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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Astrofotografia , Poluição Luminosa e Tristeza


Hoje queria fazer algumas fotos.   
Acordei e depois de mundanas obrigações, como me alimentar e escovar os dentes resolvi colimar meu telescópio.
 A operação em si não é difícil, mas uma colimação bem feita demanda capricho e paciência.  Especialmente se você não possui um colimador laser.  Ou algo do gênero.   Como já falei diversas vezes a astrofotografia demanda um capricho que me faz um astrônomo melhor. 
Na véspera eu tinha feito o teste para saber como se encontrava a colimação do Newton e o desfocando levemente Canopus percebi que as coisas iam mal. Fiz ainda algumas fotos de 6025 que mostraram ainda mais a necessidade urgente.
Ngc 6025

E assim colimar o telescópio se faz necessário.

Colimar um telescópio é algo para se fazer durante o dia. Na presença de muita luz.
Assim me conformei em ficar observando vírgulas por mais alguns minutos antes de encerrar a brincadeira.
É fácil saber como esta sua colimação. Veja a ilustração abaixo e você irá entender a situação.


Primeira coisa é centralizar o espelho secundário com o tubo do Telescópio. No meu é simples.  Olhando através do porta ocular você deve ter os três “alças” de fixação  do  primário aparecendo exatamente nas bordas do secundário , “no esquadro”.  Depois é centralizar a pequena marca do centro do espelho primário com o centro do secundário. Existem três parafusos que permitem o ajuste do primário.  No fim das contas você vai ver a marca do primário “encaixada” com a sua pupila.
Parece um pouco confuso, mas com um pouco de paciência a coisa não demora mais que 15 min.
Deixei tudo pronto para começar os trabalhos. Finalmente tenho o alinhamento polar marcado no chão da sala e assim as coisas se tornam mais fáceis.
Mas agora chegou a hora da verdade.  Vou observar e tenho uma noite idealizada.
Começaria com Ngc 6397, o Globular mais perto da Terra. Escondido em Ara, o Altar, ele estaria em perfeita posição para ser abatido da Stonehenge dos Pobres.  Este alinhamento “cósmico-fotografico” deveria começar exatamente s 20h50min.  
Daqui para frente à noite tão idealizada começa a fazer água...
Poluição luminosa é uma praga que se abate sobre o astrônomo amador retirando-lhe a alegria e a possibilidade de obter suas tão almejadas imagens.
São Francisco de Salles fala sobre tristeza:
“... Dizem que há um peixe a que chamam diabo do mar1 o qual, revolvendo e empurrando para cá e para lá o lodo, turva a água à volta de si, para se manter nela como na emboscada, e dela, logo que avista os pobres peixinhos, atira-se sobre eles, assalta-os e os devora, donde talvez tenha vindo à expressão pescar em água turva, de que se usa comumente. Ora, dá-se com o diabo do inferno o que se dá com o diabo do mar; pois ele arma suas emboscadas na tristeza, quando, tendo tornado a alma perturbada por uma multidão de pensamentos aborrecidos, lançados aqui e acolá no entendimento, precipita-se depois sobre os afetos, afligindo-os com desconfianças, ciúmes, aversões, invejas, apreensões supérfluas dos pecados passados, e fornecendo uma quantidade de sutilezas vãs, acres e melancólicas, a fim de que rejeitemos toda sorte de razões e consolações.
A poluição luminosa é como as águas turvas. Só que no caso nos faz rejeitar, ou melhor, nos recusa, toda sorte de prazeres e de constelações...
Assim como São Francisco que define três tipos de tristeza existem diversos tipos poluição luminosa.
Nesta noite tão imaginada eu percebo logo a presença de um tipo de poluição que vai além da luminosa. Muita suspensão e evidente presença de aerossóis, decorrentes de poluição atmosférica mesmo. No caso esta é justamente o Diabo do Mar que torna a atmosfera turva e prepara as armadilhas que levam o astrônomo a se perder em melancolia pelos caminhos celestes.  
Ela turva a água a traz junto uma das maiores pragas que se abate sobre a atmosfera. A extinção. l
Extinção é um termo usado em astronomia para descrever a absorção e espalhamento da radiação eletromagnética emitida por objetos astronômicos pela matéria (poeira e gás) entre o objeto que emite a radiação e o observador. Para observadores na terra, a extinção decorre tanto do meio interestelar como da atmosfera terrestre. No caso do nosso Diabo do Mar ele remexe a atmosfera terrestre com o auxilio luxuoso de diversos veículos automotores movidos com combustível fóssil. E “otras cositas más”.
Instalei recentemente uma nova versão do Stellarium. Ele agora apresente a magnitude levando em conta a extinção...

Nosso santo padroeiro deste post define outro tipo de tristeza. Suas palavras parecem ter sido feitas pensando em um astrônomo que no futuro outrora distante ia ter meu vizinho como vizinho:
A tristeza procede também, outras vezes, da condição natural... porquanto, assim como as aranhas quase nunca fazem suas teias senão quando o tempo está encoberto e o céu nublado, assim também esse espírito maligno nunca tem tanta facilidade para armar as ciladas das suas sugestões nos espíritos doces, benignos e alegres como nos espíritos sombrios, tristes e melancólicos;
Esta tristeza é minha condição natural devido ao lado festeiro de meu vizinho e consequentemente seu espírito doce, benigno e alegre deixa a tristeza para meu lado... Resolve receber vários amigos e acender todos os cômodos do apartamento. Impede assim qualquer tentativa de flexibilizar minha tão engessada condição observacional. Afinal uma janela não é uma cobertura. E eu não tinha em mente levar todo o equipamento para o telhado do edifício...
É o que chama de poluição luminosa direta. São lâmpadas, postes e outras fontes de luz que incidem diretamente sobre o local que você observa. Às vezes é possível mudar o eixo da observação. Ou bloquear estas fontes. Hoje não deu.  Tristeza...

Para encerrar o paralelo São Francisco, que era claramente um astrônomo, levanta o seguinte testemunho:
Finalmente, há uma tristeza que a variedade dos acidentes humanos nos acarreta. Que alegria posso eu ter, dizia Tobias, não podendo ver a luz do céu?

Esta tristeza se explica sozinha. É o conjunto da obra. É o bafo de luz que apaga as estrelas.  É A luz que em vez de iluminar a terra ilumina o céu e que acaba com o contraste. É fruto de milhares de luzes a vapor que apontam em todas as direções. Aqui em casa são fruto das luzes nas fachadas dos shoppings e as luzes que iluminam a praia. Ainda os letreiros neon que anunciam bares e afins. Não esquecendo um inimigo natural que é a lua quase cheia...
Depois disto tudo acabei desistindo das fotos.  Ou elas de mim
Dei uma rápida olhada usando meu 15X70 e rapidamente percebi que hoje não era dia. Mesmo aglomerados abertos “claros” como M7 e M6 se mostravam muito tímidos. Meu tão almejado Ngc 6397 só era percebido como um fantasma.
Este é outro problema da poluição luminosa. Ela cria fantasmas cósmicos. Objetos que você não sabe se viu o não.  Às vezes foi só uma impressão. São fantasmas que habitam os lugares onde estes DSO´s costumavam estar. Você acostumado com sua presença acha que os percebe, mas eles não estão realmente lá.
Estes me lembram de arco Iris.  Um texto de Bob Berman (Strange Universe na Astronomy magazine) fala de objetos que não estão realmente lá.
 Na lista ele inclui buracos negros e quasares. E o Arco Iris. Segundo ele Arco Iris é algo que só existem quando alguém esta olhando. Eles não geram sombras e nem aparecem em espelhos. Esta história do espelho é interessante, porém real: se você esta vendo um arco Iris você não pode ver seu reflexo mesmo que o espelho esteja colocado corretamente. Qualquer aparente reflexo será de um arco Iris com propriedades completamente diferentes do arco Iris que você vê. Ele poderá ter menos azul ou ser mais brilhante. Porque ele não é um objeto real. Segundo Roy Bishop em seu Observer´s Handbook arco Iris estão inteiramente dentro “de nossos crânios”.
Assim como meu Ngc 6397. Ele não é real. Ele só existe na minha cabeça.
Não houve fotos hoje. Tristeza... 

