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domingo, 24 de fevereiro de 2019

Ngc 2808 e o Ciume de John Herschel


             

            Ngc 2808 é um aglomerado globular ímpar. O fato de ter sido descoberto por Dunlop e ter sido a entrada de numero 265 (D 265) torna esta informação mais digerível e certamente acalmará matemáticos que sofram de T.O.C.
                Sendo um dos “100 de Dunlop” era um alvo que eu havia separado para última temporada observacional na Serra. Depois de ter encerrado minha missão “self-inflicted” com o Catalogo Lacaille arrumei uma nova sina astronômica. Devo observar, fotografar, apresentar e transformar em um guia observacional os 100 objetos mais interessantes descobertos por Dunlop.  A lista, acredito, ter sido definida por Glen Cozens.

5 X 30 Seg ISO 1600 canon T 3 Newton 150 mm f8. DSS + PixInsight. 

                Dunlop foi um astrônomo de certa forma injustiçado. Seus contemporâneos, ignorando os parcos meios que este possuía, inicialmente lhe renderam alguma gloria. Este recebeu a “Gold Medal of the Astronomical Society of London” por seu catalogo com 629 entradas. Em tempos que o preconceito era moeda corrente ele não pode ir recebe-la pessoalmente. Em uma sociedade “de castas” como a Inglaterra do século XIX um “camponês” como ele não era autorizado a frequentar locais tão elitizados como a “Burlington House” em Piccadilly. Mesmo que nos anos de 1820 a maior parte de seus membros fossem os chamados “gentleman astronomers” em vez de profissionais.  
                Porém o mesmo John Herschel que lhe concedeu a medalha em seu posterior levantamento dos céus austrais só foi capaz de localizar 34% das entradas (211 objetos) realizadas por Dunlop e suas críticas (nem tão duras) foram amplificadas por alguns “Gentleman astronomers” e levaram a um descrédito do trabalho de Dunlop. Este só foi redescoberto e reconhecido em seu hercúleo esforço já no final século XX. Sobretudo devido a trabalho de Cozens que localizou mais de 300 objetos do catalogo.  E como Herschel era o “cara” que deveria descobrir os céus austrais (como seu pai o fizera no hemisfério norte) uma certa dose de ciúme profissional pode ter levado a que o catalogo Dunlop tenha sido ignorado durante muito tempo.  Afinal o “creme de lá creme” foi observado por Dunlop antes de Herschel...  Agnes Clerk (biografa dos Herschel) mesma disse que o céu austral já havia sido “profanado” por Dunlop.
                De volta a Ngc 2808 poderemos ver bem como esta história se desenrola...
                Apesar de brilhante este objeto escapou ao modesto levantamento realizado por Lacaille no Sec. XVII. Avistado pela primeira vez por Dunlop em 7 de maio de 1826 ele deixa a seguinte descrição: “Uma nebulosa arredondada muito brilhante, com 3´ ou 4´ de diâmetro, extremamente mais brilhante em direção ao centro. Esta possui uma bela aparência globular. (D265)”.
 
5 Exposições de 30 seg ISO 1600 Canon T3 Newton . DSS 3 X Drizzle. 
                Ngc 2808 parece ter feito uma grande impressão sobre John Herschel. A ponto de este acabar por muito falar  do objeto. Realizou diversas observações do mesmo e parece ter ficado cada vez mais admirado com o que via. Foi ele que certamente resolveu o aglomerado em estrelas. Sua última observação demonstra claramente seu fascínio pelo objeto: “Aglomerado globular, extremamente concentrado belamente e gradualmente muito mais brilhante em direção a centro; até um perfeito fulgor; diâmetro em ascensão reta de 26.8 segundos ( de tempo) . Estrelas de 16a magnitude (todas finamente resolvidas em perfeitamente iguais estrelas). Ascenção reta duvidosa. O Espelho estando em uma case (e depois em desuso)”.
                A alegações finais a respeito da ascensão reta são confusas e não sei se se referem a entrada de Dunlop ou se o próprio Herschel teve alguma dificuldade em realizar a medição.
1 Exposição de 8 seg. Muito semelhante ao que vc verá com um 150 mm com 45 X de aumento. 

                Eu observei Ngc 2808 com diversos instrumentos ao longo de vários anos. Com o uso de binóculos o mesmo é uma daquelas estrelas “cabeludas” que revelam sua natureza diferenciada facilmente. Mas não mais... Com o Galileo (um refrator de 70 mm f 13) com 90 X é um esfuminho sem nenhum tipo de resolução, mas que tem lá seu charme. Pequeno. Com o Newton (um 150 mm f8) ele começa a se resolver nas bordas e tem mais charme. É um globular bastante concentrado e de centro realmente bem brilhante. Mas não entra na minha lista de favoritos... A concorrência no “mundo dos Globs” é terrível. Especialmente aqui pelo hemisfério sul.
Com telescópios menores vc deve esperar por algo assim. 

                Localizado a 31.000 anos luz de nós Ngc 2808 apresente grande interesse cosmológico. É um Globular Galáctico “anômalo”.
                Como sabemos globulares se dividem em dois grandes grupos. Os de “halo” e os “galácticos”. Enquanto os primeiros repousam no halo galáctico e tem uma metalicidade mais baixa os segundos caminham no disco galáctico e tem uma metalicidade mais alta.
                Ngc 2808 possui um ramo horizontal (Horizontal Branch . Daqui para frente HB) com forte desvio para o azul. O Ramo Horizontal demarca o momento que as estrelas de um globular transitam para depois do estagio de Gigantes vermelhas e passam pelo chamado “Flash de Hélio”.  Em Geral os Globulares galácticos possuem um HB mais e mais azulado (do que seria esperado para sua metalicidade) conforme diminui sua metalicidade. Porém muito s globulares acabam escapando deste padrão e possuem um HB com o as “pontas azuis” alongadas.  (EBT. Extend Blue tails). Este fenômeno implica que algumas de suas estrelas do HB perdem todo seu envelope durante a fase de gigantes vermelhas do ramo.  Além disto alguns globulares “EBT´s” possuem “falhas” na sua população estelar. Faixas claramente “subpovoadas” de estrelas.  Nenhuma explicação clara para isto foi até hoje encontrada.  
                Certamente Ngc 2808 representa um dos casos mais extremos destes Globulares “anormais”.  (L. R. Bedin 1 , G. Piotto 1 , M. Zoccali 1 , P. B. Stetson 2 , I. Saviane 1 , S. Cassisi 3 , and G. Bono 4 – 2000). 
                Na verdade, seu HB chama atenção desde 1974 quando Harris percebeu que seu HB é extremamente incomum.  De fato muito rico, em estelas azuis e vermelhas em seu HB, mas este faltando completamente em objetos com coloração intermediaria.

                 Apesar de considerado um globular galáctico "anormal" atualmente ha alguns "papers" que dizem este tratar-se de um globular capturado da "Galaxia Anã de Cão Maior".  Esta descoberta em 2003.... 


                Repousando aproximadamente no meio do caminho entre Miaplacidus (Beta Carinae) e Aspisdiske (Iota Carinae e a estrela a sudeste no “Falso Cruzeiro) e perceptível com quase qualquer auxilio ótico em céus suburbanos é um alvo fácil de se localizar. A primeira vez que o observei foi como se tivesse feito uma “descoberta”. Apenas passeava com uma buscadora 8X50 pela região...

                Um interessante objeto recheado de história e astrofísica. O Único Globular de Carina...

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