Com a
chegada do Outono é tempo de galáxias para o observador amador. A grande coleção
destas que habita no aglomerado de Coma-Virgem e esquina com Leão fazem a
alegria destes. Mas galáxias são criaturas exigentes e cheias de vontades. E
assim céus escuros e secos não só ajudam muito como são condição importante
para a tarefa.
Com a cara metade em uma fase nem
tão cara e nem tão metade acho por bem pegar meu pequeno e seguir rumo a Pedra
Riscada. Esta reside nas proximidades de Lumiar e encravada na Serra do Mar.
Local de céus bem escuros. Rurais... Bortle 3.
Mesmo com a meteorologia se tornando
cada vez mais uma ciência quase exata e me dizendo que as condições seriam bem
nubladas eu levo todo o circo.
Seria a primeira grande aventura de
meu jovem Indiana Jones (4 anos) para acampar. Assim sabia que minhas
observações além de lutarem contra as nuvens seriam bem truncadas pelos
cuidados necessários ao novo aventureiro. Não o poderia deixar muito largado em
um terreno minado por um caudaloso rio e por três açudes.
A viagem transcorre tranquila.
Depois de um “almoço” em um Bob´s já na estrada meu filho pergunta cerca de 3
vezes “- Falta Muito?” e finalmente dorme. Ele acorda já no camping.
O local (Camping Cantinho Doce) é
muito agradável e bem estruturado. Oferece também algumas casas para alugar.
Mas meu filho decide que prefere ficar em uma barraca. Tudo disponibilizado pelo
estabelecimento. Com esta montada na parte alta do camping a noite (caso as
nuvens que rondam dêem sossego) promete.
O site Meteoblue (veja o link aí do
lado...) me diz que entre as 19:00 e 21:00 horas haverá uma janela nas nuvens.
Por incrível que pareça isto se confirma. Embora a transparência tenha
continuado péssima.
Com a atenção à criança e o céu
muito enevoado fica difícil realizar um alinhamento polar digno. Me conformo e
deixo tudo bem mambembe. Desta vez o objetivo principal da expedição é
apresentar ao pequeno a “natureza selvagem”. O que observar vai ser lucro.
Estou lendo um interessante livro,
“A Invenção da Natureza” de Andrea Wulf. Uma biografia de Alexander Von
Humboldt. Um dos principais responsáveis pelo nosso entendimento do que hoje se
chama de ecologia. Sua obra magna “Kosmos: a Sketch of The Physical Universe” é
um dos livros de cabeceira aqui no Nuncius Australis (até onde um compêndio com
5 volumes pode ser um livro de cabeceira). Humboldt foi, juntamente com John Herschel,
Darwin, Goethe e cia. Ltda., a linha de frente da ciência no final do século
XVIII e no século XIX. São diretamente responsáveis para a forma como nós hoje
a compreendemos. Talvez devido aos arroubos “Humboldtianos” eu tenha observado
menos do que o normal. Este nos diz ainda no primeiro volume de seu tratado que
os fenômenos terrestres são muito mais complexos que os celestiais. E olhem que
este certamente nunca soube o que era a paternidade. O livro de Andreas Wulf
nos conta fofocas sobre os amores platônicos de Humboldt. Bem como suas
aventuras ao longo do mundo...
De volta a única noite que observei
na companhia de Mlle. Herschel e o Newton (Minha cabeça equatorial HEQ 5 pro e meu telescópio newtoniano
de 150 mm f8) acabei por conseguir um material fotográfico abaixo da crítica. E
por isto mesmo de algum valor pedagógico...
Este é o resultado de uma unica exposição capturada em raw e posteriormente "esticada" no Camera Raw do photoshop e convertida em Jpeg. |
Png gerado pelo RnS sem nenhum tratamento posterior. O uso do dark frame autogerado por este sempre causa um desvio intenso para o verde. Este é o modo Mean do RnS. Costuma ser o mais realista... |
Este é o desastre de ruido obtido ao se empilhar os Jpegs no DSS. Sendo u programa mais poderoso ele amplifica além do sinal muito o ruido presente nas imagens. |
A primeira vitima foi Centaurus A.
