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sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O Lobo, Mad Dog , Ngc 5822 , 5823 e um Figurante.

 


               Em tempos  que, diariamente, tenho visões da Idade Média e a nítida impressão que o saber é considerado pior que a ignorância eu, realmente, não tenho tido vontade de contar meus “causos” astronômicos por aqui. Mas uma das coisas que faz a astronomia tão atraente é sua capacidade de espalhar luz sobre as trevas. Na verdade, luz sobre as trevas é a matéria prima da mesma.

                Esta é uma ciência minha . Essa é de minha filha e filho . E não é daqueles que flertam com a Cretinália que se espalha por Sucupira. As terceiras pessoas...

                E assim, perdida em meio de um HD de 1 terrabyte, encontrei uma foto de minha última viagem observacional. Já se vão quase seis meses. Em um tempo que se podia viajar...

                Percebo claramente dois aglomerados abertos. Sei que se localizam em Lúpus. Uma constelação que nada sei a respeito. Nem mesmo o nome dos dois DSO´s que claramente percebo. A foto é nomeada “Perdido em Lúpus”.  



                Antes de descobrir quem são os dois delicados abertos (na verdade um delicado aglomerado aberto. O outro é um minúsculo aberto) decido pesquisar algo sobre a constelação que os abriga. Logo de cara descubro que estes habitam a fronteira de Lúpus com Circinus. Quase em Centauros. Para efeitos práticos ambos habitam em Lúpus. Na verdade, o menor deles invade Compasso.  Esta uma das constelações ditas dispensáveis (creio eu e discordo) por Hinckley. É uma das 14 constelações criadas e por Lacaille no Séc. XVIII.

                Lúpus (O Lobo) possui um registro muito mais antigo. É uma das 48 constelações originais descritas por Ptolomeu em seu Almagesto. Mas sua história é ainda muito mais longa.  Seu primeiro registro foi feito na Babilônia é a constelação grega é, quase certamente, conectada com a constelação UR .IDIM. O “cachorro doido”. Só por isto estão lendo esse texto.

                Mad Dog MC Cullogh foi (morreu recentemente) um grande amigo meu. Um dos primeiros maquinistas com quem trabalhei. Me ensinou como usar uma cinta de catraca e junto com isso como montar uma câmera Zenital com o auxílio de um “chapéu alto” e um pranchão. Arrumei um motivo para falar dele e de astronomia.

                Voltando de Mad Dog para Lupus a constelação é registrada também no Livro das Estrelas de Al Sufi. Durante a idade média a maior parte da cultura astronômica foi salva por astrônomos muçulmanos. Para desespero da bancada evangélica. Em algumas edições do Livro o grupo é registrado como um lobo. Em outras como um Leão. Por motivos óbvios o Lobo sobrevive no local até hoje. E o Leão em outro...

                Na antiguidade a constelação era um asterismo pertencente ao Centauro. Em uma história com várias versões este seria um animal dado em sacrifício ao quimérico ser. Não à toa uma das seis constelações com que Lúpus faz fronteira é Ara. O altar.

                Essa possui 127 estrelas com a magnitude igual o superior a 6,5. Alpha Lupi.  R. H. Allen, em seu mais que clássico “Star Names and Their Meaning”, nos diz que os chineses a chamaram de Yang Mun   e nos diz ainda que Beta Lupi era batizada como Ke Kwan. Ambas fazendo parte da constelação de Qiguãn.  Agora para desespero da bancada da TFP os chineses também foram um refúgio celestial durante as trevas religiosas que assaltaram a Europa pré renascentista.

