado até o mesmo 3 semanas antes de Méchain no amanhecer de 4 de janeiro de 1781.  
Ele nos lega este registro: “[4 de janeiro 1781] nebulosa sem estrelas em Escorpião. Entre as estrelas g (atualmente Rho Ophiuchi) e d . foi comparada a g para ter sua posição determinada. Essa nebulosa é circular, o centro é brilhante e recorda o núcleo de um pequeno cometa circundado por nebulosidade.  M. Méchain o Observou em 27 de janeiro de 1781”.
                Em minhas pesquisas acabei por esbarrar em no que pode ser um antigo erro tipográfico ou um deslize de uma de minhas astrônomas favoritas. Mary Proctor, em seu adorável Evening with the Stars ( 1924) , alega que M 80 teria sido descoberto por Herschel em 1781 ( pag. 98). É um mal-entendido evidentemente. Herschel é o primeiro e resolver o Globular em estrelas e este é um objeto que o fascina e que é significativo para a cosmologia que este “cria”. Ele fala: “A mais rica e condensada massa de estrelas que o firmamento oferece a contemplação para os astrônomos.”.  devido a M 80 se encontrar junto a uma região com muita poeira e de varias nebulosas escuras Herschel passa a acreditar que ele teria capturado toda matéria e estrelas na região deixando aquele vazio no espaço a seu redor. O “Loch on Himmel “. Herschel inclusive apresenta um artigo no Philosophical Transactions de 1785 chamado “Uma abertura no Céus” (An opening in the Havens) relacionando o globular e a região escura...   
               A seguir Smith (grande fã de Herschel) o apresenta no que pode ser considerado o primeiro guia observacional da história (A Cycle of Celestial Objects- The Bedford Catalogue): “Um comprimido aglomerado globular de estrelas diminutas no pé direito de Ophiuchus, que é as costas do Escorpião. Este belo e brilhante objeto foi registrado por Messier em 1780 (outro equivoco histórico) que o descreveu como lembrando o núcleo de um cometa, que de fato de seu brilhante centro para suas bordas atenuadas possui um aspecto cometário.”  Smith também nos fala da importância do objeto para o entendimento da dinâmica dos céus e apresenta as ideias de Herschel.
               M 80 é um dos poucos s e foi o primeiro globular a ter uma Nova registrada. T Scorpii. Esta é já registrada no que veio a ser o segundo guia observacional da História. Web em seu celestial Objects for Common Telescopes nos diz que “... quase central, ou mais provavelmente entre o aglomerado e nós está a estranha variável T que em 1860, entre 18 de maio e 21 brilhou com sétima magnitude ofuscando o globular inteiro, e já havia se extinguido quase completamente em 16 de junho. Nunca reapareceu.”
              Web parece ter se equivocado e hoje é aceito que T Scorppi seria um membro do aglomerado. A explosão foi provavelmente fruto de uma colisão estelar. Devido a sua densidade tais eventos parecem ser relativamente comuns em M 80.
              A nova foi primeiro percebida por Auwers. Agnes Clerk também, dá um relato bem completo dos acontecimentos. Burnham, em seu Celestial Handbook, nos apresenta os estudos de J.G Hill e C.A. Day (1976) realizados na Universidade de Michigan. Em um aglomerado contendo um milhão de estrelas   cerca de 335 colisões devem ter ocorrido ao longo de 12 bilhões de anos.    Em um globular denso como M 80 este evento pode acontecer 2700 vezes.
            M 80 possui cerca de 1 milhão de estrelas e a massa de 400.000 sóis. Sua distância parece ser alvo de controvérsia. O meara nos diz 27.000 anos luz. Já Stoyan fala em 48.260.  A pagina da SEDS aposta em 32.600.  Parece que a maior parte das fontes que visitei parece concordar com a SEDS.
                O Hubble localizou 305 “Blue Stragglers” no aglomerado (são estrelas em uma fase evolutiva anterior a que deveriam ter dada a idade do aglomerado.) Parecem corroborar a colisões calculadas pelo time de Michigan.

        Localizar M 80 não chega a ser difícil. Repousando aproximadamente no meio da reta que liga Alpha e Beta Scorpii  ( Antares e Acrab (ou Graffias) uma busca atenta com uma buscadora 8X50 vai revelar sua natureza para o observador atento.
               M 80 é um objeto interessante. Com pequenos telescópios ela vai ser exatamente o que Messier viu. A conforme for aumentando o poder de fogo vai ir cada vez mais se assemelhando a visão de Herschel. 


            A região no seu entorno é maravilhosa e M 80 habita um dos campos mais interessantes da Via Láctea.  


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