Não faz
muito tempo vi um inofensivo filme onde um casal de mestres cucas vivem um
romance. Um daqueles filmes "agua com açúcar" que passa na sessão da
tarde e que costumo ver com minha filha . Em um dado momento um deles pergunta ao outro
:
-Você sabe quais são os três maiores
segredos da cozinha francesa?
-Sim. A manteiga , a manteiga e a
manteiga.
Pena que astro fotografia seja uma
arte um pouco mais complexa que a tão falada cozinha francesa ( perdi os leitores
"gourmets") mas sua lista de segredos em bem mais longa.
Assim como na cozinha os ingredientes
são fundamentais e assim sua montagem e seu telescópio são os dois mais importantes segredos. A câmera
fotográfica idem. E evidentemente os que saem mais caro. É claro que se lhe derem limões você vai
conseguir fazer uma limonada. Mas não espere realizar fotos sensacionais de
nebulosas planetárias e tênues nebulosas utilizando uma cabeça equatorial EQ 1 e uma
câmera "saboneteira". Recentemente houve um caso de um rapaz realizando fotos incríveis com uma
cabeça EQ 1 e um pequeno refletor newtoniano e divulgando "seu trabalho"
nas redes sociais . Foi algo triste de se ver e uma fraude obvia.
Milagres não acontecem e a ótica é um ramo da fisica que respeita leis bem
conhecidas. Neste link você pode encontrar um pequeno tratado sobre o assunto
escrito pelo cidadão que inventou o telescópio newtoniano https://archive.org/details/Optics_28
. Quem adivinhar o nome dele leva uma lata de apresuntada...
Outro segredo é o alinhamento polar
que você vai realizar. É uma técnica fundamental e que você deve desenvolver.
Existem diversas formas para tal e o
método do drift apesar de muito chato é bastante eficiente. Eu utilizo um método
alternativo a este que pela minha experiência vem se confirmando também bastante eficiente e muito menos
aborrecido... Veja ele aqui.
Mas assim como a gastronomia gaulesa
existem três grandes segredos que nunca podem ser esquecidos. E estes são
: o foco, o foco e o foco. Como dito por Grant Privett em seu Creating and Enhacing Digital Astro Images: "O foco do instrumento que você
estiver usando tem que ser perfeito. Não quase ou bem bom mas perfeito. Muitos
observadores acham que demora mais para se colocar um objeto em foco do que
para localizar um objeto." Isto é especialmente verdade se você utiliza
uma montagem com Go-To. Eu devo me
acostumar a gastar mais tempo fazendo foco de minhas fotos. E desta forma não
ser obrigado a me conformar com fotos quase boas ou me ver obrigado a revisitar
o objeto em uma outra noite. Existem
algumas ferramentas para colaborar no foco. Mascara como a de Bhatinov podem
ajudar . Contar o maior numero possíveis de estrelas tênues no quadro também.
Mas a única forma que vem funcionando comigo é realizar diversas exposições
teste até que consiga o "sweet spot" no focalizador. Na verdade
preciso comprar um focalizador mais preciso... Um ingrediente que não devemos esquecer.
Na semana de estréia de Mme.
Herschel ( uma montagem equatorial HEQ5 Pro da Skywatcher) e com Sagitário quase no zênite eu não poderia deixar de
fotografar uma vasta coleção de objetos do catalogo Messier que abundam na
constelação. Na verdade é nela que existe a maior concentração de DSO´s do dito
catalogo. Não é uma coincidência. O
arqueiro mítico se ergue na direção do centro galáctico aonde residem as
maiores quantidades de estrelas, gás e poeira no nosso latifúndio do universo.
Com a cabeça alinhada , o go-to
cravando tudo o que peço quase no centro de minha ocular de 25 mm e a minha câmera sendo operada de maneira
remota através do Canon Utilities instalado em meu lap top eu não poderia
perder a oportunidade de registrar
nebulosa favorita dos verões ( residente nos EUA...) de Philip S. Harrington , mais conhecido como
Phil Harrigton e autor da prestigiada e agora defunta coluna "Binocular Universe"
na Astronomy Magazine. Novamente não é
uma coincidência já que com a exceção de M42 ( A Grande Nebulosa de Orion) M 17 é a nebulosa mais brilhante ao alcance
do infelizes astrônomos que residem em latitudes boreais mais elevadas.
Programo o "Utilities" para realizar
50 exposições de 30 segundos e vejo a cabeça se dirigindo para M17 .
