Já falei aqui no Nuncius Australis que gosto de colecionar
coincidências de Adams, Tripletos galácticos e guias observacionais pouco
conhecidos. Desta vez esbarrei com o “Webb Society Deep Sky Observers
Handbook”. Uma obra única e como todas elas quase desconhecidas para maioria da humanidade. São 5 volumes. Cada um abordando um
determinado gênero de DSO. (Estrelas duplas, Aglomerados abertos e globulares,
Nebulosas Planetárias, Galáxias e por fim Aglomerados de Galáxias).
Com várias
dezenas de galáxias fotografadas recentemente e esperando por apresentação é evidente que
estacionei no volume relativo as mesmas (Vol. 4).
Kenneth Glyn
Jones (o editor e organizador do evento) inicia os trabalhos contando algo que
já sabemos ou deveríamos saber. Galáxias são os blocos fundamentais de construção do universo. As
partículas materiais que preenchem o volume do universo. E depois nos leva (em uma interpretação
pessoal) há divagar sobre como as galáxias são um alvo que fascinam o
amador. Objetivos difíceis e que muitas vezes revelam poucas coisas ao observador
com modestos (e nem tão modestos) telescópios mas que ainda assim são caçados sem dó
nem piedade por eles. E não só isso. As galáxias observadas por estes são
muitas vezes tidas como troféus. Minhas galáxias...
De volta ao
livro ele nos lembra que galáxias são visíveis por uma grande gama de aparelhos,
mesmo binóculos. Mesmo sem se obter nenhum detalhamento elas serão sempre responsáveis por uma certa fascinação para os observadores visuais. (Creio que a
astrofotografia amadora, embora já incipiente, ainda não fosse uma prática tão
comum nos tempos da primeira edição). De qualquer forma ele nos lembra que a
evolução do entendimento do que são galáxias é a história da evolução do nosso
entendimento do universo e da astronomia propriamente dita.
Nós só
realizamos, de fato, o que são essas discretas nebulosas em 1924. Mas utilizando
telescópios bem mais modestos que o
Hooker Telescope no Monte Wilson ,onde Hubble observou estrelas cefeídas individualmente ( cefeidas são estrelas que apresenta um relação entre a oscilação de seu brilho diretamente ligada a tempo desta mesma oscilação. Por isso velas padrão e podem ser utilizadas para medir grandes distancias) em
Andrômeda e provou que as tais nebulosas espirais eram mesmo Via Lácteas fora
da Via Láctea, o homem elaborou uma bela
ideia do que e como seria o Universo.
Naturalmente,
as concepções de sistemas extragalácticos (e do o universo como nós o
entendemos hoje) tiveram que esperar a ideia de como se organiza uma galáxia e
do entendimento da forma da nossa própria galáxia. Na verdade, esse processo
foi a criação da entidade
"galáxia". O próprio termo
galáxia vem do entendimento do nosso lar no universo. A Via Láctea. Galáxia é
uma palavra que deriva do termo grego galaxias kyklos que significa
"círculo leitoso". Se habitássemos uma galáxia elíptica as coisas
poderiam ser bem diferentes...
É Thomas
Wright de Durham, em seu “An Original Theory or New Hipothesis of the Universe”
(1750) que primeiro imagina a Via láctea como um disco de estrelas. Ele declara
que essa possui a forma de uma Mó (Pedra de Moinho). E ainda se antecipa a Kant
em profetizar que muitas nebulosas seriam galáxias.
“...Diversos
locais nebulosos, apenas perceptíveis por nós, além de nossa região estrelada,
onde espaços visivelmente luminosos existem sem nenhuma estrela ou corpo físico
em particular possam ser percebidos, estes podem ser criações externas,
semelhantes a conhecida (a Via Láctea) , muito distante até mesmo para nossos
telescópios. “
5 anos depois
Kant se apropria da ideia e enxuga todo o misticismo e religiosidade da
hipótese de Wright e em seu seminal “ História natural do Universo e a Teoria
do Céu” apresenta ,de forma mais clara,
a hipótese de que as nebulosas (especialmente as em forma de fuso) são Via Lácteas
distantes como nosso próprio sistema e ainda propõe que estas se organizariam
em super associações. Esta ideia posteriormente é batizada de Universos Ilhas
por Humboldt. Este conceito de universos insulares e seus múltiplos
agrupamentos, que agora entendemos como aglomerados galácticos, foi um notável
insight e se revelou acertada quase 180 anos depois.
Tanto Kant
quanto Wright atiraram no que viam e acertaram no que não viam. Quando Kant
escreveu seu livro as únicas nebulosas que se revelaram galáxias mesmo
conhecidas e já observadas eram as Nuvens de Magalhães ( conhecidas desde a pré
história e de forma alguma semelhantes a um fuso) , a Galáxia de Andromeda ( M31, Conhecida
desde a antiguidade e descrita no livro das Estrelas de Al Sufi) , Galáxia do Triangulo ( M33, registrada por
Hodierna antes de 1654) e A galáxia do redemoinho do Sul (M83,
descoberta por Lacaille em 1751) já tinham sido observadas. As nebulosas que
nutriram as ideias de Kant eram, muito provavelmente aglomerados globulares. Se
fundamentara, quase certamente, na ideia de Maupertius (1742) de que esses eram
corpos elipsoidais formados por rotação.
Posteriormente
Herschel estrutura a Via Láctea de forma mais fundamentada observacionalmente e
embora não acerte no todo deduz corretamente a forma da coisa. E descobre
milhares de galáxias. Se você pretende observar DSO´s é melhor que se encante
por elas. Mais de 74% do New General Catalog é composto de galáxias.
