Em tempos que, diariamente,
tenho visões da Idade Média e a nítida impressão que o saber é considerado pior
que a ignorância eu, realmente, não tenho tido vontade de contar meus “causos” astronômicos
por aqui. Mas uma das coisas que faz a astronomia tão atraente é sua capacidade
de espalhar luz sobre as trevas. Na verdade, luz sobre as trevas é a matéria prima
da mesma.
Esta
é uma ciência minha . Essa é de minha filha e filho . E não é daqueles que
flertam com a Cretinália que se espalha por Sucupira. As terceiras pessoas...
E
assim, perdida em meio de um HD de 1 terrabyte, encontrei uma foto de minha última
viagem observacional. Já se vão quase seis meses. Em um tempo que se podia
viajar...
Percebo
claramente dois aglomerados abertos. Sei que se localizam em Lúpus. Uma
constelação que nada sei a respeito. Nem mesmo o nome dos dois DSO´s que
claramente percebo. A foto é nomeada “Perdido em Lúpus”.
Antes de descobrir quem são os
dois delicados abertos (na verdade um delicado aglomerado aberto. O outro é um minúsculo
aberto) decido pesquisar algo sobre a constelação que os abriga. Logo de cara
descubro que estes habitam a fronteira de Lúpus com Circinus. Quase em Centauros.
Para efeitos práticos ambos habitam em Lúpus. Na verdade, o menor deles invade Compasso.
Esta uma das constelações ditas dispensáveis
(creio eu e discordo) por Hinckley. É uma das 14 constelações criadas e por Lacaille
no Séc. XVIII.
Lúpus (O Lobo) possui um
registro muito mais antigo. É uma das 48 constelações originais descritas por
Ptolomeu em seu Almagesto. Mas sua história é ainda muito mais longa. Seu primeiro registro foi feito na Babilônia é
a constelação grega é, quase certamente, conectada com a constelação UR .IDIM.
O “cachorro doido”. Só por isto estão lendo esse texto.
Mad Dog MC Cullogh foi (morreu
recentemente) um grande amigo meu. Um dos primeiros maquinistas com quem
trabalhei. Me ensinou como usar uma cinta de catraca e junto com isso como
montar uma câmera Zenital com o auxílio de um “chapéu alto” e um pranchão. Arrumei
um motivo para falar dele e de astronomia.
Voltando de Mad Dog para Lupus a constelação é registrada também no Livro das Estrelas de Al Sufi. Durante a idade média a maior parte da cultura astronômica foi salva por astrônomos muçulmanos. Para desespero da bancada evangélica. Em algumas edições do Livro o grupo é registrado como um lobo. Em outras como um Leão. Por motivos óbvios o Lobo sobrevive no local até hoje. E o Leão em outro...
Na antiguidade a constelação era
um asterismo pertencente ao Centauro. Em uma história com várias versões este
seria um animal dado em sacrifício ao quimérico ser. Não à toa uma das seis
constelações com que Lúpus faz fronteira é Ara. O altar.
Essa possui 127 estrelas com a magnitude igual o superior a 6,5. Alpha Lupi. R. H. Allen, em seu mais que clássico “Star Names and Their Meaning”, nos diz que os chineses a chamaram de Yang Mun e nos diz ainda que Beta Lupi era batizada como Ke Kwan. Ambas fazendo parte da constelação de Qiguãn. Agora para desespero da bancada da TFP os chineses também foram um refúgio celestial durante as trevas religiosas que assaltaram a Europa pré renascentista.
