Ngc 2392 é mais conhecida como a Nebulosa do
Esquimó . Trata-se de uma Nebulosa
Planetária de longa história. Era um alvo que ha anos eu ouvia falar mas nunca
a havia observado. E como astronomia observacional é uma pratica mais associada
ao sentido da visão que aos ouvidos eu
finalmente me dignei a visitar esta maravilha.
Ngc
2392 é um dos mais populares DSO que conheço. Ele esta presente em grande parte
dos guias observacionais que possuo e sua história remonta vários séculos de
observação.
A
primeira vez que tomei conhecimento desta foi
(mais uma daquelas coincidências que nada tem a ver com leis fundamentais)
no primeiro guia observacional que comprei.
Já falei aqui e vou falar de novo: Todo telescópio de pequeno porte
deveria vir acompanhado de "Turn Left at Orion". Outra coisa que
sempre falo por aqui e vou repetir : é uma vergonha não existir uma versão
traduzida do mesmo e publicada no Brasil... Na verdade eu
percebi que entre os objetos sugeridos para o inverno ( quase todos os guias
observacionais são escritos pensando -se no hemisfério norte. ) no " Turn Left..." só me faltava observar 2392. Irresistível.
Nebulosas
Planetária costumam apresentar um brilho de superfície alto. O que faz delas um
excelente alvo para locais com poluição luminosa. Por outro lado geralmente
possuem um tamanho pequeno o que os faz difíceis de serem diferenciadas de
estrelas de campo . Assim demandam certa experiência do observador.
Chegar
até "O Esquimó" pode ser um longo caminho. Sou um apaixonado pelas
histórias de exploração dos polos. E
assim não posso deixar de pensar em trenós puxados por cachorros e em Amundsen
em suas sagas polares. Desta forma imagino a logística desta missão como uma
longa expedição polar. Em primeiro lugar você deve localizar a constelação de Gêmeos.
Suas estrelas mais brilhantes são Castor e Pollux. São Alpha e Beta Geminorum respectivamente. A
Imagem dos Gêmeos é algo até viável de se conceber e assim
localize o Gêmeo encabeçado por Pollux e descendo pela figura ( é o gêmeo mais
a leste...) localize Wasat ( Delta Geminorum).
É uma estrela de magnitude 3,5 na altura da hipotética cintura de
Pollux.
Wasat
por si só é um alvo dos mais interessantes . É a entrada de numero 283 no
catalogo Bedford . Smyth (em seu "Cycles of celestial Objects") nos
dá uma interessante dica sobre como certificar-se de que estamos no local
correto :
" Uma das estrelas de
Greenwich de 2o classe na cintura direita de Pollux e esta exatamente no centro de uma linha que liga o " Praesepe" ( o
aglomerado M 44 em Cancêr) a Zeta Tauri no chifre sul de Touro e quase sobre a
linha que liga Castor a Sirius" .
Ele
ainda nos diz que trata-se de uma dupla de belo contraste com uma
primaria de um branco pálido e uma secundaria roxa. " ... Este delicado objeto é difícil de
se medir a distancia , devido a disparidade, mas não é uma das
mais difíceis estrelas nos céus. "
Wasat vem do
Arabe al-wasat. O meio ou o Centro...
Antes
de retomarmos a nossa expedição rumo ao "Iglu mais longe do Universo" eu gostaria de apresentar um daqueles descaminhos pelo conhecimento inútil que torna a
Astronomia tão adorável.
Em
seu "Cycles" Smyth se refere a diversas estrelas como sendo uma das
" Estrelas de Greenwich" e depois dando uma classe a estas. Elas
podem ser de 1a , 2a ou 3a. Nunca tinha ouvido falar
nisto e sempre achei que Greenwich era mais conhecida pelo observatório que
pelos açougues. E Assim fui caçar a origem desta classificação. Localizei sua origem em um dos mais obscuros papers de todos os tempos: Publicado no
abrangente" Philosophical Magazine and Journal cohmpreending the various Branches
of Science ,the Liberal and Fines Arts,
Agriculture, Manufacture and Commerce " este paper (perdido entre um estudo sobre a costa
da Austrália e outro estudo a respeito da melhor forma de se bater um prego no sensacional "Almagesto do Século
XIX)", nos conta que foi publicado
pela Astronomical Society of London em 1 de janeiro de 1830 um reduzido
catalogo com 3500 estrelas realizado a partir dos levantamentos de Flamstedd ,
Lacaille , Bradley, Piazzi , Mayer e Zach.
Nas tabuas elaboradas a partir dese catalogo as estrelas foram
classificadas em três classes:
·
Estrelas de 1a classe- Estrelas de
até 5a magnitude situadas em qualquer lugar do céu ...
·
Estrelas de 2a Classe- Todas as
estrelas de até 6a magnitude ( inclusive) situadas até 30o do
equador
·
Estrelas de 3a classe- Todas as
estrelas até 7a magnitude até 10o da eclíptica
Definitivamente
não encontrei nenhuma razão obvia para tal classificação embora o autor garanta
que este é o melhor sistema para a classificação de estrelas em tabuas náuticas e celestes. A lógica inglesa levou a tragédia no caminho até o polo sul...
(veja aqui)
Tendo
chegado ao meio do caminho chegar até 2392 se torna mais árduo. A perna final
da expedição é mais complexa . Afinal Wasat é facilmente visível a olho nu
mesmo em locais de forte poluição luminosa mas "O Esquimó é difícil de ser
percebido com pequenas ampliações e mesmo com minha ocular 25 mm é difícil diferenciar a nebulosa de
outras estrelas no campo. Localizar 2392 sem auxilio de go-to é um exercício de
paciência . Não é difícil chegar até o campo que você busca . Porém identificar
quem é quem pode ser um pouco mais complexo.