Esta uma galáxia bastante dada e que mesmo por entre as nuvens e envolta nas
brumas comparecia mesmo visualmente sem grandes esforços. Foi escolhida
especialmente por se encontrar perto as estrelas que foram utilizadas como
guias para o sistema de go-to de Mlle. Herschel. A teoria (e o manual...) nos
diz que devemos escolher estrelas em lados diferentes do meridiano e afastadas
pelo menos 15o uma da outra.
Devido a ter que realizar a operação de alinhamento deste lutando contra
nuvens que moviam-se mais rápido que o Rubinho e o Massa juntos eu acabei
utilizando Acrux e Alpha Centaurus. Em tese uma combinação “pobre”. Mas a
observação contrariou a teoria e o alinhamento acabou bastante preciso nas
imediações. Foi arriscar Centaurus A e esta apareceu quase centralizada na ocular
de 25 mm. Como conheço bem as “condições de contorno” na região em volta desta
foi fácil faze-la se apresentar com um pouco de visão periférica. Sua
característica bipolar e sua evidente banda escura pipocaram quase
imediatamente. Algumas fotos e percebo que o alinhamento polar está muito ruim.
Mas acho melhor deixar as coisas como estão. Afinal tenho que manter um olho no
telescópio e o outro na criança...
Modo Mean do Rot nStack, PNG |
Deep Sky Stacker a partir de arquivos em Ra convertidos par a Tif. |
Logo depois percebo que M 68 está
alto no céu e em área desobstruída. Sendo um dos três ultimo globulares Messier
que me faltam fotografar decido que (mesmo sabendo que o registro será tosco) é
uma boa ideia captura-lo. O Go-to se apresenta brilhante e o coloca dentro do
sensor da câmera sem a necessidade de nenhuma busca visual. Faço um pouco mais
de uma dezena de exposições antes da região nublar.
M 60 Regio - Rns com Jpeg. PS em P&B. 6 exposições apenas |
Agora acredito que a região entre
Leão e Virgem se apresenta desobstruída. Cravo M 60 no go-to e esta aparece no
sensor. Mas alegria dura pouco e faço menos de 10 fotos desta. Não é o
suficiente. Mas apesar disto ainda se perfilam mais algumas galaxias. Ngc 4660 se apresentava evidente mesmo no LCD da Canon.
Uma foto 30 seg 1600 iso |
Já ficando cansado das nuvens ainda
tento mais um alvo. Mas o resultado abaixo demonstra que era melhor ter
começado o desmonte da operação. Afinal já ia esfriando e a condensação iria fazer estragos. Ngc
4349. Um aberto que Patrick Moore inclui na sua famosa lista Caldwell. Bem
discreto. E todo borrado... Fiz só uma foto...
Me recolho para junto ao rebento e
vou dormir na esperança da Sexta feira ser mais fortunosa.
Na sexta reúno um casal de amigos
junto a uma das mais gostosas costelinhas que já vi. E o pequeno vai brincar
com as crianças e ser mais criança do que já havia sido em muito tempo. A vida
na roça é exemplar. Mas nada de observação esta noite. O programa foi conversar
e discutir geomorfologia com meu bom e velho amigo (e curiosamente meu
professor da matéria nos tempos de PUC) Gil Velho Cavalcanti de Albuquerque.
Gil Velho Cavalcanti de Albuquerque |
No dia seguinte acordo com o
camping, que havia sido um espaço de mais de 10 hectares de terra só meu e de
meu filho, sofrendo um processo de ocupação descontrolado. Empacoto tudo e sigo
em busca de refugio na casa do velho professor.
As observações daí para frente se
resumiram a passeios espontâneos e sem maiores planejamentos com o “Pau de Dar
em Doido” (meu binóculo 15X70 mm). Geralmente na área central da Via Láctea. O
céu acostumou-se em dar um “abrida” entre 22:30 e 00:00 horas. Foram visitados
(entre dezenas de Ngc´s que não identifiquei. Na maioria abertos. Mas também
alguns pequenos “globs” e certamente muitas áreas de nebulosidade evidente...)
M 4, 6, 7, 8, 16,17,18, 20, 21, 22 e 28, 69, 70, 75 e mais ... Não vi nenhum
dos membros da chuva das Lyrideas.
