Astrofotografia é muitas vezes
chamada de “A Arte Difícil”. Definitivamente fotografar DSO´s é bem mais
complicado que fazer umas fotos das crianças. Implica em um equipamento maior,
diversas técnicas e muita experiência e paciência. Você deverá possuir uma
cabeça equatorial motorizada, realizar o alinhamento polar dessa com bastante
capricho, contar com o clima e com as fases da lua entre outras coisas...
Mas
você pode ter toda essa diversão sem tanta trabalheira. Mesmo sem cabeça
equatorial é possível se registrar grandes campos do céu. Com lentes grande
angulares é possível se obter exposições longas o suficiente para se
registrar diversos campos interessantes e até mesmo alguns DSO´s propriamente
ditos. Não pretendi chegar a tão pouco mas também não queria sofrer muito...
Era
tempo de se subir a Serra. Meu filho estava muito saudoso de seus “amigos
capoeiras” e eu estava desejoso de subir a Serra e aproveitar não só para ver
alguns amigos como para desfrutar dos céus bem mais escuros de Boa Esperança.
Essa um pequeno ajuntamento rural próximo a Lumiar.
Normalmente
eu realizaria uma derrota (um termo náutico para plano de navegação...) onde
teria diversos alvos a serem capturados e o horário que estes cruzariam o
meridiano. Ainda teria várias estrelas com horários e altitudes calculadas para
me ajudar com o alinhamento polar (tenho horror a fazer o drift para alinhar
Mlle. Herschel).
Provavelmente
devido aos saraus filosóficos que vem sendo organizados pela minha tia, onde estudamos como a Beleza só pode ser compreendida na sua integra através da liberdade
( ou coisa que o valha...) ,no entender de Schiller, e abraçado ao seu conceito de Gênios Morais que o
assim são de uma forma orgânica decido que dessa vez irei partir para um
outro tipo de abordagem. Em vez de levar
o Newton (um telescópio com 1200 mm) irei somente eu, meu filho, Mlle. Herschel ( minha cabeça equatorial HEQ 5) ,
a Câmera e um quiver de lentes. Entre minhas lentes tenho duas favoritas. Uma
Pentax 50 mm f 1.7 e uma outra 300 mm f 4.
Na véspera pego emprestado um duplicador com um amigo. Mas esse se
revela incompatível com meu equipamento. Uma pena.
Assim
no dia 31 de maio do ano de 2019 saio rumo a serra as 11:39 da manhã. Em uma viagem tranquila estamos chegando na
casa de meu velho professor de Geomorfologia as 14:30 da tarde. Rio- Boa Esperança em menos de 3 horas. Com
direito a parada para croquetes na Casa do Alemão e a umas compras rápidas no
Mercado de Lumiar. Um recorde... Bastante impressionante se levando em conta
que desta vez fui com um Fiat Mobi. Carro o qual eu achei uma porcaria. Cambio
frouxo, pouquíssima potência e nem um pouco econômico. O aluguel é barato...
Tal
e qual o Gênio Ródio de Humboldt (um aluno de Schiller e fundador da
Geografia) escolho que Theta Carina é a estrela certa para me ajudar no
Alinhamento polar. Sendo a estrela mais brilhante das Plêiades do Sul e
cruzando o meridiano exatamente as 18:00 me parece que nada pode dar errado. Exceto
que as 18:00 ainda está claro para burro e a Buscadora polar não é exatamente
um poderoso telescópio. Desconfiando que estou com a moça errada centralizada
eu me dou por satisfeito.
Quando
vou alinhar o Go-to (um sistema que permite que a cabeça equatorial localize os
objetos que você quer observar sozinha...) percebo que o alinhamento polar esta
medíocre. E assim será.
Eu
tinha um plano. Dessa vez astrofotografia ia ser a melhor diversão e nada desse
papo de Difícil Arte. Mas...
Esqueci
o cartão de memória da câmera. Em um primeiro momento pânico. Mas rapidamente
atino que possuo um programam maravilhoso no meu lap top. ATP tools. (Astrophotography
tools). E assim conecto a câmera ao computador através de um cabo Canon,
habilito o obturador desta a trabalhar sem cartão e capturo as imagens
diretamente para a pasta default do ATP. Nunca tinha feito isso. Mas não foi
tão difícil. Fiquei com a impressão que o cabo é responsável por mais ruído nas
capturas. Mas pode ser só implicância. E descubro que o ATP captura as imagens (por
default) tanto em Jpeg como em RAW. E ainda cria uma pasta com versões pequenas
(thumbnails) em PNG.
Rho Ophiuchi e Antares régio. também conhecida como a "14a vértebra" . Foto com 3 Drizzle no DSS. |
Com a questão
da captura resolvida parto para o jogo. Coloco a 300 mm na câmera e mando Mlle.
Herschel em busca da “Running Chicken Nébula” no entorno de Lambda Centauro.