Entre
os caminhos já trilhados existem trilhas de diferentes dificuldades. Como já
falei Ngc 2392 está em muitos guias observacionais. Localizei o a bela nebulosa
planetária no já citado
"Cycles" , no "Deep Sky Copanions: The Caldwell objects" e
no "Herschel´s 400 Observing Guide" ambos de O´Meara , no também já
citado " Turn Left at Orion" e no "Skywatch" de Phil
Harrigton.
Embora
não seja duríssimo chegar até nosso alvo os caminhos a partir de Wasat são
variados.
O "Abismo O´Meara" é confuso é sua proposta parece contar
com locais de céu bem escuros já que ele imagina que veremos estrelas
bem tênues a olho nú...
Já
o "Planalto de Smyth" é bastante vago. O Esquimó esta a cerca de 2,5o
de Wasat. É tudo que se sabe...
A "Trilha Harrigton" é uma boa opção e apesar de uma descrição menos didática é provavelmente o mesmo caminho proposto em "Turn left...".
Esta consiste em depois de você ter chegado até Wasat centralize esta na sua
buscadora e procure um triangulo reto de estrelas de 6a magnitude cerca de meio campo a
sudeste desta. Centralize na estrela mais ao norte do triangulo e com sua maior
ocular escaneie a região. Ngc 2392 vai estar cerca de 0.5o a sudeste
desta. Dentro do campo de minha 25 mm. Preste atenção e vai perceber que a estrela
não faz foco. Troque a ocular para conseguir mais ampliação e vai perceber a
Nebulosa planetária. Sua forte cor a zulada vai recordar um disco planetário e
explicar a razão porque tais estruturas são chamadas de nebulosas planetárias.
Mas
certamente o caminho mais fácil e bem descrito é " The Consolmagno Road" apresentada no
"Turn Left at Orion". : Com Wasat na buscadora perceba um triangulo equilátero onde Wasat é a
estrela mais brilhante. A Estrela a nordeste deste triangulo é 63 Geminorum . Ela
vai possuir duas companheiras bem modestas porém visíveis na buscadora.
Centralize na primeira delas e mova o telescópio o diâmetro de cerca de uma lua cheia para sudeste. Chegou!!!
( 63 Geminorum é outra parada interessante no caminho de
2392. Uma dupla fácil e membro do catalogo Bedford que acompanha o "Cycles of Celestial
Objects" de Smyth).
A
Nebulosa do Esquimó merece seu nome e mesmo em pequenos telescópios é possível
perceber sua estrela central como o rosto de nosso Inuit e as partes expelidas
da "atmosfera" da estrela serão sua parka.
Ngc
2392 e uma descoberta de William Herschel e sua descrição é bem fidedigna e
justa: " ( Observada em 17 de janeiro 1787) Uma estrela de 9a magnitude com
uma nebulosidade leitosa bem brilhante em todo entorno. Um fenômeno bem notável.
"
Em
seu "Caldwell Objects" O´Meara nos conta que o filho de Herschel ,
John, examinou a descoberta de seu pai com um refletor de 450 mm e concordou
com este. Ele observou " uma estrela de 8a magnitude exatamente
no centro de uma atmosfera exatamente circular". Ele segue nos dizendo
que o termo atmosfera era apropriado para o seu tempo. Durante o séc. XIX ,
quando Herschel ( filho ) virava sua atenção para os céus, as ideias de Kant (
em 1755) de que o sol e os planetas nasceram de uma nuvem giratória de
gás e poeira fazia sucesso ( com razão) . Esta era ( e ainda é ) a Hipótese nebular. A
visão de nebulosas planetárias parecia suportar a hipótese. Na verdade a
hipótese de Kant demorou seculos para se confirmar e nebulosas planetárias nada tem a ver com isto. Mas eram outros tempos. E a visão destas pode dar asas a estas idéias de forma bastante justificável.
Nebulosas
Planetárias são uma das mais fugazes etapas da evolução de estrelas
como o nosso sol. Depois de passarem por sua fase de gigante vermelha tais estrelas expelem sua camadas mais exteriores ( " sua
atmosfera") e esta vira este belo detalhe decorativo ao redor de uma anão
branca que irá queimar por muito tempo ainda. A nebulosa em si dura alguns
milênios. Um breve suspiro em escalas cósmicas.
Ngc
2392 sera um esquimó por uns poucos milhares de anos. Acredita-se que ela já tenha 10.000 anos. Como está a 5000 anos de nós ela deve ser visivel desde a aurora da História. Aproveite esta
coincidência para visitar um dos "Iglus
mais distantes do Universo" e aproveitar
a deixa para ver uma anã branca. Geralmente não se percebe as anãs branca no
centro de Nebulosas planetárias. Este
DSO resiste bem a grandes aumentos e utilize o máximo que o seeing permitir.
Realizei
algumas dezenas de exposições de 25 segundos com o Newton ( um refletor de 150 mm f8) e
utilizando uma Canon T3 com asa 1600 buscando revelar o máximo de detalhes . A
montagem utilizada foi uma HEQ 5 pro de Skywatcher. Variando as opções de pós
processamento no DSS , Photoshop e Fitswork cheguei a resultados diferentes. As que mais gostei
preservaram bem a cor azul que é o que mais chama a atenção junto a ocular. Com
o uso de Drizzle consegui alguns detalhes mas as custas de perder aquela bela
coloração turquesa. Acredito que poderia
ter conseguido melhores resultados utilizando uma barlow na captura.
Pretendo
retornar ao "Iglu mais longe do Universo". Nebulosas Planetárias são
alguns do DSO`s mais fotogênicos que conheço.