Vamos fazer farinha? |
Uma Herança da Primeira noite |
Mas nossa expedição no mais foi
devotada ao reconhecimento das coisas da Terra e a introdução do meu menino na
natureza. E este foi apresentado a gatos que em vez de miar rosnavam,
cachoeiras onde se escorregava e a fazer “velhos amigos”. Bem como a diversas formações geológicas interessantes.
Os granitos com suas fendas que batizam a Pedra de Riscada, o gnaisse da Benfica,
os brejos de altitude. Uma bela e minimalista introdução ao conceito de Naturgemälde
(uma percepção da natureza como um todo orgânico e interligado) elaborado por
Humboldt depois de sua escalada ao Chimborazo. Sentia-me uma espécie de Waldo Emerson ou um
Thoreau com mais de um século de atraso ou um Lovelock apenas um pouco
tardio...
O insight de Humboldt ao perceber as faixas vegetacionais nas encostas do Chimborazo. Este é seu primeiro esboço... Naturgemälde. Difícil de se traduzir. |
A Pedra Riscada vai tornar-se o
posto avançado aqui do Nuncius Australis. A Terra de José Eustáquio (também
conhecida como a Armação dos Búzios) se tornou inviável devido a extrema
poluição luminosa. Com a novas reformas na casa esta é hoje mais clara que a
Stonehenge dos Pobres ( que como a fênix irá ressuscitar das cinzas) e com um
monte de gente jogando contra. A astronomia observacional depende de que se
goste e respeite o escuro da noite. Na Serra encontrei pessoas que parecem comungar mais destes valores. Gente que quando você vai observar quer ver o céu. E que quando você dorme na varanda vai lá e te cobre com um belo cobertor. Certamente a maior altitude vais a colaborar. Creio ser
necessário criar uma rotina para lidar com a maior condensação e com as
temperaturas mais baixas que me aguardam no inverno. Penso em construir uma faixa térmica para montar no tubo do Newton. E o céu é escuro de fato... Bortle 3 implica em que os grandes globulares sejam evidentes a olho nu. A Via Láctea apresenta uma estrutura complexa. As Nuvens de Magalhães se apresentam magnificas. M 33 perceptível com visão periférica para observadores treinados. E muito mais...
De volta ao Rio de Janeiro e as
mazelas do lar me resta dar um jeito no material fotográfico obtido na minha
única sessão.
Decidi atualizar
minha versão do DSS (Deep Sky Stacker) para a mais recente versão 4.1.0. Mas esta tem algum bug pois ela carrega a versão da foto 32 bits em Tif, mas
depois para de funcionar. O arquivo "autosave" termina salvo na pasta original de
onde veio o material para o stacking, mas não consigo ir além nele. Comparando
o resultado com minha antiga versão 3.3.4 acho que não noto nenhuma diferença.
Por enquanto fico com a anterior...
Fotografar em noites muito enevoadas
é um exercício quase inútil. O material obtido termina com um ruído absurdo. E
com nebulosidade e com mal alinhamento polar é realmente um trabalho quixotesco.
Logico que não posso resistir a
tentação de perder meu tempo tirando leite de pedra.
O DSS se recusa a empilhar os
arquivos em Raw. Que apesar te possuírem muita informação escondida não a revela
para ele. A mensagem “O DSS só empilhará um fotograma luz” é recorrente em
todos os DSO´s que apresentei. Mesmo com o Threshold em 2%.
Esta maneira me resta abrir os
arquivos em RAW no Photoshop e utilizando o “Câmera Raw” (um plug-in)
espremer estes e depois salvar em Tif e/ou
Jpeg. E com estes arquivos empilhar no DSS. Geralmente quando os caminhos no
pós processamentos são pouco ortodoxos e recordam peregrinações é porque a
captura foi uma M... O resultado é uma foto com muitos ruídos. Um registro.
Nestes casos muitas vezes utilizo o
Rot n´stack. Um primitivo software de stacking, mas que em casos extremos tende
a presentar resultados um pouco melhores (ainda que meio “estranhos” ...). A
fotos tem o work flow de cada uma nas legendas.
No mais foi muito divertido e encontrei
velhos amigos e debates que se não havia esquecido estavam em alguma pasta bem
escondida.
Júpiter nascendo... |
Em maio espero conseguir retornar a Pedra
Riscada para um encontro mais a sério com Messier em Virgem...
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