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segunda-feira, 3 de junho de 2019

Astrofotografia , o Gênio Ródio, Corredeiras e o Sturm and Drang


           

           Astrofotografia é muitas vezes chamada de “A Arte Difícil”. Definitivamente fotografar DSO´s é bem mais complicado que fazer umas fotos das crianças. Implica em um equipamento maior, diversas técnicas e muita experiência e paciência. Você deverá possuir uma cabeça equatorial motorizada, realizar o alinhamento polar dessa com bastante capricho, contar com o clima e com as fases da lua entre outras coisas...
    Mas você pode ter toda essa diversão sem tanta trabalheira. Mesmo sem cabeça equatorial é possível se registrar grandes campos do céu. Com lentes grande angulares é possível se obter exposições longas o suficiente para se registrar diversos campos interessantes e até mesmo alguns DSO´s propriamente ditos. Não pretendi chegar a tão pouco mas também não queria sofrer muito...
        Era tempo de se subir a Serra. Meu filho estava muito saudoso de seus “amigos capoeiras” e eu estava desejoso de subir a Serra e aproveitar não só para ver alguns amigos como para desfrutar dos céus bem mais escuros de Boa Esperança. Essa um pequeno ajuntamento rural próximo a Lumiar.
       Normalmente eu realizaria uma derrota (um termo náutico para plano de navegação...) onde teria diversos alvos a serem capturados e o horário que estes cruzariam o meridiano. Ainda teria várias estrelas com horários e altitudes calculadas para me ajudar com o alinhamento polar (tenho horror a fazer o drift para alinhar Mlle. Herschel).
     Provavelmente devido aos saraus filosóficos que vem sendo organizados pela minha tia, onde estudamos como a Beleza só pode ser compreendida na sua integra através da liberdade ( ou coisa que o valha...) ,no entender de Schiller, e abraçado ao seu conceito de  Gênios Morais que  o assim são de uma forma orgânica decido que dessa vez irei partir para um outro  tipo de abordagem. Em vez de levar o Newton (um telescópio com 1200 mm) irei somente eu, meu filho, Mlle. Herschel ( minha cabeça equatorial HEQ 5) , a Câmera e um quiver de lentes. Entre minhas lentes tenho duas favoritas. Uma Pentax 50 mm f 1.7 e uma outra 300 mm f 4.  Na véspera pego emprestado um duplicador com um amigo. Mas esse se revela incompatível com meu equipamento. Uma pena. 
          Assim no dia 31 de maio do ano de 2019 saio rumo a serra as 11:39 da manhã.  Em uma viagem tranquila estamos chegando na casa de meu velho professor de Geomorfologia as 14:30 da tarde.  Rio- Boa Esperança em menos de 3 horas. Com direito a parada para croquetes na Casa do Alemão e a umas compras rápidas no Mercado de Lumiar. Um recorde... Bastante impressionante se levando em conta que desta vez fui com um Fiat Mobi. Carro o qual eu achei uma porcaria. Cambio frouxo, pouquíssima potência e nem um pouco econômico. O aluguel é barato...
        Tal e qual o Gênio Ródio de Humboldt (um aluno de Schiller e fundador da Geografia) escolho que Theta Carina é a estrela certa para me ajudar no Alinhamento polar. Sendo a estrela mais brilhante das Plêiades do Sul e cruzando o meridiano exatamente as 18:00 me parece que nada pode dar errado. Exceto que as 18:00 ainda está claro para burro e a Buscadora polar não é exatamente um poderoso telescópio. Desconfiando que estou com a moça errada centralizada eu me dou por satisfeito.  
     Quando vou alinhar o Go-to (um sistema que permite que a cabeça equatorial localize os objetos que você quer observar sozinha...) percebo que o alinhamento polar esta medíocre. E assim será.


            Eu tinha um plano. Dessa vez astrofotografia ia ser a melhor diversão e nada desse papo de Difícil Arte. Mas...
        Esqueci o cartão de memória da câmera. Em um primeiro momento pânico. Mas rapidamente atino que possuo um programam maravilhoso no meu lap top. ATP tools. (Astrophotography tools). E assim conecto a câmera ao computador através de um cabo Canon, habilito o obturador desta a trabalhar sem cartão  e capturo as imagens diretamente para a pasta default do ATP. Nunca tinha feito isso. Mas não foi tão difícil. Fiquei com a impressão que o cabo é responsável por mais ruído nas capturas. Mas pode ser só implicância. E descubro que o ATP captura as imagens (por default) tanto em Jpeg como em RAW. E ainda cria uma pasta com versões pequenas (thumbnails) em PNG.  
Rho Ophiuchi e Antares régio. também conhecida como a "14a vértebra" . Foto com 3 Drizzle no DSS. 

