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quarta-feira, 25 de abril de 2018

Um Novo Posto Avançado, Astrofotografia e Humboldt


     

       Com a chegada do Outono é tempo de galáxias para o observador amador. A grande coleção destas que habita no aglomerado de Coma-Virgem e esquina com Leão fazem a alegria destes. Mas galáxias são criaturas exigentes e cheias de vontades. E assim céus escuros e secos não só ajudam muito como são condição importante para a tarefa.
            Com a cara metade em uma fase nem tão cara e nem tão metade acho por bem pegar meu pequeno e seguir rumo a Pedra Riscada. Esta reside nas proximidades de Lumiar e encravada na Serra do Mar. Local de céus bem escuros. Rurais... Bortle 3.
            Mesmo com a meteorologia se tornando cada vez mais uma ciência quase exata e me dizendo que as condições seriam bem nubladas eu levo todo o circo.
            Seria a primeira grande aventura de meu jovem Indiana Jones (4 anos) para acampar. Assim sabia que minhas observações além de lutarem contra as nuvens seriam bem truncadas pelos cuidados necessários ao novo aventureiro. Não o poderia deixar muito largado em um terreno minado por um caudaloso rio e por três açudes.

            A viagem transcorre tranquila. Depois de um “almoço” em um Bob´s já na estrada meu filho pergunta cerca de 3 vezes “- Falta Muito?” e finalmente dorme. Ele acorda já no camping.
            O local (Camping Cantinho Doce) é muito agradável e bem estruturado. Oferece também algumas casas para alugar. Mas meu filho decide que prefere ficar em uma barraca. Tudo disponibilizado pelo estabelecimento. Com esta montada na parte alta do camping a noite (caso as nuvens que rondam dêem sossego) promete.
            O site Meteoblue (veja o link aí do lado...) me diz que entre as 19:00 e 21:00 horas haverá uma janela nas nuvens. Por incrível que pareça isto se confirma. Embora a transparência tenha continuado péssima.
            Com a atenção à criança e o céu muito enevoado fica difícil realizar um alinhamento polar digno. Me conformo e deixo tudo bem mambembe. Desta vez o objetivo principal da expedição é apresentar ao pequeno a “natureza selvagem”. O que observar vai ser lucro.
            Estou lendo um interessante livro, “A Invenção da Natureza” de Andrea Wulf. Uma biografia de Alexander Von Humboldt. Um dos principais responsáveis pelo nosso entendimento do que hoje se chama de ecologia. Sua obra magna “Kosmos: a Sketch of The Physical Universe” é um dos livros de cabeceira aqui no Nuncius Australis (até onde um compêndio com 5 volumes pode ser um livro de cabeceira). Humboldt foi, juntamente com John Herschel, Darwin, Goethe e cia. Ltda., a linha de frente da ciência no final do século XVIII e no século XIX. São diretamente responsáveis para a forma como nós hoje a compreendemos. Talvez devido aos arroubos “Humboldtianos” eu tenha observado menos do que o normal. Este nos diz ainda no primeiro volume de seu tratado que os fenômenos terrestres são muito mais complexos que os celestiais. E olhem que este certamente nunca soube o que era a paternidade. O livro de Andreas Wulf nos conta fofocas sobre os amores platônicos de Humboldt. Bem como suas aventuras ao longo do mundo...

            De volta a única noite que observei na companhia de Mlle. Herschel e o Newton (Minha cabeça equatorial HEQ 5 pro e meu telescópio newtoniano de 150 mm f8) acabei por conseguir um material fotográfico abaixo da crítica. E por isto mesmo de algum valor pedagógico...
Centaurus A em seu melhor resultado. Para chegar a isto foi necessário converter todas as fotos de Raw (.CR2) para arquivos Jpeg. Estes foram esticados no Camera Raw do Photoshop CS 6 . Posteriormente o Stacking foi feito no Rot n Stack. depois disto a foto foi salva como escala de cinza no Photoshop onde teve a ferramentas Curvas utilizada ajustada para "contraste médio".  12 ExpX 30seg iso 1600. Foi utilizado um dark frame autogerado pelo RnS.
Este é o resultado de uma unica exposição capturada em raw e posteriormente "esticada" no Camera Raw do photoshop e convertida em Jpeg.
Png gerado pelo RnS sem nenhum tratamento posterior. O uso do dark frame autogerado por este sempre causa um desvio intenso para o verde. Este é o modo Mean do RnS. Costuma ser o mais realista...

Este é o desastre de ruido obtido ao se empilhar os Jpegs no DSS. Sendo u programa mais poderoso ele amplifica além do sinal  muito o ruido presente nas imagens. 

            A primeira vitima foi Centaurus A. Esta uma galáxia bastante dada e que mesmo por entre as nuvens e envolta nas brumas comparecia mesmo visualmente sem grandes esforços. Foi escolhida especialmente por se encontrar perto as estrelas que foram utilizadas como guias para o sistema de go-to de Mlle. Herschel. A teoria (e o manual...) nos diz que devemos escolher estrelas em lados diferentes do meridiano e afastadas pelo menos 15o uma da outra.   Devido a ter que realizar a operação de alinhamento deste lutando contra nuvens que moviam-se mais rápido que o Rubinho e o Massa juntos eu acabei utilizando Acrux e Alpha Centaurus. Em tese uma combinação “pobre”. Mas a observação contrariou a teoria e o alinhamento acabou bastante preciso nas imediações. Foi arriscar Centaurus A e esta apareceu quase centralizada na ocular de 25 mm. Como conheço bem as “condições de contorno” na região em volta desta foi fácil faze-la se apresentar com um pouco de visão periférica. Sua característica bipolar e sua evidente banda escura pipocaram quase imediatamente. Algumas fotos e percebo que o alinhamento polar está muito ruim. Mas acho melhor deixar as coisas como estão. Afinal tenho que manter um olho no telescópio e o outro na criança...
Este é resultado do empilhamento de 12 fotos que foram convertidas para Jpeg. Empilhadas no Rns e posteriormente salvas como escala de cinza no Photoshop. A Partir do modo sort ( que apesar de ser muito pirotècnico as vezes dá certo.) 
Modo Mean do Rot nStack, PNG
Deep Sky Stacker a partir de arquivos em Ra convertidos par a Tif.

            Logo depois percebo que M 68 está alto no céu e em área desobstruída. Sendo um dos três ultimo globulares Messier que me faltam fotografar decido que (mesmo sabendo que o registro será tosco) é uma boa ideia captura-lo. O Go-to se apresenta brilhante e o coloca dentro do sensor da câmera sem a necessidade de nenhuma busca visual. Faço um pouco mais de uma dezena de exposições antes da região nublar.

M 60 Regio - Rns com Jpeg. PS em P&B. 6 exposições apenas

            Agora acredito que a região entre Leão e Virgem se apresenta desobstruída. Cravo M 60 no go-to e esta aparece no sensor. Mas alegria dura pouco e faço menos de 10 fotos desta. Não é o suficiente. Mas apesar disto ainda se perfilam mais algumas galaxias. Ngc 4660 se apresentava evidente mesmo no LCD da Canon. 
Uma  foto 30 seg 1600 iso

            Já ficando cansado das nuvens ainda tento mais um alvo. Mas o resultado abaixo demonstra que era melhor ter começado o desmonte da operação. Afinal já ia esfriando e  a condensação iria fazer estragos. Ngc 4349. Um aberto que Patrick Moore inclui na sua famosa lista Caldwell. Bem discreto. E todo borrado... Fiz só uma foto...
            Me recolho para junto ao rebento e vou dormir na esperança da Sexta feira ser mais fortunosa.
            Na sexta reúno um casal de amigos junto a uma das mais gostosas costelinhas que já vi. E o pequeno vai brincar com as crianças e ser mais criança do que já havia sido em muito tempo. A vida na roça é exemplar. Mas nada de observação esta noite. O programa foi conversar e discutir geomorfologia com meu bom e velho amigo (e curiosamente meu professor da matéria nos tempos de PUC) Gil Velho Cavalcanti de Albuquerque.

Gil Velho Cavalcanti de Albuquerque

            No dia seguinte acordo com o camping, que havia sido um espaço de mais de 10 hectares de terra só meu e de meu filho, sofrendo um processo de ocupação descontrolado. Empacoto tudo e sigo em busca de refugio na casa do velho professor.


            As observações daí para frente se resumiram a passeios espontâneos e sem maiores planejamentos com o “Pau de Dar em Doido” (meu binóculo 15X70 mm). Geralmente na área central da Via Láctea. O céu acostumou-se em dar um “abrida” entre 22:30 e 00:00 horas. Foram visitados (entre dezenas de Ngc´s que não identifiquei. Na maioria abertos. Mas também alguns pequenos “globs” e certamente muitas áreas de nebulosidade evidente...) M 4, 6, 7, 8, 16,17,18, 20, 21, 22 e 28, 69, 70, 75 e mais ... Não vi nenhum dos membros da chuva das Lyrideas.