P.S. No raiar do outro dia eu ainda consegui "salvar" a noite. Ainda que lutando contra os nefastos efeitos da poluição luminosa eu consegui fazer algumas fotos do Aglomerado de Omicron velorum. Foi um processo esclarecedor. 
Em um primeiro momento eu sequer identifiquei o DSO. Que é um avelho conhecido. Mas conforme este ganhava altitude e mais estrelas iam pipocando o seu "shape" de M o traiu. Aassim depois de melhorar mais um pouco o alinhamento polar. Fiz 14 fotos do mesmo com 15 seg. de exposição. E mais duas com 30. 

Pode-se perceber claramente o efeito da poluição luminosa nas fotos com 30 seg. Nas de 15 também, mas de forma menos acentuada. 
15 seg.                                                            30 seg.

Outro detalhe que percebo e que se acentua muito depois do "stacking" ( feito no Deep Sky Stacker)   é um degrade , onde se percebe claramente a imagem mais lavada mais abaixo na foto. Um efeito causado , muito , pela iluminação da praia. Sódio...  Este efeito vinheta pode ser melhorado com o uso de flat frames ( frames "brancos") no stacking. Mas de qualquer forma ele se acentua com a Poluiçaõ luminosa. 



As imagens todas estão muito lavadas  ao longo de toda foto. Isto , creio eu, muito por causa da Lua.
Abaixo a uma amostra do que o Rot n´Stack pode fazer. Pensando seriamente em abandonar astrofotografia e me lançar como artista plastico...


 3h:40 min e eu era feliz de novo. 




3 comentários:

  1. Prezado Nuncius, tudo bem?
    Estou quase pirando já e acho que você poderá me ajudar. Faz mais ou menos um mês que estou com um alvo (nebulosa de Orion - M42), já li que ela é facilmente visível até para binóculos, mas, não consigo observar ela com meu Refletor de 127mm. Já procurei como um louco abaixo de Rigel ou ao lado das 3 Marias e nada! Alguma dica?

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    1. Você tem certeza que sua buscadora esta bem afinada?

      Afine com precisão e depois ache Iota orionis .

      Ela forma um traingulo com Rigel e Saiph. Ela é visivel "na espada" de Orion. Com Iota centralizada na Buscadora coloque sua ocular com maior campo ( provavelemente sua 20 ou 25 mm) A nebulosa se encontra a menos de 1 grau de Iota e estará provavelmente visivel . Senão "mexa" só um pouquinho com os controles finos ao redor de Iota.

      Em locais de extrema poluição luminosa as vezes é dificil perceber a \nebula com visã direta.

      M 42 esta passando pelo meridiano perto das 3 da manhã. é a melhor hora para observa-la. No verão será mais cedo.

      Se voce não possui o Stellarium recomendo que o instale em seu computador. Ele possui uma ferramenta que permite calcular angulos e que fará voce localizar facilmente M42.

      Lembre-se que embora chamada de "a grande nebulosa de orion" elá será pequena em sua buscadora. ela tem cerca de 1 grau de tamanho e sua buscadora tem cerca entre 5 e 7 graus de campo.

      Você possui uma buscadora otica ? Se não possui recomendo que compre uma (9x50) . Em locais com muita poluição luminosa ela será fundamentail para se navegar ( starhooping).

      Em locais escuros a nebulosa é facilmente percebidas a olho nu.

      Não desepere. Me lembro que a primeira vez que fui atras de M42 tambem não vi nada. Possuia na epoca um 70 mm com buscadora "red Dot". Um outro dia ache-ia facilmente. "O homem é o exercico quem faz".

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  2. Valeu pela ajuda. Minha buscadora que veio no telescópio é muito boa, mas, além dela utilizo um monóculo que tenho para localizar meus alvos antes de apontar o tele. Talvez o problema seja o horário em que estou tentando observar o objeto, que é por volta de 1:00am ~ 1:30am. Vou tentar sua dica e em breve entro em contato novamente. Abraços!

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