Começam os planos
para completar a minha peregrinação
cósmica autoimposta. Ha anos venho
buscando fotografar todos os objetos do Catálogo Lacaille para poder me dedicar
a organização de meu livro contando a história da "invenção do céu austral"
, de como um abade com equipamentos simplicíssimos conseguiu realizar o maior
catalogo de céu profundo escrito até o meio do século XVIII e apresentar o
"caminho das pedras" até as maiores joias escondidas no fundo deste céu
abaixo do equador.
A primeira coisa foi organizar
todas as fotos que já realizara e casar estas com a cópia do Catálogo que
possuo. Para minha surpresa faltavam 3
elementos ( eu achava serem somente 2...) . E sabendo os butins que faltavam organizar uma expedição até um local
mais escuro que a" Stonehenge dos Pobres"" que vem sendo muito
prejudicada pela já eterna obra de um metro que não vai ficar pronto dentro do
prazo . As olimpíadas no Rio vão acontecer em uma cidade inacabada e repleta de
canteiros de obras que receio acabem ficando assim por muito tempo. No fim a
cidade vai estar falida , a olimpíada vai ter acabado e será novamente
confirmado que políticos no Brasil são péssimos administradores e coisas ainda
muito piores...
A Armação dos Búzios seria a
escolha mais óbvia e tradicional. Afinal o Catalogo foi inteiro capturado ou da
Janela da Stonehenge dos Pobres ou de Geribá. Mas a casa lotada de gente e eu
precisando aproveitar esta lua nova antes de recomeçar a minha eterna luta pelo
vil metal achei que seria uma boa ideia levar a família
inteira para a Serrinha do Alambari. Um belo refugio entre Penedo e Visconde de
Mauá que me garantiria céus mais escuros que a Armação. Achei uma simpática e
barata Pousada localizada a cerca de
1000 metros de altitude que me parecia perfeita para a missão. E assim lá foi
toda família. Eu, Newton, Mme. Herschel
, a cara metade e as crianças . A já nem tão mais nenenzita "
Nenenzita" ( ela odeia o carinhoso apelido. 12 anos são uma idade dura). E
o Fofusko com seus fofos 2 anos...
Antes de partir fiz algo que
todos diziam ser um erro e uma temeridade. Limpei o sensor de minha câmera. E
para isto usei apenas uma folha de Rosco Paper. Um papel utilizado para limpar
lentes e que já utilizei ( também contrariando todos os "especialistas") para
limpar os espelhos do Newton ( meu refletor 150 mm f8) ... Funcionou que foi
uma maravilha.
E Assim possuía 3 alvos pré
determinados e que não retornariam ao porto sem combaterem o Nuncius Australis
com todos os panos levantados e com a "Jolly Roger" tremulando.
Antes de partir chequei todo o
equipamento e espanei a poeira. O check list foi completo ( pelo menos achei
que seria...) e levei as seguintes
oculares :
ü
A nova 40 mm ( ganhará em breve um post só
dela...)
ü
A 25 mm wide field Skywatcher
ü
A minha favorita 17 mm
ü
A nem tão boa e velha 10 mm
ü
E uma 5 mm suspeita mas que poderá ser util com
alguns planetas...
ü
Uma Barlow 2X ( Skywatcher "de
fabrica")
ü
Duas velhas Kellner que são uma espécie de
amuletos dos tempos do "Galileo" ( meu bom e velho refrator 70 mm f
13)
Comprei
ainda uma imensa prolonga com 10 metros de fio paralelo 2,5 mm para garantir
que conseguira operar de um local bem escuro no terreno da simpática e humilde
pousada.
Apesar de
durante o inicio do ano a Fortuna me ter sorrido a vida de gaffer freelancer no
Brasil é sempre cheia de altos e baixos e ainda estou pagando tanto a Mme.
Herschel ( uma cabeça equatorial HEQ 5 Pro) e meu novo carro que possui uma
mala onde posso transportar tudo que a
cara metade exige e mais meu brinquedos...
Em momento tão delicado da vida politica e econômica na nação temo dizer
que o dolar alto me ajuda um pouco( assim os gringos vem filmar por aqui e são
meu nicho favorito de trabalho.) . Mas
em compensação a cara metade perdeu o emprego junto com milhares de
brasileiros. São tempos de incerteza e poder observar o céu permite-me manter o
Rivotril em doses minimas...
Chegando
ao meu destino me organizo para começar a diversão. Esqueci os contrapesos de Mme.
Herschel. Entre a ira e o panico me lembro que a necessidade é a mãe da
invenção e fabrico um contrapeso com uma lata de leite em pó e pequenos seixos
que abundam na beira do Rio Pirapitinga. A Primeira noite não dá muito certo
apesar de um deslumbrante céu. Depois de muito apanhar descubro que preciso de
mais peso na montagem e que um kilo de chumbo pesa mais que um kilo de
seixos...
Com o
auxilio de uma garrafa pet e de mais pedras acabo conseguindo que Mme.
Herschel ache um ponto de quase equilíbrio e consigo fazer algumas fotos de
Acrux e da Caixinha de Jóias .
