Estou em espera. Um péssimo sentimento.
Encomendei um binóculo novo.
Trata-se de um Celestron 15X70. Algo que seria chamado de um binóculo gigante.
Sempre achei interessante observar
com binóculos. Certos DSO´S foram feitos sob medida para eles. Logo de cara me
ocorrem as Plêiades , Mel 111 ( o aglomerado da Cabeleira), IC 2602 ( As Plêiades do Sul), as Hyades, M 44 .
Como já falei esperar é um
sentimento cruel. Me lembra uma criança na véspera do Natal , da Páscoa , do Dia das Crianças
. Trabalho de parto também me parece um outro paralelo possivel .
Mas é sentindo-me assim que lembro de
que a lua é quase nova e que já fazia tempos que não observava nada. E ha mais
tempo ainda que não tentava uma sessão mais séria e dedicada com meus binos.
Mesmo com a Lua muito jovem as condições
são bem extremas. Eu considero assim um céu apresentando, na escala Bortle,
notas entre 8 e 9 ( algo entre 3.45 e 4ª mag. a olho nu).
Depois de apagar todas as luzes
que posso aguardo um pouco e com os olhos já mais aclimatados faço um rápido tour
pelo horizonte sul do Rio de Janeiro. Achernar é a estrela mais evidente. Ainda
bem baixa no horizonte Canopus não me inspira tanto. As discretas estrelas de Hydra
se apresentam de forma muito tímida. A estrela mais tênue que percebo com
certeza (e com visão periférica) é Beta Dorado. Com uma magnitude visual de
3.75 fica bem claro que a caça de DSO´s será feita em braile...
Mas a contrario da crença popular
é possível “cavar bem fundo”.
Com a cabeça no novo binóculo eu
pego dois de meus antigos da prateleira. Meu Vanguard “gringo” 10X 50. E minha “peça
de antiquário”. Um Zenith 20X50.
Com um rápida consulta aoStellarium eu resolvo o que caçar. Quando observando longe de condições ideais
é importante planejar bem sua derrota a fim de valorizar seu tempo. E no meu caso a janela que possuo para observar. E Janela , no caso , é mais que uma figura de linguagem.
Como já possuo uma ideia do que
me espera acho melhor começar a navegação de algo bem brilhante. Meu
primeiro farol será Achernar.
Binóculos são um desafio diferente.
Com alguma experiência você vai sempre ter seu DSO ( Deep Sky Objects) dentro
do campo. Se você vai ver é outra história. Novamente a experiência vai ajudar
muito. Algo que é muito comum quando se observa com binóculos é confundir DSO
pequenos com estrelas. E assim acabar não vendo um objeto que na verdade você viu.
As pequenas magnificações binoculares podem enganar.
Usando o Stellarium existe uma ferramenta
que vai permitir calcular a distancia angular da estrela original até onde você
deve ir. Sabendo o campo de visada de seu binóculo é um chute relativamente
simples se você tiver algum senso de orientação espacial. Como o programa não é
uma representação perfeita do céu recomenda-se bom senso e algum sentimento. Observar
o céu é legal porque mesmo sendo uma ciência ainda assim permite algo próximo a que se chama de" chute"... Ou você pode
“setting circles”. Com uma cabeça equatorial que nem a minha (EQ 3-2) eu te
desejo sorte. Nunca adaptei meu binos a nenhuma cabeça equatorial...A palavra que me vem em mente é torcicolo.
O campo do Vanguard cobre uma área
de 7º graus. E assim parto em busca de meus primeiros ataques. Tuc 47 e Ngc 362.
O método é simples. Eu faço uma rápida
avaliação no Stellarium, meço as distancias e saindo de Achernar pulo dois
campos oculares para baixo e 1,5 campos para direita.
Eu sei que não é assim que se fala.
Então vamos fazer direito. Desloque o binóculo dois campos para o sul e depois
1,5 para oeste.
No caminho terei passado por Alpha
Hydrus e Beta Hydrus. Tuc 47 é sempre
obvio. E no mesmo campo esta 362. Um pouco de atenção e lá estão os dois. É interessante
ver dois globulares no mesmo campo e cada um apresentar aspectos tão distintos. A comparação
irmão maior e irmão menor seria de uma falta de imaginação tremenda. E uma
injustiça.
Tuc 47 é o segundo maior
aglomerado do céu. Mesmo visto com pequenas magnificações ele possui um tamanho
considerável. O maior problema da poluição luminosa é diminuir o contraste
entre o DSO observado e o céu no fundo. Mas utilizando-se de visão periférica o
aglomerado se apresenta com mais de 20´ de arco.
Já Ngc 362 é percebido, com
periférica, como pouco mais que uma estrela.
Com olhar atento percebo um leve esfumaçamento em suas bordas. Ele foi descoberto por uma figura recorrente neste post . Dunlop. James Dunlop.
Com o Zenith eles se tornam um
pouco mais óbvios. Mas a imagem escurece muito e o pouco eye relief dele me
irrita um pouco.