Lorde
Rosse e seu Leviatã finalmente resolvem diversas das nebulosas em seu formato
espiral.
As
coisas vão nesse pé até o Grande Debate entre Curtisse Shapley que já foi apresentado
aqui no Nuncius. E como foi dito, Hubble encerra o assunto e prova que as ditas
Nebulosas espirais eram, de fato, “Universos -Ilha”.
E
graças, especialmente, as galáxias espirais o homem descobriu a expansão do
Universo. Depois disso Hubble cria sua classificação de galáxias e se juntam as
galáxias espirais as Elípticas, lenticulares, Irregulares e Cia. Ltda. Mas isso
é papo para outro post.
De
volta as Espirais terminamos o rodeio e chegamos até Leão . M 95 e M 96.
Galáxias
espirais, a meu ver, são os mais desafiadores e belos DSO´s que se pode
observar. São os objetos que menos desejam mostrar sua beleza e estrutura e ao
mesmo tempo são os DSO´s onde você mais deseja extorquir tais informações.
Conheço pessoas que tem esse Nirvana com Nebulosas Planetárias. Essas, me
parecem, precisar de mais ampliação do que posso extrair do Newton, mas menos
experiencia observacional e tenacidade. São pequenas , mas, geralmente, tem um
brilho de superfície mais alto. Isso "by the book". Ou seja, tudo pode ser
diferente.
E
é aí que M 95 e 96 se destacam. São ambas espirais que mesmo com equipamentos
relativamente modestos você talvez perceba detalhes que Rosse precisou de 78
polegadas de espelho para descobrir. A ótica e os materiais evoluíram
bastante...
M 95 |
M
95 e M 96 foram descobertas por Pierre Méchain na noite de 20 de março de 1781.
Messier as observou 4 dias mais tarde. Caracterizou M 95 como “uma nebulosa sem
estrelas, com uma luz muito tênue”. Cinquenta anos mais tarde o Adm. Smyth a
descreveu como “Uma nebulosa lucida branca. Essa nebulosa é arredondada e
brilhante e provavelmente mais definida no extremo sul que norte”. O´Meara
destaca que com muita atenção se desconfia de sua estrutura espiralada e que a
mesma recorda uma das naves do Império em “Star Wars”. Com essa cola eu consigo
desconfiar dessa impressão no Newton ( meu telescópio 150 mm f8) com 120 X de aumento. Nas fotos essa impressão
é evidente e uma excelente descrição.
M
95 é uma das poucas espirais barradas no catálogo Messier e é classificada com
SBb ou SB(r) ab. Sandage a define como protótipo
de uma galáxia anelar. Seu núcleo e
cercado por um pequeno anel interior o onde ocorre intensa formação
estelar. Sendo um membro de Leo I e com
observações de cefeídas realizadas pelo Hubble Space Telescope sua distância é
estiada entre 31,2 milhões de anos luz e 32,6 milhões.
Com
pequenos telescópios M 95 será mais tênue das galáxias Messier na região e
extrair detalhes dela será um exercício digno de nota. Ela habitara o limite do
existir em binóculos e dependerá de noites e locais muito especiais para ser
percebida com algo menor que um 15X70 mm.
E mesmo nesse será um trabalho duro. Você provavelmente perceberá primeiro
M 96 e aí talvez consiga extorquir a mesma do fundo do céu.
M 96 - Estaa foto foi feita com o newton. Um refletor 150 mm f8. 20 X 30 seg... |
M
96 é menor e mais apertada que M 95. Eu a acho mais fácil de perceber. Pelo
menos seu núcleo é mais evidente. Seus braços nem tanto. M 95 é o membro mais
brilhante do grupo de Leo. Estes são: M95, M96 e M 105, NGC 3299, 3377, 3384,
3412, 3489, 3627e UGC 5889 formam o resto). O grupo formado por M66, M65 e O
fantasma de Hamlet é também associado ...
M
96 se encontra a uma distância aproximadamente igual a M95. Pode estar um pouco
mais distante, mas suas velocidades radias as garantem como parceiras... M 96 é uma galáxia espiral com diâmetro de
76.000 anos luz e massa total de 80 bilhões de sóis. Sua região central é habitada
por estrelas amareladas mais antigas e apresenta uma discreta barra. Uma
supernova foi descoberta nessa em maio de 1998. Devido a isto e diversas cefeídas
observadas M 98 é uma galáxia bem estudada e um objeto muito utilizado para
calibrar-se distancias.
Um
anel exterior bastante tênue ´´e de difícil observação e difícil mesmo para
astrofotografias.
O
par é um excelente alvo para telescópios de médio porte e um desafio maior que
M 66 e M 65 também em Leão. Juntamente com M 105 forma um tripleto mais difícil para
amadores em busca de coincidências de Adams por Leão. Localizado quase no meio do caminho entre
Regulus e Chertan, abaixo da Barriga do Leão, você vai encontrar Leo 52. A
partir dela cace seu caminho até nossas convidadas. Em locais escuros elas
serão mais amigáveis. Recomendo que visite antes M 66 e M 65. Se estas
estiverem em noite esquiva é melhor deixar para uma noite mais apropriada o
ataque ao grupo de M 96.
As fotos aqui apresentadas foram todas resultado de uma captura de 20 X 45 segundo ISO 1600 com uma Canon T3- Lente Pentax ED 300 mm f 4.5 Montada sobre um cabeça HEQ 5 pro. Realizadas em maio de 2019 na Armação dos Búzios. Foram empilhadas no Deep Sky Stacker com 20 dark frames. E posteriormente esticadas no PixInsight1.8 e cosmética no Photoshop. Com exceção da foto de M96 isolada que foi realizada utilizando um refletor 150 mm f8.
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