É
comum eu fazer paralelos náuticos com as minhas observações. Costumo chamar meus
planos de observação de derrotas e nos tempos do catálogo JESS José Eustáquio
sempre se referia a aglomerados abertos como cardumes. E os Braços da Via Láctea
como pesqueiros. Considerava Globulares como peixes de toca.
No
dia 12 de outubro se comemorou a descoberta da América por Colombo. 1942. Dessa forma “pescando” por minha estante
acabei achando perdido um exemplar do “A Astronomia na época dos descobrimentos”
– O céu dos Navegantes nos Sec. XV e XVI do Soporífero patrono Ronaldo Rogério
de Freitas Mourão. É um de seus livros mais agradáveis e quase me leva a fazer
uma mea-culpa pela minha opinião.
Em
um dos meus capítulos favoritos -Relato da Viagem de descoberta do “paraíso terrestre”
- ele nos conta a saga Colombiana e os detalhes astronáuticos do evento.
No
final do século XV a arte da navegação vinha sofrendo uma grande mudança de
natureza tecnológica. Como nos conta Mourão
apesar de Colombo possuir a sua disposição um bom número de instrumentos náuticos
(em outro capítulo ele aborda todo o arsenal. Se você gosta de fato de Astronomia,
história e tecnologia o livro será uma leitura adorável) sua utilização parece
bem parcimoniosa. Os velhos marinheiros ainda tinham como predileção o uso da
navegação estimada. Embora utilizassem os instrumentos se fiavam mais a conhecimentos
empíricos obtidos através da contemplação de fenômenos naturais tais como o
deslocamento de bandos de pássaros, o aparecimento de paus flutuando, a
presença de recifes, penedos e penhascos com ervas que, em geral, eram vistos
como como sinal de proximidade de terra. A experiencia demonstrava que a maior
parte das ilhas descobertas pelos portugueses tinham se dado mediante a
observação do vôo dos pássaros.
Colombo
partiu de Palos em uma sexta feira 3 de agosto de 1942. Mais de um mês navegando
Colombo e seus camaradas ainda não tinham visto os sinais tradicionais de
terra. E Colombo, malandramente, estimava a distância navegada e dava sempre um
desconto para não apavorar seus marujos. Em 16 de Setembro eles começaram a ver
muitos tufos de ervas, muito verdes que, segundo Colombo, pareciam ter se
desgarrado de terra há pouco. Errado duas vezes. Não eram ervas e sim algas e a
terra estava distante. Estava adentrando o Mar de Sargaços. No dia seguinte
alguém disse ter visto uma gaivota e um Palhancu. Que em tese não se afasta
mais de 25 léguas de terra. Ou não se conhece bem o hábito dos palhancus ou foi
apenas um delírio...
A
confusão de Colombo não pode me deixar de lembrar a hipótese de Herschel de que
quando ele em suas “varridas” em busca de nebulosas pelos céus percebia estar há
muito tempo sem se deparar com estrelas era sinal de que uma Nebulosa estava
pronta para despontar no campo de sua ocular. Acreditava que essas nebulosas (especialmente
globulares) acabavam por se apoderar de toda matéria em determinada região e
deixar grandes vazios no céu.
O
hábito dos antigos marinheiros de navegar por aproximação me é muito querido. Esporadicamente
prefiro brincar de seguir estrelas para chegar até os cardumes do que
utilizar-me da tecnologia para tal. Afinal Mlle. Herschel (minha cabeça
equatorial HEQ 5) pode perfeitamente achar quase qualquer coisa que exista com
o apertar de um botão.
Dessa
forma cheguei até M24. A Pequena Nuvem de Sagitário. É uma das poucas entradas
do catálogo Messier que não é um DSO bonne fide. Mas é um dos mais belos para
possuidores de pequenos instrumento e binóculos. E definitivamente a sua região
pode ser considerada como um Mar de Sargaços celestial. Ou, melhor, um arquipélago
de Ilhas Oceânicas. Algo como Martin Vaz.
Nessa noite eu decidira navegar em estilo “old school” e seguindo a corrente que sobe da Ponta do Bule de Sagitário (O bule é o asterismo que identifica a constelação de Sagitário. É formado por Kaus Borealis, Kaus Media, Kaus Australis, Alnasl, Namalsadhira I e II, Nunki e Ascella) fui me deparando com vários DSO´s. A Lagoa, A Trífida, M21. A noite estava com muita nebulosidade e como um velho marinheiro amigo do Martinho da Vila levava o barco devagar. Com minha ocular 25 mm ia percebendo claramente a via láctea. Balançando de Norte para sul percebia as estrelas se adensarem quando cruzava os braços da galáxia e se tornarem quase inexistentes quando olhava para fora da galáxia. Finalmente percebo um adensamento atípico e sei que estou adentrando M24. É um alvo mais binocular que telescópico. Troco para a minha 40 mm e percebo quase todo o conjunto da obra. Mesmo nas medíocres condições noto as duas nebulosas escuras (B92 e 93) que compõe a paisagem e percebo o brilho forte no seu coração que é Ngc 6603. Troco novamente a ocular e namoro o discreto aberto com a 10 mm. Nos entornos de B92 percebo o adensamento que é Collinder 469... Um minúsculo e apagado aberto.
