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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Ngc 3201: O Globular Bishop- Thorton e o Telescópio de Dunlop



         Ngc 3201 é um dos mais interessantes globulares que conheço. Visualmente falando é um dos mais cativantes. Cobre uma área grande de ocular e com um brilho de superfície mais baixo que a média não é um oferecido que se resolva a primeira olhadela.
A primeira vez que o observei era noite de lua bem cheia e este tinha aquele aspecto assombrado das coisas que esbarram com o existir. Mas que com um olhar atento este começa a apresentar formas muito além dos esfuminhos arredondados que caracterizam muitos globulares. Neste primeiro encontro, com ajuda de visão periférica, percebi inicialmente o seu existir. Depois que este não tinha a forma arredondada e regular típica da maioria. E finalmente suspeitei de um “v” sobre sua superfície formado por estrelas mais brilhantes. Algo como a barra que caracteriza M 4. Fiquei muito satisfeito com minha visão quando essa estrutura surgiu de forma inequívoca após sua captura fotográfica. Naquela noite eu o chamei de Aglomerado Fantasma por recordar, de certa forma, o ainda mais fugidio Ngc 5897, em Libra e o verdadeiro Aglomerado Fantasma.
Ngc 3201 é um dos “100 de Dunlop”. Lista onde reúnem-se os 100 objetos mais significativos do catalogo organizado por James Dunlop nos anos de 1820. O Globular é uma descoberta original de Dunlop e este o descobriu na noite de 1 de maio de 1826. É a entrada D 445 do já citado catalogo.
“James Dunlop: (maio 1, 1826): Uma bem grande, bem brilhante arredondada nebulosa ,4´ ou 5´ de diâmetro, gradualmente condensado em direção ao centro, facilmente resolvível em estrelas, o formato é mais para irregular e as estrelas são consideravelmente espalhadas no lado sudoeste. As estrelas são também de magnitudes levemente misturadas.”

13X 30 Seg Iso 1600 + 7 darks. Empilhadas no DSS e pós no PixIn Sight-Canon T3 e Newton 150 mm f8
A foto que abre o post foi submetida a 2X Drizzle no DSS.

Como é de se esperar telescópios diferentes e noites diferentes chegam a resultados diferentes. O telescópio de Dunlop era um refletor de 230 mm com uma distância focal de 2740 mm. Ou seja um 230 mm f 12 (F 11, 9 para os mais Caxias). Com um espelho especular. Glen Cozens, Andrew Walsh e Wayne Orchiston, em um paper intitulado “James Dunlop´s Historical Catalogue of Southern Nebulae and Clusters”, apresentam uma interessante equação que permite comparar o telescópio de Dunlop com um telescópio moderno com um espelho aluminizado. Chegam a conclusão que este seria comparável a um telescópio de 160 mm atual. Isto depois de 6 meses de uso. Pela magnitude máxima dos objetos descobertos por Dunlop eu imagino que o Telescópio de Dunlop e o meu “Newton” (um newtoniano 150 mm f8) lutem uma briga justa.
Eu, definitivamente, vejo um aglomerado maior que os 5´ ou 6´ descritos por Dunlop. Algo entre 15´ ou 20´. Mas provavelmente devido a noite clara não posso concordar que o mesmo se resolva facilmente. No mais concordo em gênero número e grau com a descrição do “Astrônomo Cavalheiro de Paramatta”.  Estrelas com alguma variação de magnitude são obvias graças ao” V” já citado. E esparramadas em um dos lados garantindo o formato irregular.
Não bastando seu apelo visual Ngc 3201 é uma espécie de renegado. Um daqueles objetos que parecem caminhar na contramão do universo. Literalmente.
Como nos conta O´Meara em seu “Southern Gems”, um dos poucos guias observacionais dedicados as maravilhas do céu austral, não há “em cima” ou “embaixo” no espaço. Os equivalentes celestiais de norte, sul, leste e oeste são convenções uteis que nos permitem ver as engrenagens de nosso universo. Ao adotar estas convenções permitiu-se aos astrônomos encontrar certos padrões no esquema cósmico das coisas. Por exemplo: a maioria dos planetas em nosso sistema gira em seus eixos de oeste para leste. Mas Vênus é retrogrado. Lá o sol nasce no Oeste e se põe no Leste...  Da mesma forma que alguns renegados parecem andar na contramão no nosso sistema solar existem diversos corpos que correm contra a maré na galáxia. Embora a grande maioria das estruturas girem ao redor do centro galáctico em um sentido há uma minoria que não acompanha o padrão. Ngc 3201 é um dos exemplos mais famosos deste bando de renegados. Quem já viu (e lembra...)  “The Wild Bunch” (Meu Ódio será sua Herança nos cinemas nacionais) vai entender o apelido que dei ao aglomerado. O Globular de Bishop- Thornton.


Ngc 3201 tem uma idade estimada de 16 bilhões de anos (globulares são algumas das estruturas mais velhas do universo) e reside no halo galáctico a 17.000 anos de nós e a cerca de 30.000 anos do centro galáctico. Sendo um globular cheio de detalhas especiais é o aglomerado com a maior velocidade radial conhecida e se aproxima de nós a incríveis 490 km por segundo. Mesmo se removendo o efeito da velocidade do sol ao redor do centro galáctico (lembre-se que Ngc 3201 caminha na contramão...) ainda restam 240 Km por segundo. A velocidade não permite que este escape da galáxia. Mas permite suas excentricidades. Quando falo em excentricidade me refiro ao aspecto humano do termo e não de orbitas. Mesmo que possa. 
Apesar de tantos traços especiais Ngc 3201 continua sendo um globular “típico”.  Não parece tratar-se de um globular capturado por nossa galáxia nos primórdios de sua formação.  Nada também impede que seja o núcleo de uma galáxia anã. Algumas teorias defendem que o halo galáctico inteiro tenha sido formado desta maneira.

Localizar Ngc 3201 não é tão fácil como pode parecer. Primeiro localize o asterismo do falso cruzeiro. Depois localize m Velorum (O topo da Vela) logo a oeste p Velorum. A distância entre estas é uma unidade. Alongue esta linha duas unidades rumo a oeste e você vais estar por perto de Ngc 3201. Em tese ele será perceptível pela buscadora em um local escuro e em noite sem lua. Eu mesmo nunca o percebi pela buscadora.
O seu “v” é uma das estruturas mais marcantes que já percebi em globulares e conseguir nota-lo sem sequer ter resolvido estrelas neste é um desafio observacional extremamente prazeroso. Ele é notável mesmo utilizando o “Galileo” (um refrator 70 mm) com 45 X de aumento.  Começo a resolve-lo com 120 X no “Newton”. Em noites escuras.
Um lindo globular que caminha na contramão. Seu aspecto chamou também a atenção de Sir Patrick Moore que o inclui em sua lista que reúne o DSO´s mais interessantes que não tenham sido descobertos por Messier. O Catalogo Caldwell. Neste é C 79.

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