Como foi tudo bem resolvo tentar
a sorte com outro brilhante globular. Ngc 6752. Com uma magnitude aparente de
5.4 eu acredito que ele será facilmente percebido.
Doce ilusão.
Voltado para o horizonte sudoeste
e disputando o céu com as luzes do Vidigal ele consegue mostrar sua cara. Mas é
apenas uma modesta aparição.
Ngc 6752 é, possivelmente, o DSO mais
injustiçado de todo o firmamento. Ele é
o terceiro aglomerado mais brilhante do céu e cobre uma área de mais de 20´.
Localizado em Pavo é um objeto bastante evidente e mesmo assim pouquíssimo comentado.
Ele supera em muito M 13 e mesmo M 22. Fosse ele um pouco mais ao norte e seria
cantado em prosa e verso. Mas por um
mistério para mim insondável ele só foi “descoberto” por Dunlop (olha ele aí de novo...) já no século XIX.
Mais precisamente em 1826
É facilmente localizado se
partindo de Alpha Pavo.
Novamente prefiro o Vanguard
sobre o Zenith. È inegável a melhor ótica do Chinês...
A descrição de Steve Gotlieb através
de um telescópio de 18 polegadas:
“... a 128 X este globular visível
a olho nu (?) parece resolvido integralmente com incontáveis estrelas
densamente agrupadas em uma grande região. Correntes no halo se estendem fazem
da área superior a 20´. A região central é extremamente comprimida em um núcleo
muito brilhante. Há um forte efeito tridimensional na região do núcleo... Este
foi um de meus objetos favoritos da visita à Austrália.”
Agora já mais tarde e com o meus
olhos bem adaptados tento fazer uma inspeção pela GNM. Mas sem nenhum sucesso.
Nem mesmo a Tarântula (Ngc 2070) eu consigo perceber. Ainda muito baixa no horizonte os
efeitos do oceano e da poluição luminosa se combinam e tornam os objetos na
Grande Nuvem impossíveis para os modestos 50 mm de meus binóculos.
Mas é evidente que a noite já vai
mais escura. Já passou de 00h00min. E percebo que fazendo alguns malabarismos
na janela eu posso tentar algo que é, em tese, uma perda de tempo.
Nasci sem medo de altura e graças
a esta insensatez me debruço sobre a tela de proteção de meu apartamento (15º andar)
e com o corpo todo para fora atinjo uma posição que me permite avistar Ankaa.
Alpha Phoenix. E consequentemente o
Aglomerado de galáxias de Sculptor.
Galáxias são talvez os DSO´s que
mais sofrem com a poluição luminosa. Talvez sejam nebulosas de reflexão. Mas
não importa. A ideia parece ser errada. Mas como que não arrisca não
petisca...
O meu Plano é bem simples. De Achernar a Ankaa
e depois um pouco além. Ngc 55.
E ela aparece claramente. Refaço o
percurso diversas vezes e a pequena “estrela” enevoada se apresenta no mesmo
local com consistência. Três estrelas
entre 6 e 7 magnitudes que apontam para a galáxia garantem a observação. São
Elas Tyc 7524-793-1, Tyc 7524-756-1 (a mais brilhante das três) e Tyc
7524-qualquer coisa-1. São também conhecidas pelos singelos nomes de HIP 2001,
HIP 1795 (a mais brilhante) e HIP 1667.
Com bastante concentração, uso de
visão periférica e uma paciência de Jó a bela galáxia revela alguma coisa.
Consigo perceber um esfumaçamento leve ao redor do seu núcleo estelar.
Especialmente ao norte deste, em fotos fica bem obvia a razão disto... Ao sul
percebe-se algo mais tênue. O efeito final recorda uma nebulosa planetária bipolar.
É claro que se trata de um golpe. Ngc 55
é uma bela galáxia irregular barrada... Burnham a compara a uma versão reduzida
da Pequena Nuvem de Magalhães.
Tradicionalmente associada ao
grupo de galáxias de Sculptor Ngc 55 é uma das galáxias mais próximas que não
fazem parte do chamado Grupo Local.
É outra descoberta de Dunlop em
1826.
Apresenta uma magnitude de 8.00 e
cobre uma área de 32´. Isto representa um brilho de superfície de 13.7.
O seu brilho de superfície é que
a torna um desafio para os astrônomos urbanos.
Mas como pude descobrir e ao
contrario do senso comum é possível observar-se galáxias em uma are de forte
poluição luminosa e com o uso de binóculos 10X50.
5 graus |
Depois de tudo só restava aproveitar a felicidade de ter localizado Ngc 55 e praticado algo tão comum em ciencias. Ir contra o senso comum é , muitas vezes , como ela avança. E assim aprender uma coisa nova. É possivel avistar galaxias , com binoculos, na cidade grande e por uma janela...
Abri um um Chardonnay californiano e bebi em homenagem a Dunlop.
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