Depois
decido fotografar o Mar de Sargaços e numa operação que demanda dois
marinheiros consigo retirar o Newton (meu telescópio 150 mm f8), correr o contrapeso
da montagem e instalar a câmera com a 300 mm sem perder o rumo. É necessário correr o contrapeso pois como a câmera
e a lente são muito mais leves que o telescópio Mlle. Herschel acaba toda
desbalanceada e trava se isso não é feito. Geralmente a operação fracassa. Mas
a prática ajuda.
M
24 é conhecido também como a Pequena Nuvem de Sagitário ou ainda com Delle Caustiche.
O nome de Pequena nuvem é muito apropriado e ela definitivamente me lembra uma
versão minimalista da Grande Nuvem de Magalhães, especialmente quando vista a
olho nu em local de céus bem generosos. Delle Caustiche é um
nome conhecido apenas por uma minoria de iniciados. Segundo Agnes Mary Clerk (uma
espécie de Carl Sagan do início do século XX) o nome foi dado pelo pioneiro da
espectrografia padre Pietro Angelo Secchi.
Devido aos arranjos de suas estrelas em raios, arcos, Curvas causticas e
espirais interlaçadas. M 24 também é arquitetura e matemática...
As
curvas cáusticas foram estudadas por Tschirnhausen em 1682. Mais tarde outros
matemáticos deram contribuições para o estudo destas curvas, nomeadamente,
Huygens, Quetelet, Lagrange e Cayley.
O
método consiste em obter uma curva à custa de uma outra curva e de um ponto. À
curva que se obtém chama-se cáustica.
Dada
uma curva C e um ponto fixo S, catacáustica é a envolvente dos raios luminosos
que partem de S e são refletidos em C.
Se
a curva C for uma circunferência e o ponto S estiver numa determinada posição
então poderemos obter como curva cáustica uma cardioide ou um caracol de Pascal.
Ngc 6596 e IC 4701 |
Não
se trata de um objeto de céu profundo strictu sensu. Trata-se de uma imensa
cidade estelar no braço de Sagitário de nossa galáxia e se espalhando por cerca
de 600 anos luz possui estrelas entre 10.000 e 16.000 anos luz de nós. Na
verdade, essa bela peça de tapeçaria é e uma porção da galáxia que se revela
entre a nebulosidade escura no entorno do centro galáctico próximo. O efeito é
sensacional.
Messier
a observou em 20 de junho de 1764 e escreveu: Aglomerado no mesmo paralelo que o anterior e
acima da ponta do arco de Sagitário na Via Láctea. Uma grande nébula dentro da
qual a diversas estrelas de várias magnitudes. A luminosidade se espalha
através de toda a aglomeração e se concentra em várias regiões. A posição dada
é do centro do aglomerado.
M
24 é a mais densa concentração estelar visível por binóculos. mais de 1000
estrela são perceptíveis no campo.
Ngc 6603 é um belo alvo por si só. Um aberto dificil de resolver . Mas charmoso em seu esfuminho. Telescópios maiores devem dar um jeito nesse amotinado. Se encontra sobreposto a Nuvem. na sua região mais próxima. 10.000 anos luz. É uma descoberta de John Herschel. Sua estrela mais quente indica uma idade de 100.000.000 de anos. è dificil de se distinguir do fundo. Aumento ajuda.
Os discretos aglomerados à oeste. |
De
volta a Colombo o empirismo acabou por ser o guia.
Seguindo
a leitura d0s diários percebemos que no dia 7 de outubro os pássaros novamente
assumem a posição de piloto da descoberta. À tarde, ao perceberem que uma
grande multidão de pássaros voava do Norte para sudoeste iria, certamente,
dormir em terra o Almirante lembrando-se de que os marinheiros portugueses
tinham feito suas descobertas seguindo aves deu ordem de abandonarem o rumo
oeste e seguirem Oeste Sudoeste por dois dias. No dia 8 já percebiam ervas
muitos frescas e de caráter fluvial e pássaros menores. Na quinta dia 11 (a véspera
da descoberta) e ainda no rumo Oeste sudoeste estes viram petréis e juncos
verdes. Ao entardecer este mandou seguir de novo a oeste. E logo Rodrigo de Triana,
abordo da caravela Pinta avistou terra. No dia seguinte chegaram a pequena ilha no arquipélago
das Lucaias, chamada pelos indígenas de Guanahani e batizada de San Salvador por
Colombo.
E
assim, nos conta Mourão, acaba (ou começa) a Grande Utopia Colombiana.
Meus sinceros parabéns pela dedicação em todos esses anos. Acompanho o blog desde seu início (a partir das divulgações na comunidade Astronomia do Orkut) e o conteúdo é sempre enriquecedor para o nosso conhecimento astronômico. :)
ResponderExcluirGrande Fabricio. Sumidaço. Me lembro de todos nós ensaiando astrofotografia. Até o Rodrigo . Bons tempos.
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