Começo a me preocupar com o " Projeto
Lacaille". Fico horas lutando com M
83 e não consigo à localizar . Refaço o
alinhamento do "go-to" da cabeça varias vezes mas ela não chega nem
perto de algo chamado precisão. Sabia
que havia realizado o alinhamento polar com displicência , utilizando apenas a
bussola do I Phone como instrumento de precisão. Com um contrapeso
desequilibrado era abusar demais da boa vontade de Mme. Herschel. Não estava
nem em Buzios e nem na Stonehenge do
Pobres onde sei " de ouvido" onde é o sul. Era um local novo e eu não
deveria ser tão relaxado. Dou uma olhada em Jupiter e mais alguma bobagens . Como
estava exausto devido a um mês de muito trabalho e de uma noitada animada na
véspera acho melhor me retirar para combater com mais vontade na próxima
noite.
Poço das Esmeraldas |
No dia
seguinte fiz um belo passeio com a família e visitamos varias cachoeiras que
residem dentro do terreno do Camping Club do Brasil. Reza a lenda que o Camping
da Serrinha é o melhor do Brasil. Depois
de um "almojantar" na cantina do camping fiquei com medo de imaginar
como seriam os outros campings do país...
De
volta a minha bela , aconchegante e
escura pousada me preparo para a noitada decisiva no projeto. Melhoro ao máximo
meu contrapeso "paraguaio" e realizo um alinhamento polar bem preciso
com o auxilio de Avior. Não gosto de realizar o "método do drift" e
assim utilizo uma técnica que embora mais preguiçosa é bastante eficiente.
Agora é a
hora da verdade. Com Mme. Herschel alinhada com o polo parto para o alinhamento
do "go-to" da montagem.
Utilizo a rotina de " Two Star Alignment" do menu do Synscan. Acrux e Alpha Centauro são as estrelas
guias...
Com o
contrapeso tosco me dou por feliz quando todos os alvos que indico acabam dentro do campo da Buscadora. As vezes dentro da ocular 25 mm.
Comprei
recentemente uma ocular 40 mm. Ela finalmente justificou sua presença em meu
kit. Seu grande campo me ajudou muito na
localização de alvos. O "go-to" ficou um pouco errático devido ao
tosco contrapeso utilizado. Mme. Herschel ganhou ainda mais o meu respeito e se
mostrou-se uma companheira valente e sem frescuras...
Ngc 2546
é o Lacaille "mais fácil" que preciso fotografar. Um grande
aglomerado aberto e que é rapidamente localizado na buscadora. Faço uma poucas
fotos e reparo que o além de um alinhamento polar menos que perfeito e com um
erro periódico bem aumentado devido ao
set up improvisado o meu querido "Newton" ( um telescópio
refletor de 150 mm f8) esta bem
descolimado. Penso a respeito e como
astrofotografia aqui no Nuncius esta mais para "arma de destruição em
massa" que para sétima arte deixo tudo como esta e faço mais algumas
fotos. Com apenas 10 exposições de 20 segundos
em 6400 asa o resultado final não é lá estas coisas. desconfio que o Deep Sky
Stacker ( um sofware utilizado para "empilhar" fotos ) não gosta
muito de trabalhar com ASAS altas. O ruido da imagem o confunde e as vezes leva
a " desastres binários". ( resultados de empilhamento desastrosos e
sem nenhuma qualidade...) . Não chegou a tanto mas o resultado ficou ( na
melhor das hipóteses) a la " anos 70". Pelo menos é um alvo fácil , que não demanda o céu escuro que possuo e posso refazer as fotos sem maiores esforços...
No Deep Sky Stacker |
No Rn´S +PS |
Agora a
hora da verdade de novo. M 83 é , disparado, o alvo mais difícil de ser avistado no Catalogo Lacaille. Mas com
paciência e perserverança acabou fotografada. Foram utilizados todos os truques que conheço.
Respirar fundo , visão periférica , tapinhas no telescópio e reza braba. Não
sei qual deles funcionou mas acabei percebendo a peça na buscadora... E assim
percebi que a missão seria cumprida. Senti um tremendo alivio e abri uma
garrafa de tinto.
M 83- 30X 25 seg ASA 3200 |
Com
muitas imagens realizadas e com imagens feitas tanto em 6400 ASA e 3200 ASA o
pós processamento das imagens de M 83 foi trabalhoso e o DSS não quis ser legal
comigo. Mas incrivelmente os resultados obtidos com uma mistura de Fitswork ,
RnS e Photoshop foram mais que satisfatórios. Mas admito que os primeiro
resultados obtidos com o DSS me deixaram preocupado. A coisa entre eu e M 83
estava se tornando pessoal...
Falatava
apenas fotografar Ngc 4833. Um discreto globular em Musca. Com M 83 na guaiaca parece-me que o
"go-to" resolveu me dar uma moleza e ele aparece centralizado na
ocular 25 mm. Faço diversas exposições
do ultimo Lacaille que me faltava fotografar. Este o DSS não cria problemas...
Ngc 4833 - 12X 25 seg - 2X Drizzle |
Entre o
inicio da empreitada e o final se passaram cinco anos , três binóculos , dois
telescópios , duas câmeras fotográficas
e três montagens equatoriais.
