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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Uma Noite Nada Escura , Dois Binóculos e uma Galáxia


           

            Estou em espera. Um péssimo sentimento.
Encomendei um binóculo novo. Trata-se de um Celestron 15X70. Algo que seria chamado de um binóculo gigante. 
Sempre achei interessante observar com binóculos. Certos DSO´S foram feitos sob medida para eles. Logo de cara me ocorrem as Plêiades , Mel 111  ( o aglomerado da Cabeleira), IC 2602 ( As Plêiades do Sul), as Hyades, M 44 .
Como já falei esperar é um sentimento cruel. Me lembra uma criança na  véspera do Natal , da Páscoa , do Dia das Crianças . Trabalho de parto também me parece  um outro paralelo possivel .
Mas  é sentindo-me assim que  lembro de que a lua é quase nova e que já fazia tempos que não observava nada. E ha  mais tempo ainda que não tentava uma sessão mais séria e dedicada com meus binos. 
Mesmo com a Lua muito jovem as condições são bem extremas. Eu considero assim um  céu apresentando, na escala  Bortle,  notas entre  8 e 9  ( algo entre 3.45 e 4ª mag. a olho nu).
Depois de apagar todas as luzes que posso aguardo um pouco e com os olhos já mais aclimatados faço um rápido tour pelo horizonte sul do Rio de Janeiro. Achernar é a estrela mais evidente. Ainda bem baixa no horizonte Canopus não me inspira tanto. As discretas estrelas de Hydra se apresentam de forma muito tímida. A estrela mais tênue que percebo com certeza (e com visão periférica) é Beta Dorado. Com uma magnitude visual de 3.75 fica bem claro que a caça de DSO´s será feita em braile...
Mas a contrario da crença popular é possível “cavar bem fundo”.
Com a cabeça no novo binóculo eu pego dois de meus antigos da prateleira. Meu Vanguard “gringo” 10X 50. E minha “peça de antiquário”. Um Zenith 20X50.
Com um rápida consulta aoStellarium eu resolvo o que caçar. Quando observando longe de condições ideais é importante planejar bem sua derrota a fim de valorizar seu tempo. E no meu caso a janela que possuo para observar. E Janela , no caso , é mais que uma figura de linguagem. 
Como já possuo uma ideia do que me espera acho melhor começar a navegação de algo bem brilhante.   Meu primeiro farol será Achernar.
Binóculos são um desafio diferente. Com alguma experiência você vai sempre ter seu DSO ( Deep Sky Objects) dentro do campo. Se você vai ver é outra história. Novamente a experiência vai ajudar muito. Algo que é muito comum quando se observa com binóculos é confundir DSO pequenos com estrelas. E assim acabar não vendo um objeto que na verdade você viu. As pequenas magnificações binoculares podem enganar.
Usando o Stellarium existe uma ferramenta que vai permitir calcular a distancia angular da estrela original até onde você deve ir. Sabendo o campo de visada de seu binóculo é um chute relativamente simples se você tiver algum senso de orientação espacial. Como o programa não é uma representação perfeita do céu recomenda-se bom senso e algum sentimento. Observar o céu é legal porque mesmo sendo uma ciência  ainda assim  permite algo próximo a que se chama de" chute"... Ou você pode “setting circles”. Com uma cabeça equatorial que nem a minha (EQ 3-2) eu te desejo sorte. Nunca adaptei meu binos a nenhuma cabeça equatorial...A palavra que me vem em mente é torcicolo.

O campo do Vanguard cobre uma área de 7º graus. E assim parto em busca de meus primeiros ataques. Tuc 47 e Ngc 362.
O método é simples. Eu faço uma rápida avaliação no Stellarium, meço as distancias e saindo de Achernar pulo dois campos oculares para baixo e 1,5 campos para direita.
Eu sei que não é assim que se fala. Então vamos fazer direito. Desloque o binóculo dois campos para o sul e depois 1,5 para oeste.    
No caminho terei passado por Alpha Hydrus e Beta Hydrus.  Tuc 47 é sempre obvio. E no mesmo campo esta 362. Um pouco de atenção e lá estão os dois. É interessante ver dois globulares no mesmo campo e cada um apresentar aspectos  tão distintos. A comparação irmão maior e irmão menor seria de uma falta de imaginação tremenda. E uma injustiça.

