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sexta-feira, 18 de agosto de 2017

M 5 : O Aglomerado de Burnham-Asimov

           

         Quando falamos em globulares a separação entre o norte e o sul do planeta se acentua ainda mais que a já batida diferenciação econômica que permeou nossas aulas de geografia no ensino médio. Toda aquela besteirada determinista sobre fatores climáticos e o desenvolvimento vai para o brejo. Quando falamos em globulares os habitantes das terras meridionais levam imensa vantagem. Nas terras ao sul do Equador reinam soberanos Ômega Centauro, Tuc 47e M 22.
            Já para os habitantes setentrionais do planeta a trindade é composta por M 13, M 5 e M3.  A Comparação entre os santos é injusta. O terceiro colocado no hemisfério sul é muito maior e vistoso que o primeiro no Hemisfério Norte.
            Como falei no post a respeito de M 9 tudo é relativo ao observador. No caso ao lugar na terra onde o observador se encontra.
            Normalmente quando vou fazer uma apresentação de um objeto do Catalogo Messier a primeira fonte que busco é o Catalogo Messier. Bastante obvio.  Herschel pai e filho geralmente resolveram os objetos e são paradas obrigatória. A seguir geralmente chego a Smith com seu “The Cycles of Celestial Objects – The Bedford Catalog”. Smith é um amador “profissional” e suas descrições são historicamente fundamentais e geralmente bonitas.  E finalmente tenho como escudeiros meus contemporâneos O ‘Meara e Stoyan.  As páginas da SEDS e algumas outras (The Messier Objects e Astronomy Today) também são fontes que tenho na mais alta consideração.
            Mas de tempos em tempos me lembro porque Burnham e seu “Celestial Handbook” (anos de 1970) é meu guia astronômico favorito.  (Só será encontrado usado. Mas a Amazon pode ajudar... https://www.amazon.com/Burnhams-Celestial-Handbook-Observers-Universe/dp/B0020CBL5E/ref=pd_lpo_sbs_14_t_0?_encoding=UTF8&psc=1&refRID=1FG3WKY8V60ZP8P62WDJ )
            Em primeiro lugar porque Burnham é uma figura quixotesca e me identifico muito com conquistadores do inútil. E em segundo porque ele escreve muito bem e em três volumes é difícil deixar algo para trás. E assim ele me recorda que além de Smith existem outros autores clássicos (e que eu possuo no HD) que devem ser lembrados. Ollcot, Webb, Serviss e “last but not least” Mary Proctor são autores fundamentais.
            Finalmente tinha fotografado M 5. Uma das maravilhas globulares para os habitantes das zonas temperadas e desenvolvidas do Hemisfério Norte. Berço natural da Astronomia Amadora (não é exatamente um esporte barato...).
            Para ser sincero eu nem sabia que ele era essa maravilha toda. Mas com a missão auto imposta de fotografar todosos globulares Messier cheguei até ele na última comemoração da Aporema.  O fotografei de forma descompromissada já baixo no Horizonte Noroeste e realizei menos exposições do que eu gostaria e do que ele merece. Mas a poluição luminosa da Armação dos Búzios naquela direção e um céu de transparência duvidosa me levaram a crer que o ruído era excessivo e estava de bom tamanho. Afinal era apenas mais um dos globulares Messier em meio a massa e meu objetivo como astro fotografo está mais para registrar tudo que existe do que para arte...



Este é resultado de um Drizzle (2X). O Ruido da captura era absurdo e mesmo depois de passear por muitos softwares não melhorou muito. M 5 merece um outro esforço . A imagem que abre o post não passou por drizzle. São ambas resultado do empilhamento de apenas 10 exposições de 30 segundos  ASA 1600 em RAW. A foto acima foi do DSS para o PixInsight 1.0 , depois Photoshop ( Vários processos e crop) e finalmente Noiseware. Não adiantou muito. A foto que abre o post foi realizada posteriormente e consegui resultados bem melhores. Glorias ao PixInsight 1.8....  