Agora era
só alegria e coloco o Synscan da montagem para me guiar. Ele oferece um tour
pela objetos mais interessantes da noite e assim não preciso sequer olhar para
o Sky Atlas ou para o Stellarium.
Com Mme.
Herschel finalmente se entendendo bem com a gambiarra eu começo a
devanear de como ela deveria ser
esperta. Ou pelo menos de como as engrenagens nela estavam bem azeitadas e
resistindo bem ao tranco. E com a 40 mm calçada o Tour me leva direto até Ngc
5138. Centauros A . Uma galáxia muito fotogênica e que é bem mais fácil de ser
observada que M 83. Novamente o DSS não
se mostrou a melhor solução para o
material capturado. Embora tenha se
saído melhor que com M83. É o único
objeto fotografado nesta noite que não foi registrado pelo Abbe. Não sei como
visto que reside em uma área explorada por este e certamente ao alcance de quem
" descobriu" M 83...
DSS |
Rn´S +Fitswork - 30X 25 seg 6400 asa. |
Depois a
40 mm faz a festa em seu terreno favorito . Grandes aglomerados abertos. E revisito
e faço alguns rápidos registros de M6 ,
M 7 , Eta Carina e M 4. Todos membros do
Catalogo Lacaille
M 6 |
Gostaria
de frisar que escolhi a posição do telescópio visando ver o que chamo de
"meu céu". Este é olhando para o horizonte sul e engloba o que
considero a mais bela região da Via Láctea. Se estende de Sagitário e Escorpião
, cruza o conjunto entre Centauros e Crux ( e as constelações da Família
Lacaille ) se estendendo pela finada constelação de Argos e abraça o Cão Maior.
Depois a Via Láctea já adentra uma area
mais equatorial que embora linda não é mais o que podemos chamar do Céu do Sul.
E já não mais visível da Stonehenge dos
Pobres...
Agora já
vai tarde e percebo quão maravilhoso esta o céu. Entre 3 e 4 na Escala Bortle. Bortle 3 implica em que globulares brilhantes
como Omega Centauro , M 22 e cia Ltda sejam facilmente visíveis a olho nu. Eles
estão lá firmes e fortes . Não só isto. Ngc 2516 ( percebo estrelas individuais
neste...) , Omicron Velorum e diversos abertos ao longo da via láctea são
óbvios mesmo com visão direta. Mesmo alvos mais difíceis como Ngc 6124 ( que
sempre achei impossível ver a olho nu e me fez achar que O´Meara era um cara
exagerado...) eram percebidos sem esforço sobre humano. Estrelas de 7a magnitude são
percebidas.
Guardo
todo o material agradecendo a Mme. Herschel pelo esforço e me deito em uma
canga com a caneca de vinho ao meu lado e fico namorando este céu até 4 da
manhã. Fico tentando identificar a estrela mais tênue que consiga perceber .
Mas não consigo definir qual é esta. Sempre parece ser possível ver algo mais
fraco. Se o céu na Serrinha fosse feito
de alguma coisa seria de um cristal bem
fino. Assim como o céu que Lacaille
encontrou na Cidade do Cabo nos idos de 1751...
Agora de volta
a astrofotografia. Não poderia
deixar de falar do registro obtido da Nebulosa de Carina. Como falei o DSS
parece não ter gostado das capturas feitas na Serrinha. Pelo menos da maioria
destas. Me é então muito surpreendente que as 13 fotos que fiz da Nebulosa
acabem sendo todas aceitas pelo mesmo e apresentando uma qualidade final muito
acima do que poderia esperar. Definitivamente existem coisas que não se
explicam no mundo digital... E no mundo mêcanico também. Por alguma razão o
acompanhamento destas treze fotos foi melhor que os outros. Gostei muito do
resultado final. Já realizei fotos com muito mais tempo de exposição somada da
nebulosa mas acho este o melhor resultado que já tive na região. Creio que o
céu escuro e a posição quase meridiana no momento da captura tenham
ajudado...
M 7 |
Ainda no
campo do pós processamento percebi que em muitas das capturas os resultados do
DSS apresentaram um dos canais enlouquecido. Geralmente o azul . No histograma
o azul apresentou formas muito loucas e dominou a paisagem. Creio ter algo a
ver com dark frames mas não posso garantir. Ajustando muito no próprio DSS
conseguia atenuar a coloração mas permanecendo muito ruido. Nunca tinha tido
este problema. As fotos de M 4 abaixo
representam bem o problema...
DSS "dando defeito". A foto acima foi processada no próprio DSS e no PS. |
Resultado do DSS antes de algo ser feito em prol da causa... |
Felizmente
existem opções menos temperamentais que o DSS. Em especial o Fitswork e o bom e
velho Rot n´Stack. E assim acabei conseguindo resolver todos os obstáculos que
se apresentaram.
Pretendia
ainda ter mais uma noite para explorar o Aglomerado de Coma-Virgem. Mas o tempo virou e esta região não tão minha conhecida ( não é o
" meu céu"...) ficou para a próxima.
Viva os
céus escuros!!!
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