Tuc 47 é o segundo maior aglomerado do céu. Mesmo visto com pequenas magnificações ele possui um tamanho considerável. O maior problema da poluição luminosa é diminuir o contraste entre o DSO observado e o céu no fundo. Mas utilizando-se de visão periférica o aglomerado se apresenta com mais de 20´ de arco.
Já Ngc 362 é percebido, com periférica, como pouco mais que uma estrela.  Com olhar atento percebo um leve esfumaçamento em suas bordas. Ele foi descoberto por uma figura recorrente neste post . Dunlop. James Dunlop.
Com o Zenith eles se tornam um pouco mais óbvios. Mas a imagem escurece muito e o pouco eye relief dele me irrita um pouco.
Como foi tudo bem resolvo tentar a sorte com outro brilhante globular. Ngc 6752. Com uma magnitude aparente de 5.4 eu acredito que ele será facilmente percebido.
Doce ilusão.
Voltado para o horizonte sudoeste e disputando o céu com as luzes do Vidigal ele consegue mostrar sua cara. Mas é apenas uma modesta aparição.
Ngc 6752 é, possivelmente, o DSO mais injustiçado de todo o firmamento.  Ele é o terceiro aglomerado mais brilhante do céu e cobre uma área de mais de 20´. Localizado em Pavo é um objeto bastante evidente e mesmo assim pouquíssimo comentado. Ele supera em muito M 13 e mesmo M 22. Fosse ele um pouco mais ao norte e seria cantado em prosa e verso.  Mas por um mistério para mim insondável ele só foi “descoberto” por Dunlop (olha ele aí de novo...) já no século XIX. Mais precisamente em 1826
É facilmente localizado se partindo de Alpha Pavo.
Novamente prefiro o Vanguard sobre o Zenith. È inegável a melhor ótica do Chinês...
A descrição de Steve Gotlieb através de um telescópio de 18 polegadas:
“... a 128 X este globular visível a olho nu (?) parece resolvido integralmente com incontáveis estrelas densamente agrupadas em uma grande região. Correntes no halo se estendem fazem da área superior a 20´. A região central é extremamente comprimida em um núcleo muito brilhante. Há um forte efeito tridimensional na região do núcleo... Este foi um de meus objetos favoritos da visita à Austrália.”
Agora já mais tarde e com o meus olhos bem adaptados tento fazer uma inspeção pela GNM. Mas sem nenhum sucesso. Nem mesmo a Tarântula  (Ngc 2070) eu consigo perceber. Ainda muito baixa no horizonte os efeitos do oceano e da poluição luminosa se combinam e tornam os objetos na Grande Nuvem impossíveis para os modestos 50 mm de meus binóculos.
Mas é evidente que a noite já vai mais escura. Já passou de 00h00min. E percebo que fazendo alguns malabarismos na janela eu posso tentar algo que é, em tese, uma perda de tempo.
Nasci sem medo de altura e graças a esta insensatez me debruço sobre a tela de proteção de meu apartamento (15º andar) e com o corpo todo para fora atinjo uma posição que me permite avistar Ankaa. Alpha Phoenix.  E consequentemente o Aglomerado de galáxias de Sculptor.
Galáxias são talvez os DSO´s que mais sofrem com a poluição luminosa. Talvez sejam nebulosas de reflexão. Mas não importa. A ideia parece ser errada. Mas como que não arrisca não petisca...
 O meu Plano é bem simples. De Achernar a Ankaa e depois um pouco além. Ngc 55.
E ela aparece claramente. Refaço o percurso diversas vezes e a pequena “estrela” enevoada se apresenta no mesmo local com consistência.  Três estrelas entre 6 e 7 magnitudes que apontam para a galáxia garantem a observação. São Elas Tyc 7524-793-1, Tyc 7524-756-1 (a mais brilhante das três) e Tyc 7524-qualquer coisa-1. São também conhecidas pelos singelos nomes de HIP 2001, HIP 1795 (a mais brilhante) e HIP 1667.

Com bastante concentração, uso de visão periférica e uma paciência de Jó a bela galáxia revela alguma coisa. Consigo perceber um esfumaçamento leve ao redor do seu núcleo estelar. Especialmente ao norte deste, em fotos fica bem obvia a razão disto... Ao sul percebe-se algo mais tênue. O efeito final recorda uma nebulosa planetária bipolar. É claro que se trata de um golpe.  Ngc 55 é uma bela galáxia irregular barrada... Burnham a compara a uma versão reduzida da Pequena Nuvem de Magalhães.

Tradicionalmente associada ao grupo de galáxias de Sculptor Ngc 55 é uma das galáxias mais próximas que não fazem parte do chamado Grupo Local.
É outra descoberta de Dunlop em 1826.
Apresenta uma magnitude de 8.00 e cobre uma área de 32´. Isto representa um brilho de superfície de 13.7.
O seu brilho de superfície é que a torna um desafio para os astrônomos urbanos.
Mas como pude descobrir e ao contrario do senso comum é possível observar-se galáxias em uma are de forte poluição luminosa e com o uso de binóculos 10X50.
5 graus 
O Zenith 20X50 não resolveu. Talvez também por ser mais difícil de conviver com um campo de apenas 3º sem o uso de tripé. O Zenith possui ainda um  eye relief muito pequeno é é necessario trabalhar com a ocular muito próxima a seus olhos . Isto além de incomodo leva a um acumulo de gordura e também a muita condensação. O Zenith é um binoculo mais adequado ao uso diurno.  
Depois de tudo só restava aproveitar a felicidade de ter localizado Ngc 55 e praticado algo tão comum em ciencias. Ir contra o senso comum é , muitas vezes , como ela avança. E assim aprender uma coisa nova. É possivel avistar galaxias , com binoculos, na cidade grande e por uma janela...
Abri um um Chardonnay californiano e bebi em homenagem a Dunlop. 

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