Esta é Resultado do mesmo empilhamento com 2X drizzle no DSS e a seguir tratada apenas no Fitswork (sem crop) . Venho percebendo que em noites de muita umidade o ruido , especialmente na parte mais baixa do horizonte é bem cruel. A umidade (nebulosidade)é uma inimiga pior que a poluição luminosa. 


            M 5 se localiza em Serpens (Serpente). A única constelação do céu que se divide em duas partes e que se enrosca em Ophiuchus. Habita próximo a famosa “Nebulosa da Águia” (M 16). Talvez por isto tenha me passado desapercebido por tanto tempo.
            Burnham inicia nos contando que M 5 é um dos grandes shows do céu de verão (lá para eles. Aqui será inverno) ranqueando  junto com M 13 em Hércules e M 3 em Canes Venatici como um dos três mais belos globulares da metade norte do céu. Seu brilho garante o quinto lugar em todo o céu atrás apenas de Ômega Centauro, 47 Tucanae, M 22 e M 13.
            M 5 foi descoberto por Gottfried Kirch em 5 de maio de 1702 enquanto este procurava por um cometa. Isto segundo um relato de sua esposa. Kirch foi descobridor também de M 11 (Aglomerado do Pato Selvagem) e de um cometa em 1680 (C/1680 V1)
. A seguir Burnham segue o caminho de todos e apresenta a descrição de Messier   que eu não posso deixar de apresentar por aqui:
            “[Observado em 23 de maio ,1764]. Linda nébula descoberta entra Libra e Serpens próxima a estrela de sexta magnitude Flamsteed 5 Serpentis. Não contém nenhuma estrela, é arredondada e pode ser muito bem vista sob bons céus com um refrator simples de 1 pé. M. Messier a localizou na carta paro o cometa de 1753, Memoires de l´Acaddemie 1774 pag. 40. Observado novamente em 5 de setembro 1780 e 22 de março de 1781”
            Burnham segue o caminho natural das coisas e apresenta a bela descrição de Smith que destaca como M 5 possui um núcleo ainda mais brilhante que M 3.
O  Refrator de 1 m de Yerkes....

            Finalmente ele me lembra porque gosto tanto de seu livro. Ele localiza a belíssima descrição de Mary Proctor ( uma das maiores divulgadoras da astronomia amadora no início do século XX) no seu doce e gentil “ Evenings with the Stars” (1924)  onde  ela faz uma apresentação delicada de suas impressões sobre M 5 depois de observar este do maior refrator do mundo ( 1 metro de lente...) localizado no Observatório de Yerkes: “Miríade de cintilantes pontos brilhando sobre um fundo de bruma estrelada, iluminada como pela luz da lua, formando um incrível contraste contra a escuridão do céu noturno. Durante poucos momentos felizes, durante os quais o observador vaga por esta cena, sugere um verdadeiro vislumbre dos céus além…” (https://archive.org/details/EveningsWithTheStars )
            Neste momento Burnham se apresenta . Supondo que você é um astrônomo amador você certamente conhece um conto (que posteriormente se tornou um curto romance) do Isaac Asimov chamado “Nightfall” (“O Cair da Noite” em português. É o único livro até agora citado que foi traduzido para o português. Não é fácil levar as coisas a sério na Pindorama). Ele (Asimov) nos conta a história de um planeta (Kalgash) que habita um sistema sêxtuplo de estrelas e que desta forma só conhece a noite a cada 2049 anos. Desta forma seus habitantes não possuem defesas psicológicas para a escuridão total da Noite. Mas a história nos surpreende e pior que a escuridão é quando eles descobrem que habitam dentro de um imenso aglomerado. Quando o ultimo de seus sóis se eclipsa eles são aterrorizados pela maravilha de milhares de estrelas de primeira magnitude brilhado na sua noite... Quase todos enlouquecem.  
O Ritchey Cretien de 1m do Observatório Naval em Flagstaff