Com a questão da captura resolvida parto para o jogo. Coloco a 300 mm na câmera e mando Mlle. Herschel em busca da “Running Chicken Nébula” no entorno de Lambda Centauro.
Percebo que não vai dar para se almejar tanto bebendo na companhia de Humboldt, Schiller e do Gil Velho e com um alinhamento polar feito , ou melhor, não feito. Coloco a 50 mm e mando Mlle. Herschel apontar para o Cruzeiro do Sul. Astrofotografia com uma 50 mm é bem mais fácil que com a 300mm e infinitamente mais fácil com um telescópio de 1200 mm.  O acompanhamento, alinhamento polar e etc. se tornam bem mais complacentes.
Essa foto esta centrada na apagada constelação de Circinus. No canto esquerdo está K Norma envolta em Ngc 6067. Um aberto impressionante.



Com o computador protegido do sereno e instalado em uma cadeira de bar coberta pelo meu Anorak eu já possuo um plano de captura para light frames (que são simplesmente fotos)  pré-programado no ATP onde, ao contrário do Crivella, tenho tudo sob controle. A câmera irá realizar 20 exposições de 45 segundos com ISO 1600 e com 5 segundo de intervalo entre as fotos. Um luxo. Você clica em “Start” e pode ir brincar com as crianças, beber cerveja com os amigos e outras cositas más. Depois de 1000 segundos o computador emitirá o som de sino e posso voltar e fazer tudo de novo.

Cauda de Scorpio

E assim capturo, sempre com a 50mm em f1,7, uma bela região pouco fotografada centrada em  Circinus com a Nuvem de Norma no canto esquerdo da foto. o campo de provas favorito na região de Antares e Rho Ophiuchi e a área no entorno do Falso Cometa em Escorpião.



Falso Cometa.

Sempre que observo a Via Láctea me lembro de um Rio. Algumas regiões são evidentes corredeiras. Estas áreas são sempre muito fotogênicas. E por isso ainda tento visitar a área em torno de Eta Carina. Quando se fala em corredeiras me lembro sempre que li em algum lugar que estas são classificadas (pelos praticantes de canoagem em uma escala que vai de do grau I (novatos) até VI (suicidas apenas) (https://en.wikipedia.org/wiki/International_scale_of_river_difficulty). A região de Norma seria algo como  III +.

    Eta Carina seria uma corredeira 5x. Ou seja suicida, mas muitas vezes navegada.  Dessa vez passo por apertos e o excesso de condensação me vira o kayak. A água é um perigo nos mais diversos estados... De qualquer forma acho que os resultados são abaixo da média e acabo descartando os quadros. Mas como o ATP \tools cria uma pasta com thumbnails ( em PGN) de todas as fotos capturadas acabei por achar 11 fotos de Eta carina e adjacências perdidas no HD. Tentei empilhar as pequenas fotos ( 256 por 128 pixels) no DSS. Não deu certo. Então ressuscitei o Rot n´s Stack . Seu efeitos são sempre mais para pop art que para astrofotografia. Mas  talvez embriagado pelo espirito do Sturm and Drang e do romantismo alemão que embala este post seguem alguns dos resultados..  Embora me pareçam resultado mais apropriados para o movimento  do "Storm and Drunk" que das obras de Schiller. 




single Thumbnail antes de ser feito belo e livre pelo Rot n´Stack. 

A noite transcorre assim. O único inimigo é a condensação. Sem um dew heater (um acessério que mantém as lentes aquecidas)  eu acabo perdendo o jogo. E com o velho professor meio adoentado e tendo se retirado bem cedo (19:30) desisto de lutar contra a natureza. As 22:30 dou uma olhada em Júpiter utilizado o Galileo (um refrator de 70 mm que estava aposentado há um bom tempo) e com esse também apanhando da condensação eu desisto.
Senhores das Moscas ou Captain Fantastic.

Dormindo as 10:30 da noite acordo sem esforço as 6:30. Depois de um café seguimos para um local em que pretendo retornar para a Aporema de Inverno. Galdino polis. Lá espero ter um céu Bortle 2. O Polis do nome está para lá de exagero... Vou com o Gil e as crianças até uma pequena casa de um amigo  perdida em meio a um grande pasto com o Rio Macaé ainda muito limpo ao seu lado. Fazemos uma macarronada a bolonhesa. No fogão de lenha da varanda.  As crianças brincam no Rio e no pasto. Eu confesso que poucas vezes mergulhei em água tão fria. Depois voltamos para beber em Lumiar. Compro um cartão de memória por 55 reais. Achei em conta.  Mas a chuva se aproxima. O resto é de pinga e prosa. 
Domingo partimos de volta para o Rio. Foi pouca astrofotografia. Mas definitivamente a 50 mm faz as coisas renderem muito. 
Astrofotografia é a melhor diversão...
Para os fissurados: Todas as fotos são resultado de 20 exposições de 45 segundos com ISO 1600. Captura em RAW (cr2.).  Tempo total de exposição 15 min. Foram utilizados ainda 20 dark frames para calibragem. Lente Pentax 50 mm f1.7. Canon T3 . Montagem equatorial HEQ 5 pro. 
O stacking ( empilhamento) foi realizado no Deep Sky Stacker. E as fotos foram posteriormente "esticadas" no PixInsight 1.8 e e passaram por algum trabalho cosmético no PhotoShop CS 8. 

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