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Perdido em Lupus |
Agora vamos ao céu profundo. Os
dois aglomerados abertos capturados ao acaso juntos ao pernil traseiro do Lobo
são Ngc 5822 e 5823. Na foto vocês vão ver que na região habita ainda o mais
discreto Ngc 5749. Uma trilogia lupina. O primeiro é um daqueles objetos dignos
de nota. Um aberto que se apresenta claramente em binóculos e que no Newton (um
refletor de 150 mm f8) se mostra com bastantes estrela e dá seu espetáculo. O segundo
demanda mais atenção, embora, seja alvo desafiador e de grande interesse. Curiosamente
o “grande” não é o famoso. Sir Patrick Moore inclui 5823 em sua famosa lista observacional,
O catálogo Caldwell. O terceiro se
apresenta mais como uma estrela múltipla (com 120 X de aumento) do que um
aglomerado de fato.
Ngc 5822 foi descoberto por John
Herschel em 1836 em seu gigantesco levantamento de nébulas do hemisfério sul. Você o vai localizar a 2,6º de Zeta
Lupi. Acho ele o mais fácil da coleção
apresentada e com magnitude 6,5 há registos de ter sido percebido a olho nu de
locais muito escuros. De Boa Esperança (Serra carioca) com um céu Bortle 3 eu
quero acreditar que o “sinto”. De Búzios é um plano furado. No Rio até de
binoculo é quase imperceptível. Com o Newton e 120X de aumento conta várias
dezenas de estrelas. Não se nota grande aglomeração central. Sua classificação Temple é II, 1 , r. Se localiza a quase 3.000 anos luz (917
Parsecs). Parece ser um aberto “antigo”. Com cerca de 800 milhões de anos. É um belo objeto para o “Projeto Tudo que Existe”.
Um DSO grande, brilhante e que escapou de todas as listas observacionais
organizadas por O´Meara na sua super completa série “Deep Sky Companions”. Um belo objeto pouco visitado.
Ngc 5823, embora menor, é mais
conhecido e estudado. Não sei o que chamou a atenção de Moore para este pequeno
aberto bem austral. Mas é a entrada 88 do Catálogo Caldwell. É um alvo
telescópico. Não se apresenta bem com pouco aumento. Mas com 120 X ele
apresenta aquele aspecto característico de aglomerados. Mais condensado que o anterior
ele é um pequeno aberto didático para o iniciante. Aquela Pitada de sal bem
fino sobre veludo negro. Céus escuros vão ajudar muito. Como era
de se imaginar foi descoberto também por John Herschel em 1836. Mais precisamente
entre 15 e 20 de abril. Localiza-lo é fácil.
Partindo de Zeta Lupi você certamente vai esbarrar em Ngc 5822. Ele estará no
mesmo campo da buscadora. 3 magnitudes menos brilhante ele será o aglomerado
mais apagado e discreto no campo. Céu escuros. Bortle 3 é mole perceber. No Rio
é quase impossível. Velo mesmo com goto. Como faz parte do catálogo Caldwell
ele é facilmente achado na memória do Synscan. Se seu telescópio possui “Go To”
é um passeio no parque. Sem é só ter atenção.
É um pouco mais distante. 3400 anos luz de nós. E um pouco mais jovem. Só para dar um tempero;
Mary T. Broke (Universidade de Edimburgo), em 1968, escreveu um paper alegando
que Ngc 5823 não seria um aglomerado de fato. Mas suas ideias parecem ter sido
provadas equivocadas. Ao observar 5823 eu apostaria nisto. Ou seria um impostor
profissional. Quase um Queiroz.
Ngc 5749 veio apenas fazer
figuração neste post.
Atualmente quase não tenho usado o Newton para fotografar. Prefiro utilizar lentes. E o Drizzle do DSS para extrair os DSO´s. Sem acompanhamento e com o dólar a mais de 5 reais e o arroz batendo quase 7 o kilo não vou comprar um sistema de guiagem tão cedo... E assim me divirto muito mais com minha 300 mm para fotografar . E voltei a observar. Foto com lente . E o com os telescópios uso a retina em vez do CMOS. Acho importante lembrar disso. Astrofotografia não pode ser um fim em si mesma. E todos os objetos aqui apresentados foram descobertos com o auxílio luxuoso da visão.
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