            Burnham leu o apocalíptico (é este o adjetivo utilizado ...) romance dois dias depois (eu li em uma noite) de observar M 5 pelo belíssimo refletor Ritchey-Chretien de 40 polegadas do Observatório Naval baseado em Flagstaff, Arizona. Burnham considerou a visão estonteante e foi como se “ Os vagalumes de um milhar de noites de verão tivessem se reunido, congelados para sempre no tempo, e suspensos entre as estrelas”.  Segundo ele Asimov não tinha nenhum aglomerado particular em mente quando escreveu “Nightfall” mas para o autor do “ Celestial Handbook” este será sempre M 5.
            Eu admito que para mim será sempre M 22. 
         
         "Nightfall" foi inspirado pelo seguintes palavras de Emerson no seu ensaio "Nature":
            "Se as estrelas pudessem aparecer uma noite a cada mil anos, como poderia o homem acreditar e adorar , e preservar por muitas gerações, a lembrança  da Cidade de Deus que lhe foi mostrada"
       Quem nunca leu o livro deve ler.(https://sites.uni.edu/morgans/astro/course/nightfall.pdf )  . Esse link te levará ao conto escrito por Asimov. Posteriormente ele escreveu, junto com Silverberg , (SEI QUE ESTOU ME TORNANDO REPETITIVO. MAS É IMPORTANTE) um curto romance desenvolvendo a ideia. Recomendo fortemente a leitura de ambos. 
Observando M 5 com o Newton (um refletor 150 mm) com 70X de aumento das terras de José Eustáquio (Armação de Búzios) eu não tenho tamanha emoção. Mas como já disse a noite era longe do ideal e o aglomerado já ia bem baixo no horizonte. Observei na mesma noite M 3 mais alto no horizonte e este me impressionou mais.  Agora comparando as fotos (especialmente as sem drizzle) M5 é claramente maior. Percebi um núcleo bem brilhante com um halo aonde, com visão periférica, piscam algumas estrelas. Estas sim como vagalumes. Um aqui, outro ali e um outro acolá.... Tudo é relativo e o que você vai ver junto a ocular de um telescópio é uma incerteza. Ele é percebido como uma pequena estrela enevoada pela minha buscadora 8X50 mm.
            M 5 se encontra a cerca de 25.000 anos luz de nós. Possui um grande número de variáveis, em sua maioria as típicas, para globs, RR Lyrae (95) registradas até 1975. Seu período médio é de 0,5 dias e a magnitude média destas é 14.9.
Harlow Shapley, em 1917, utilizou as variáveis de M 5 para testar a hipótese de que a velocidade da luz poderia variar levemente em função de seu comprimento de onda. Medindo a máxima tanto em estrelas amarelas como em azuis foi demonstrado que a maior possibilidade de diferença entre estas não poderia exceder uma parte em 20.000.000.000. É aceito hoje em dia (desde então) que não há diferença detectável e que toda energia radiante viaja a mesma velocidade pelo espaço.
            M 5 é um dos mais antigos globulares conhecidos e como a maioria destes é originando nos mais primitivos estágios da formação de nossa galáxia.  Sua idade é estimada entre 10 e 13 bilhões de anos.

              Localizar M 5 é tarefa relativamente simples. Localize Alpha Serpentis. É a estrela mais brilhante da constelação e facilmente localizável a sudeste de Arcturus. A partir dela caminho  entre dois e meio e três campos oculares ( você deve conhecer sua buscadora...) rumo SSO. O aglomerado será evidente mesmo baixo no horizonte e em una noite ruim. No mesmo campo habita 5 Serpentis  uma estrela dupla de 5 magnitude e visivel a olho nu em locais escuros. 

        Espero ter a oportunidade de observa-lo novamente de latitudes mais setentrionais em um futuro próximo.  E certamente vou dar uma nova chance a ele em condições mais favoráveis na próxima janela de observação.... 

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