Perdido em Lupus

                Agora vamos ao céu profundo. Os dois aglomerados abertos capturados ao acaso juntos ao pernil traseiro do Lobo são Ngc 5822 e 5823. Na foto vocês vão ver que na região habita ainda o mais discreto Ngc 5749. Uma trilogia lupina. O primeiro é um daqueles objetos dignos de nota. Um aberto que se apresenta claramente em binóculos e que no Newton (um refletor de 150 mm f8) se mostra com bastantes estrela e dá seu espetáculo. O segundo demanda mais atenção, embora, seja alvo desafiador e de grande interesse. Curiosamente o “grande” não é o famoso. Sir Patrick Moore inclui 5823 em sua famosa lista observacional, O catálogo Caldwell.  O terceiro se apresenta mais como uma estrela múltipla (com 120 X de aumento) do que um aglomerado de fato.  

                Ngc 5822 foi descoberto por John Herschel em 1836 em seu gigantesco levantamento de nébulas do hemisfério sul.  Você o vai localizar a 2,6º de Zeta Lupi.  Acho ele o mais fácil da coleção apresentada e com magnitude 6,5 há registos de ter sido percebido a olho nu de locais muito escuros. De Boa Esperança (Serra carioca) com um céu Bortle 3 eu quero acreditar que o “sinto”. De Búzios é um plano furado. No Rio até de binoculo é quase imperceptível. Com o Newton e 120X de aumento conta várias dezenas de estrelas. Não se nota grande aglomeração central.  Sua classificação Temple é II, 1 , r.  Se localiza a quase 3.000 anos luz (917 Parsecs). Parece ser um aberto “antigo”. Com cerca de 800 milhões de anos.  É um belo objeto para o “Projeto Tudo que Existe”. Um DSO grande, brilhante e que escapou de todas as listas observacionais organizadas por O´Meara na sua super completa série “Deep Sky Companions”.  Um belo objeto pouco visitado.



                Ngc 5823, embora menor, é mais conhecido e estudado. Não sei o que chamou a atenção de Moore para este pequeno aberto bem austral. Mas é a entrada 88 do Catálogo Caldwell. É um alvo telescópico. Não se apresenta bem com pouco aumento. Mas com 120 X ele apresenta aquele aspecto característico de aglomerados. Mais condensado que o anterior ele é um pequeno aberto didático para o iniciante. Aquela Pitada de sal bem fino sobre veludo negro. Céus escuros vão ajudar muito.   Como era de se imaginar foi descoberto também por John Herschel em 1836. Mais precisamente entre 15 e 20 de abril.  Localiza-lo é fácil. Partindo de Zeta Lupi você certamente vai esbarrar em Ngc 5822. Ele estará no mesmo campo da buscadora. 3 magnitudes menos brilhante ele será o aglomerado mais apagado e discreto no campo. Céu escuros. Bortle 3 é mole perceber. No Rio é quase impossível. Velo mesmo com goto. Como faz parte do catálogo Caldwell ele é facilmente achado na memória do Synscan. Se seu telescópio possui “Go To” é um passeio no parque. Sem é só ter atenção.  É um pouco mais distante. 3400 anos luz de nós.  E um pouco mais jovem. Só para dar um tempero; Mary T. Broke (Universidade de Edimburgo), em 1968, escreveu um paper alegando que Ngc 5823 não seria um aglomerado de fato. Mas suas ideias parecem ter sido provadas equivocadas. Ao observar 5823 eu apostaria nisto. Ou seria um impostor profissional. Quase um Queiroz.

                Ngc 5749 veio apenas fazer figuração neste post. 

                Atualmente quase não tenho usado o Newton para fotografar. Prefiro utilizar lentes. E o Drizzle do DSS para extrair os DSO´s. Sem acompanhamento e com o dólar a mais de 5 reais e o arroz batendo quase 7 o kilo não vou comprar um sistema de guiagem tão cedo... E assim me divirto muito mais com minha 300 mm para fotografar . E voltei a observar. Foto com lente . E o com os telescópios uso a retina em vez do CMOS. Acho importante lembrar disso. Astrofotografia não pode ser um fim em si mesma. E todos os objetos aqui apresentados foram descobertos com o auxílio luxuoso da visão. 

               

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