Primeiro a namoro um pouco através
de minha ocular de 25 mm e assim com um
aumento de 45 X.
A nebulosa possui vários apelidos. A Nebulosa
do Cisne, A Nebulosa Omega ou ainda a Nebulosa da Ferradura. Se considerarmos
ela como um Cisne ele deve estar nadando já que não percebo nem suas asas ou patas.
Já observei com os mais diversos aparelhos.
Em noites escuras em locais escuros ela é obvia a olho nu e mais ainda junto a
buscadoras. Com meu binóculo 10X50
consigo facilmente perceber uma barra de luz orientada mais ou menos no sentido
leste-oeste. Com meu 15X70 um pequeno anzol surge junto ao fim desta barra. Galileu ( meu refrator de 70 mm) com 45 vezes
revela mais detalhes e o cisne é bastante obvio. Ou um numero 2 escrito por uma
criança... O Newton ( meu refletor e 150 mm) revela que o cisne é também um arco semi circular de luz que lembram tanto a letra grega Omega
W como a uma ferradura. Com o tempo e com mais aumento detalhes
começam a surgir especialmente ao longo da barra mais luminosa. Reza a lenda
que um filtro O-III vai ressaltar muitos detalhes desta intrincada nuvem de
gás inter estelar.
Apesar
de M17 ser uma das entradas mais famosas do Catalogo Messier ele chegou
atrasado. O astrônomo suíço Phillipe
Loys de Cheseaux "descobriu" M17 entre 1745-46. Messier a redescobriu
de forma independente em 3 de junho de 1764. Há controvérsias sobre a data da
descoberta de Cheseaux. Ha lendas sobre a data da observação . Segundo Phil Harrigton em seu " Star Watch" Cheseaux teria
chegado apenas poucos meses antes de Messier até ela . Na primavera de 1764. Mas a história, embora romântica, é falsa.
Cheseaux morreu em 1751.
Algumas
observações históricas de M 17 são bastante esclarecedoras e interessantes. Em
primeiro lugar a de seu descobridor. Cheseaux escreveu no que era a vigésima entrada
de seu catalogo ( De Ch. No. 20): " Finalmente , outra
nébula, que nunca foi observada. Possui uma forma completamente diferente das
outras. Tem a forma perfeita de um raio ou da cauda de um cometa com 7´de
comprimento e 2 de espessura; seus lados são exatamentes paralelos e bem
terminados se percebe seus dois finais. Seu centro é mais esbranquiçado que as
bordas; Eu determinei que seu RA para este ano como 271g 32´35´´ e sua
declinação sul de 16g 15´6´´ Seu angulo tem 50 graus com o meridiano"
A descrição que Messier apresenta no Memoirs d´Academie para 1771 ( o primeiro
Catalogo Messier...) : "Na mesma noite (Junho 3 para 4 .1764) descobri a
pouca distancia do aglomerado de estrelas que acabei de citar , um trem de luz
com cinco ou seis minutos de arco, com a forma de haste e com quase o mesmo
formato que existe no Cinto de Andrômeda ( M31) ; mas de uma luz bem tênue,
contento nenhuma estrela; alguém pode ver duas delas bem próximas que são
telescópicas e posicionadas paralelamente ao equador: em um bom céu percebo
muito bem a nébula com um refrator ( Não acromático) comum de três pés e meio.
Determinei sua posição de RA 271o 45´ 48´ e sua declinação de 16o
14´44´´ sul.
A primeira
descrição associando M 17 com a letra Omega W foi realizada por John Herschel , o filho de
William Herschel, descobridor de Urano. Ele mesmo um grande descobridor dos
céus austrais. " 6 de agosto ,1823 - Uma grande e extensa nebula Sua forma
é a da letra grega Omega com sua base esquerda virada para cima. A parte curva
( ou ferradura) é bem F ( ?) e possui muitas estrelas . A linha de base
precedente é dificilmente visível. A seguinte , que é o ramo principal, ocupa
metade do campo (7 1/2). Sual luz não é homogênea mas em nós. Forte gradiente".
M17 é um DSO belíssimo e cantado
em prosa e verso...
