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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Ngc 5460: O Aglomerado de Moria


  


              Ngc 5460 é um aglomerado aberto exemplar. Serve como exemplo. Exemplo de como a astronomia amadora é uma forma de paixão. Na escala dos amores a paixão é um representante quase doentio. É o amor de Moria.  
                Um membro dos objetos de céu profundo que só será conhecido por aqueles tomados de um prazer quase obsessivo (quase é para parecer que ainda há alguma sanidade nesta busca).
                Mas existe um consolo. Descobri que além de mim outros já foram até lá e acharam este digno de nota.
                Observo sempre sem companhia. Mesmo que cercado de outras pessoas (no mais das vezes). E nenhum deles acharia tão fascinante este modesto ajuntamento de estrelas em formato bem delicado. Na verdade, adjetivos como delicado, colorido, charmoso e etc... não seriam sequer imaginados por um curioso.
                Em geral quando convido alguém, que não é do ramo, a olhar pela ocular este poderá se encantar com Saturno, Júpiter, a Lua e quiçá as Plêiades. Mas depois do segundo ou terceiro DSO o camarada perde o interesse. Isto quando realmente vê alguma coisa. O leigo olha, mas não observa. E telescópio não é binoculo. Demanda tempo para se aprender a perceber algo. DSO´s que demanda visão periférica, técnicas de respiração e esforço não são para qualquer um. Os americanos têm uma expressão que nunca consegui traduzir de forma apropriada, mas que descreve bem a situação. “Deep Sky die-hard”.
                Felizmente ao longo da história sempre houveram aqueles que levaram isto mais a sério e de forma não só compulsiva como sistemática.
                 E assim se chegou até Ngc 5460.
                James Dunlop é alguém que me acalma. Ao observar sua obra percebo que mantenho meu amadorismo dentro das baias da sensatez. Este inglês foi baixar na Austrália no século XIX como um “handyman” (faz tudo) de um nobre que era o chefão da astronomia lá por aquelas bandas. Haviam dois deles. Ele mesmo (o nobre inglês) e um astrônomo de relativo renome alemão. Acabaram brigando e Dunlop acabou fazendo (por um período) o trabalho que seria dos dois. Depois o alemão volta por cima da carne seca e Dunlop acaba com um observatório de fundo de quintal e com um telescópio feito por ele mesmo. Sem montagem equatorial e com um tubo pendurado em uma arvore. Podia observar os objetos durante sua passagem pelo meridiano (o melhor momento) ou um pouco para oeste ou para leste. Reza a lenda e a ótica que seu telescópio tinha um poder de fogo semelhante ao do “Newton” (meu Skywatcher 150 mm f8). Lógico que os céus eram bem mais escuros dos que costumo observar e ele bem mais “Caxias” do que eu...
                De volta a minha obsessão eu observo quando posso, de onde posso e em qualquer condição de céu. Durante muito tempo ouvi certos dogmas observacionais.
                - Tu não observarás nada da cidade grande.
                - Tu não observarás na lua cheia
                - Tu deverás ir a um clube de astronomia.
                - Tu gastarás rios de dinheiro para fotografar os céus.
                - Etc...
                Como tenho horror a dogmas e nunca quis ser escoteiro fiz disto tudo uma grande bobagem. É verdade que observarás mais e mais rápido se ouvir estes conselhos, mas talvez não observes nada...  Quanto a gastar um mar de dinheiro para fotografar os céus é bom lembrar que todo o catalogo Ngc foi fruto da observação visual. E é possível fotografar (boa parte dele) sem abrir falência. Embora o custo Brasil seja ridiculamente alto. E que nem só de DSO´s viva a astrofotografia.
                Visitei o aglomerado como parte da segunda parte de meu projeto “O Sul Profundo”. Neste quero apresentar os levantamentos de Lacaille (Já realizado e disponível na Amazon  no link:    https://www.amazon.com.br/dp/B0778XNDNM/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1510189139&sr=8-1&keywords=O+Sul+Profundo) , Os “100 de Dunlop” (os 100 objetos mais interessantes de Dunlop) e posteriormente um apanhado sobre as descobertas de John Herschel.
                Como parece ser evidente o primeiro a colocar os olhos em Ngc 5460 foi Dunlop. É a entrada de numero 431 de seu catalogo (D 431). Foi observada na noite de 7 de maio de 1826.
                “Uma curiosa curva de pequenas estrelas, de quase igual magnitude, duas estrelas de 7a magnitude ao leste.”
                A estrela dupla “ao centro do aglomerado é um de seus traços mais marcantes e cantada em verso e prosa. John Herschel é o próximo a conhecer a peça. Este as cataloga como h 3555. Este nos diz o seguinte em sua observação do aglomerado;
“Uma região de grandes e brilhantes estrelas de 8,9 e etc... magnitude. Um aglomerado bem disperso. Colocadas estas em um grupo brilhante, um dos quais uma estrela dupla da classe III. (h 3555)”.
                Pela descrição podemos perceber que o telescópio de Herschel (irmão gêmeo do que seu pai usou para descobrir Urano) era muito mais poderoso do que o de Dunlop e que o “Newton”.
                Observei Ngc 5460 em condições extremas. Casa cheia, todas as luzes acesas, as beiras de uma crise conjugal e  na lua cheia. Não o percebi pela buscadora e para diferencia-lo de um campo estelar  em meio ao campo com minha ocular de 40 mm foi um belo exercício. Com a 25mm ele começa a ser um aglomerado e com a 17mm o é.
                Na verdade, fiquei surpreso de não ser mais conhecido. É um delicado, colorido e charmoso aglomerado. Não é à toa que foi incluído por O´Meara em seu “Southern Gems”. Fiquei um pouco triste por achar que ninguém o tivesse o incluído em uma lista observacional e que assim ele se qualificasse também para o “Projeto Tudo que Existe”. Este foi remodelado e agora inclui apenas DSO´s que não pertençam a nenhuma lista observacional moderna (anteriormente era a impensável ideia de fotografar todo o catalogo Ngc...). Basicamente inclui objetos que tenham escapado do mais obsessivo que eu James O´Meara e sua série “Deep Sky Companions”. Apesar de parecer improvável existem vários objetos dignos de nota e ao alcance de telescópios “populares” que escaparam dele. Especialmente ao sul do equador celeste. Ao apresentar Ngc 5460 no DSO Browser só existem três fotos. Duas são minhas e a outra é do Projeto NGC /IC. Pouco visitado mesmo... Uma tremenda injustiça.


                Ngc 5460 é um aglomerado aberto de idade intermediaria (158 milhões de anos) localizado em Centauro. Não muito distante de Omega Centauro. Cheguei até ele pior acaso. Em noite de lua cheia e querendo visitar alguma novidade o achei no Stellarium e me pareceu factível em noite que tudo estava lavado e quase invisível. Mesmo M 35 era quase nada...
                A descrição do Stellarium é um pouco “exagerada”. Ele fala em forte aglomeração central, grande faixa de luminosidade dos membros do aglomerado e aglomerado moderadamente rico com 50 a 100 estrelas. É tudo mentira. A descrição de Dunlop é para mim perfeita. E a estrela central de Herschel é a cereja do bolo.

                Com o “go-to” do telescópio um pouco errante e a lua cheia localiza-lo foi um pouco mais difícil que imaginava. A grande “cola” é dar uma namorada no Stellarium e localizar Zeta Centaurus. Ou Alnair ou ainda Baten Centaurus. São todas a mesma pessoa. Ela será percebida na buscadora sem o uso de tortura ou a convocação do Bolsonaro.
                O aglomerado em si apresenta três grupos que se destacam do resto da paisagem e dão seu caráter aberto de forma bem evidente. A dupla central é muito legal. Esta compõe com mais cinco estrelas a parte mais central deste com algumas parentes um pouco mais afastadas (talvez por isto a ‘forte aglomeração central” descrita no Stellarium.), um triangulo de estrelas de magnitude semelhante a noroeste e uma estrutura trapezoidal com outras 4 estrelas (incrível.Um trapézio formado por 4 estrelas. Queria ver só com 3...) ao sul da curva que caracteriza a obra.
                As fotos aqui apresentadas foram empilhadas no Deep Sky Stacker (uma com 2X drizzle e outra com os frames completos) e “reveladas” com o auxilio do Fitswork para a remoção do gradiente de fundo com posterior visita ao Photoshop. Costumo usar uma rotina no Photoshop para destacar as estrelas. Mas foi necessário algum ajuste para neste processo não “emendar” a dupla tão característica no centro do aglomerado.  Como sou um astro fotografo “purista” (e que não gosta do dogma “dinheiro”) busco evitar muito processamento. (Purista ou preguiçoso?)


                Olhando para o desenho do O´Meara acho que fui bem honesto na composição. Gostaria de ter o talento para desenhar os DSO´s que observo. Assim poderia ser fiel ao que observo. Mas sou uma negação para o desenho e mesmo minha letra é pior que a de médico. Com o advento do computador me tornei praticamente um analfabeto a mão livre...
                Ngc 5460 é uma das joias menos conhecidas da coroa austral. Vale a pena a visita.   

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