Vamos fazer farinha?

Uma Herança da Primeira noite

            Mas nossa expedição no mais foi devotada ao reconhecimento das coisas da Terra e a introdução do meu menino na natureza. E este foi apresentado a gatos que em vez de miar rosnavam, cachoeiras onde se escorregava e a fazer “velhos amigos”.  Bem como a diversas formações geológicas interessantes. Os granitos com suas fendas que batizam a Pedra de Riscada, o gnaisse da Benfica, os brejos de altitude. Uma bela e minimalista introdução ao conceito de Naturgemälde (uma percepção da natureza como um todo orgânico e interligado) elaborado por Humboldt depois de sua escalada ao Chimborazo.  Sentia-me uma espécie de Waldo Emerson ou um Thoreau com mais de um século de atraso ou um Lovelock apenas um pouco tardio...

O insight de Humboldt ao perceber as faixas vegetacionais nas encostas do Chimborazo. Este é seu primeiro esboço...  Naturgemälde. Difícil de se traduzir. 

            A Pedra Riscada vai tornar-se o posto avançado aqui do Nuncius Australis. A Terra de José Eustáquio (também conhecida como a Armação dos Búzios) se tornou inviável devido a extrema poluição luminosa. Com a novas reformas na casa esta é hoje mais clara que a Stonehenge dos Pobres ( que como a fênix irá ressuscitar das cinzas) e com um monte de gente jogando contra. A astronomia observacional depende de que se goste e respeite o escuro da noite. Na Serra encontrei pessoas que   parecem comungar mais destes valores. Gente que quando você vai observar quer ver o céu. E que quando você dorme na varanda vai lá e te cobre com um belo cobertor.   Certamente  a maior altitude vais a colaborar. Creio ser necessário criar uma rotina para lidar com a maior condensação e com as temperaturas mais baixas que me aguardam no inverno. Penso em construir uma faixa térmica para montar no tubo do Newton.  E o céu é escuro de fato... Bortle 3 implica em que os grandes globulares sejam evidentes a olho nu. A Via Láctea apresenta uma estrutura complexa. As Nuvens de Magalhães se apresentam magnificas. M 33 perceptível com visão periférica para observadores treinados. E muito mais... 
            De volta ao Rio de Janeiro e as mazelas do lar me resta dar um jeito no material fotográfico obtido na minha única sessão.
            Decidi atualizar minha versão do DSS (Deep Sky Stacker) para a mais recente versão 4.1.0. Mas esta tem algum bug pois ela carrega a versão da foto 32 bits em Tif, mas depois para de funcionar. O arquivo "autosave" termina salvo na pasta original de onde veio o material para o stacking, mas não consigo ir além nele. Comparando o resultado com minha antiga versão 3.3.4 acho que não noto nenhuma diferença. Por enquanto fico com a anterior...
            Fotografar em noites muito enevoadas é um exercício quase inútil. O material obtido termina com um ruído absurdo. E com nebulosidade e com mal alinhamento polar é realmente um trabalho quixotesco.
            Logico que não posso resistir a tentação de perder meu tempo tirando leite de pedra.
            O DSS se recusa a empilhar os arquivos em Raw. Que apesar te possuírem muita informação escondida não a revela para ele. A mensagem “O DSS só empilhará um fotograma luz” é recorrente em todos os DSO´s que apresentei. Mesmo com o Threshold em 2%.
            Esta maneira me resta abrir os arquivos em RAW no Photoshop e utilizando o “Câmera Raw” (um plug-in)
 espremer estes e depois salvar em Tif e/ou Jpeg. E com estes arquivos empilhar no DSS. Geralmente quando os caminhos no pós processamentos são pouco ortodoxos e recordam peregrinações é porque a captura foi uma M... O resultado é uma foto com muitos ruídos.  Um registro. 
            Nestes casos muitas vezes utilizo o Rot n´stack. Um primitivo software de stacking, mas que em casos extremos tende a presentar resultados um pouco melhores (ainda que meio “estranhos” ...). A fotos tem o work flow de cada uma nas legendas.
            No mais foi muito divertido e encontrei velhos amigos e debates que se não havia esquecido estavam em alguma pasta bem escondida.
Júpiter nascendo...

            Em maio espero conseguir retornar a Pedra Riscada para um encontro mais a sério com Messier em Virgem...

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