Percebo que
não vai dar para se almejar tanto bebendo na companhia de Humboldt, Schiller e
do Gil Velho e com um alinhamento polar feito , ou melhor, não feito. Coloco a 50 mm e mando Mlle. Herschel apontar para o Cruzeiro do
Sul. Astrofotografia com uma 50 mm é bem mais fácil que com a 300mm e
infinitamente mais fácil com um telescópio de 1200 mm. O acompanhamento, alinhamento polar e etc. se
tornam bem mais complacentes.
Essa foto esta centrada na apagada constelação de Circinus. No canto esquerdo está K Norma envolta em Ngc 6067. Um aberto impressionante. |
Com o
computador protegido do sereno e instalado em uma cadeira de bar coberta pelo
meu Anorak eu já possuo um plano de captura para light frames (que são simplesmente fotos) pré-programado no ATP onde, ao contrário do Crivella,
tenho tudo sob controle. A câmera irá realizar 20 exposições de 45 segundos com
ISO 1600 e com 5 segundo de intervalo entre as fotos. Um luxo. Você clica em “Start”
e pode ir brincar com as crianças, beber cerveja com os amigos e outras cositas
más. Depois de 1000 segundos o computador emitirá o som de sino e posso voltar e fazer
tudo de novo.
Cauda de Scorpio |
E assim capturo,
sempre com a 50mm em f1,7, uma bela região pouco fotografada centrada em Circinus com a Nuvem de Norma no canto esquerdo da foto. o campo de provas favorito
na região de Antares e Rho Ophiuchi e a área no entorno do Falso Cometa em
Escorpião.
Falso Cometa. |
Sempre que observo a Via Láctea
me lembro de um Rio. Algumas regiões são evidentes corredeiras. Estas áreas são
sempre muito fotogênicas. E por isso ainda tento visitar a área em torno de Eta
Carina. Quando se fala em corredeiras me lembro sempre que li em algum lugar
que estas são classificadas (pelos praticantes de canoagem em uma escala que
vai de do grau I (novatos) até VI (suicidas apenas) (https://en.wikipedia.org/wiki/International_scale_of_river_difficulty). A região de Norma seria algo como III +.
Eta Carina seria uma
corredeira 5x. Ou seja suicida, mas muitas vezes navegada. Dessa vez passo por apertos e o excesso de
condensação me vira o kayak. A água é um perigo nos mais diversos estados... De qualquer forma acho que os resultados são abaixo da média e acabo descartando os quadros. Mas como o ATP \tools cria uma pasta com thumbnails ( em PGN) de todas as fotos capturadas acabei por achar 11 fotos de Eta carina e adjacências perdidas no HD. Tentei empilhar as pequenas fotos ( 256 por 128 pixels) no DSS. Não deu certo. Então ressuscitei o Rot n´s Stack . Seu efeitos são sempre mais para pop art que para astrofotografia. Mas talvez embriagado pelo espirito do Sturm and Drang e do romantismo alemão que embala este post seguem alguns dos resultados.. Embora me pareçam resultado mais apropriados para o movimento do "Storm and Drunk" que das obras de Schiller.
single Thumbnail antes de ser feito belo e livre pelo Rot n´Stack. |
A noite transcorre
assim. O único inimigo é a condensação. Sem um dew heater (um acessério que mantém as lentes aquecidas) eu acabo perdendo o
jogo. E com o velho professor meio adoentado e tendo se retirado bem cedo (19:30) desisto de lutar contra a
natureza. As 22:30 dou uma olhada em Júpiter utilizado o Galileo (um refrator
de 70 mm que estava aposentado há um bom tempo) e com esse também apanhando da condensação
eu desisto.
Senhores das Moscas ou Captain Fantastic. |
Dormindo as
10:30 da noite acordo sem esforço as 6:30. Depois de um café seguimos para um local em que
pretendo retornar para a Aporema de Inverno. Galdino polis. Lá espero ter um céu
Bortle 2. O Polis do nome está para lá de exagero... Vou com o Gil e as
crianças até uma pequena casa de um amigo perdida em meio a um grande pasto com o Rio Macaé
ainda muito limpo ao seu lado. Fazemos uma macarronada a bolonhesa. No fogão de lenha da varanda. As crianças brincam no Rio e no pasto. Eu confesso que poucas vezes mergulhei em água tão fria. Depois voltamos para beber em
Lumiar. Compro um cartão de memória por 55 reais. Achei em conta. Mas a chuva se aproxima. O resto é de pinga e prosa.
Domingo partimos
de volta para o Rio. Foi pouca astrofotografia. Mas definitivamente a 50 mm faz as coisas renderem muito.
Astrofotografia
é a melhor diversão...
Para os fissurados: Todas as fotos são resultado de 20 exposições de 45 segundos com ISO 1600. Captura em RAW (cr2.). Tempo total de exposição 15 min. Foram utilizados ainda 20 dark frames para calibragem. Lente Pentax 50 mm f1.7. Canon T3 . Montagem equatorial HEQ 5 pro.
O stacking ( empilhamento) foi realizado no Deep Sky Stacker. E as fotos foram posteriormente "esticadas" no PixInsight 1.8 e e passaram por algum trabalho cosmético no PhotoShop CS 8.
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