Possui ainda grande interesse
cosmológico . M 17 é uma brilhante nuvem de hidrogênio ionizado onde há matéria
suficiente para criar cerca de 1000 estrelas com a massa de nosso sol. Daqui
alguns milhões de anos irá tornar um
impressionante aglomerado aberto e que vai dispersar a nebulosidade restante. A barra principal e facilmente percebida se
estende por 15 anos luz. Mas o conjunto
da obra se espalha por 40 anos luz. Algo como 379 trilhões de kilometros. Antes
que eu esqueça: Se encontra a 5000 anos luz de nós e sua magnitude é de 6.0.
Com tanta história eu estava ansioso
para capturar minhas primeiras imagens de M17. Um erro. Com tudo certo e tendo observado o cisne por
bastante tempo eu decidi instalar a câmera em foco direto. Feito isto ajustei o
foco da melhor forma possível e tirei uma primeira foto de teste . O foco ficou
ruim ;Mais uma . E outra e outra e outra. Me dei por satisfeito.
Ansioso... Foi um erro.
Com 25 minutos de exposição
"levemente" fora de foco eu chego até a hora do processamento da imagem.
Pois é. Foco quase bom não serve...
O Processamento das suas imagens
astronômica é mais complicada ainda que a captura do material. Possui mais segredos que a gastronomia
baiana...
Capturo mais 40 dark frames ( nunca
usei tantos darks em uma captura) para juntar tudo no Deep
Sky Stacker , um programa que " empilha" a informação contida em suas
fotos e as alinha ( quase sempre...) .
Sempre chamado de DSS.
Por alguma razão , quando suas
capturas ficam quase boa , elas podem chegar a uma "Catastrofe Binária". Esta licença poética se aplica quando o todo o processo de integração das imagens chega a resultados "artísticos " dignos de estarem no
subsolo do Museu Orangerie.
Com 50 Light frames ( fotos de m 17
propriamente dita) , 40 darks frames . Só faltaria capturar alguns flats. Mas
isto ficaria para outro dia. Achava de qualquer forma que com tanto material
estava fadado ao sucesso. Já havia processado algumas fotos da temporada e tudo
corria bem. M 22 com um foco menos que perfeito tinha ficado bem razoave. A
qualidade do acompanhamento com a chegada de Mme. Herschel ( uma cabeça
equatorial HEQ 5 Pro) melhorou muito . Me
deixou muito seguro.
Finalmente o processamento termina.
E voilá: Catástrofe Binaria.
50 expX 30 seg +40 darks ASA 3200 - 3 X drizzle no DSS. |
Mesmo frames - Sem Drizzle. |
Tento mudar parametros de integração e todos
os truques que conheço no DSS. Os resultados acima falam por si.
Um dos segredos mais baixos da astrofografia , algo como
colocar um monte de bicarbonato no arroz
, é que se tudo deu errado você deve seguir o conselho escrito na Enciclopédia
Galáctica. "Não entre em pânico", E recorra ao Rot n Stack.
O Rot n Stack é a versão mais tosca
do DSS. Logo de cara você vai ter que marcar manualmente dois pontos de
alinhamento para cada uma das fotos capturada. Com 50 fotos é esforça
repetitivo na certa... depois ele vai aplicar um dark frame que você vai
oferecer. Um Só . E tem que ser em formato PNG. Mas ele vai empilhar suas
fotos . E apresentará quatro resultados para você. Um mais brilhante e com
bastante ruido. ( Modo Max) . Outro que é bastante semelhante ao que se
observa a olho nú e não muito diferente de uma captura de apenas um frame (Modo
Mean) e uma mais escuro ( Modo Min). De
brinde ele fabrica uma "Catástrofe Binaria" que pode ser que funcione (na maior
parte das vezes não funciona) ( Modo sort) . Creio que por obra do acaso e por seguir os conselhos da Enciclopaedia Galactica um crop do Modo Sort do Rot n Stack é a foto que abre este post...
Felizmente em mais de 20 diferentes DSO´s fotografados durante ultima semana de julho apenas dois chegaram a " Catástrofes Binária". Curiosamente de categorias de DSO bem diferentes. Ambos com um foco un pouco mais equivocado... Não sei a que mais atribuir a catástrofe (talvez um pouco a colimação...). Mesmo alguns objetos com um foco um pouco menos que perfeito foram integrados de forma normal no DSS.
Porém já sei quais são os três segredos da astro fotografia que vou sempre lembrar:
O processamento das fotos é um outro segredo. Acima um exemplo do que não deve ser feito. Batizei a foto de "O Cisne Manco".., |
Porém já sei quais são os três segredos da astro fotografia que vou sempre lembrar:
- O foco , o foco e o foco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário