Quem já acompanha o blog deve conhecer o significado de “Aporema”. É, supostamente, uma festa que ocorre 4 vezes ao ano. Sempre na primeira lua nova após os equinócios e os solstícios. É uma data meio “ Mandrake”. As vezes acontece na primeira lua nova e as vezes na segunda e as vezes ainda nem é lua nova. O que importa é que neste evento o objetivo é ver longe. Aporema significa “aquele que vê longe”. A origem da palavra é obscura. Tem origem tupi. Já no terreno das lendas o nome parece ter surgido em homenagem ao Cacique Aporema (que deve ter possuído uma visão muito acurada). Foi ele um Cacique Tupinambá e chefão na região nos arredores do que hoje é a Armação dos Búzios. Na antiga Armação dos Peixes habitaram José Eustáquio e Silvano Silva. São estes os autores do Primeiro Catalogo de nebulosas das terras tupiniquins (Posteriormente conhecidas como Brasil). José Eustáquio foi um grande pescador e desta forma aprendeu a navegar pelas estrelas. De alguma forma possui um telescópio naquele refúgio de piratas que era a região. Silvano Silva foi um padre sem vergonha que de tanta sem vergonhice acabou indo catequizar naquela região durante o sec. XVIII. Deste improvável encontro nasceu o Catalogo J.E.S.S de Nebulosas e Objetos Estelares. Antes de sair fugido da Europa este conheceu Charles Messier e foi respeitado astrônomo. Graças a ele José conheceu o que hoje é chamado de Catalogo Messier. Silvano Silva parece ter se inspirado em Herschel e não inclui nenhum objeto Messier na sua versão do Catalogo J.E.S.S.
Creio ser o único que ainda comemora
as quatro Aporemas do ano. Por isto a data é móvel. Depende tanto do clima (
que tem que estar livre de nuvens) como da minha disponibilidade. Seja
financeira seja temporal. E como quando tenho muito tempo tenho pouco dinheiro
a data se torna quase quântica...
Este inverno a “Aporema” foi
dedicada a Monsieur Messier. O Catalogo Messier possui entre 103 e 110 “nebulosas”
dependendo da fonte. O “original” e publicado pelo próprio possui 103. Burnham
em seu “Celestial Handbook” considera 104. E muitos consideram 110. Embora
entre estes existam “entradas póstumas” que certamente não foram observados por
Messier (O eu profundo) mas somente por Méchain (os outros eus...) e talvez um
objeto repetido.
Muitos (nem tantos) vão dizer que os
“Objetos Messier” são batidos. É verdade. Mas também são os mais belos e
interessantes DSO´s ao alcance do amador. Juntamente com o catalogo Lacaille e
os “ 100 de Dunlop” formam o que de mais belo há no céu. Completando esta lista
pode-se incluir os “400 de Herschel”. Juntando-se
tudo e não levando em conta as figurinhas repetidas se chega quase 600 DSO´s ao
alcance de um bom refrator de 90 mm ou de um refletor de 150 ou 200 mm (com o
200 fica mais fácil...). Claro que quando se inclui as entradas de Herschel um
céu escuro será mandatório.
Parti em direção das terras tupinambás
no dia 21 de julho de 2017. Lua Nova e segundo o “METEOBLUE” (um site meteorológico)
a única noite que teria não apresentaria nenhuma cobertura de nuvens. Meteorologia
não é uma ciência exata.
Cheguei no posto avançado do Nuncius
Australis as 17: e qualquer coisa. Com minha derrota planejada sabia que
poderia ter mau alinhamento polar feito com o auxílio luxuoso de Alpha
Centaurus as 18:34:21. Assim o foi. Antes do twilight astronômico.
Depois foi só realizar o alinhamento
do Synscan (uma espécie de piloto de bordo de minha cabeça equatorial) de Mlle.
Herschel, a minha cabeça equatorial HEQ 5 pro, utilizando o método de “two star
aligning”. Com o tempo vou percebendo que a escolha destas estrelas vai
determinar a precisão do “Go-to”. No manual de Mlle. Herschel são apresentados
alguns parâmetros para que isto ocorra, as estrelas devem estar do mesmo lado
do meridiano, possuírem uma distância entre elas mínima e etc... Pode ser
verdade. Mas já sei que nesta época do ano uma dupla infalível é Antares e Arcturus.
Não respeitam as regras escritas. Antares ainda se encontra a leste e antares a
oeste do meridiano. Mas todos os objetos que peço para a moça aparecem dentro
do campo de meu sensor da Canon T3. E com sobras em minha ocular 40 mm.
Um dos objetivos do evento seria
abater o maior número de globulares do catalogo Messier que ainda não tenha
fotografado. Acabei por me esquecer de M53. Mas os restantes foram vitimados.
Se quiser completar meu objetivo de fotografar todos os globulares do catalogo
até o fim do ano terei que fotografar M 53 da Stonehenge dos Pobres o mais
rapidamente possível. Faltam este e M72 para tal.
E apesar da derrota planejada
incluir algumas galáxias de Virgo a verdade era que feito os globulares o resto
seria “ Messier”. E com Sagitário alto no céu vários clássicos seriam
revisitados.
Um outro objeto que era quase
obrigação seria M57. A Nebulosa do Anel. Em um futuro post apresentarei os
motivos.
Apesar do METEOBLUE a noite acabou
por abrir. Mas com uma transparência bem medíocre. Muita úmida.
Astrônomos amadores acabam por ver
nuvens onde a maioria da humanidade vê um céu claro.
M3 - 12 X 30 Seg 1600 asa |
Começo a noite de forma feliz. Depois de ajustar o foco da câmera em Arcturus envio Mlle. Herschel em busca de M 3. Ela chega quase “dead center”. Apesar da transparência e do objeto baixo no horizonte noroeste percebo esta discretamente pela ocular. Foi o primeiro objetivo.
M 5 -9 X 30 seg 1600 asa |
A transparência começa a piorar e
ainda por cima Mlle. Herschel acaba por tropeçar em uma das pernas de seu tripé
quando em busca de M 57. Lá se vai o alinhamento do Synscan.
Antares e Arcturus não são mais uma
opção viável para refaze-lo. Arcturus já vai baixa demais no Oeste. Tento várias
combinações e não consigo mais a mesma precisão no “Go-to”, posso adiantar que
nada combina bem com Altair...
Hora de partir para o lado mais fácil.
Em Sagitário achar algo é bem fácil. M 17 está no campo da buscadora e claramente
visível. É, quiçá, minha nebulosa favorita. Embora não tão majestosa como a
Trilogia composta por Eta Carina, M42 e M 8 ela é um espetáculo. Não é à toa
que possui dois apelidos muito apropriados. O Cisne e Ômega. Faço dezenas de exposições.
M 17 33X 25 seg 3200 asa |
Finalmente me converti a captura em
RAW. Mas acho que ainda falta aprender algumas coisas. Ao importar as imagens
para o DSS percebo que este me informa que são “light frames” RAW Gray. As
fotos são em escala de cinza. Para tirar cor destas é terra incógnita. Outro detalhe
importante é que meu “novo” lap top tem 1 T de HD. E na dúvida capturo todas as
imagens tanto em Jpeg como em RAW. A câmera permiti isto. No final da noite
possuir 400 arquivos de imagem é a regra.
O fim da noite será clássico. Perco
para a condensação. Finalmente o “Newton” (meu refletor 150 mm f8) se encharca
e nada mais é visível. Será um problema recorrente. A parte externa do tubo do
telescópio costuma apresentar “sereno”. Mas quando as partes internas (leia-se
o espelho primário) embaça fica difícil. Aprendi algo interessante e certamente
ligado as leis mais fundamentais do universo. Quando fotografando objetos no
zênite o primário embaça mais rapidamente do que com o tubo ótico em posição
menos favorável. Já falei a respeito dos processos que levam a esta pedra nosapato dos observadores. No inverno estes se acentuam...
Para encerrar coloco o Newton para
secar e tento algumas fotos com minha lente 75-300 mm., mas o tempo já ia nublando,
a condensação se instalava rapidamente na lente também e eu estava exausto...
Segundo a meteorologia o sábado seria
bem nublado na parte da noite. Mentira!
Depois de um dia de praia
fracassada devido ao vendaval (mas com muito sol) e de apostar que não
observaria acabei, à tarde, fazendo churrasco e bebendo várias cervejas. A
noite anoitece muito mais clara que a anterior. Murphy é um FDP.
Ao perceber o equívoco monto a
Mlle. Herschel (o tripé tinha ficado no lugar) e ainda meio embriagado alinho o
Go-to novamente com minha dupla vencedora. Murphy pode ser um safado, mas eu
sou pé quente.
O Sábado acaba rendendo mais que a
sexta e a transparência, embora não perfeita, estava boa. Tudo que ficara
pendurado é abatido.
M 16 -61X 30 seg 1600 asa |
Um objeto que queria re-fotografar
foi o começo da noite. M 16. Os
resultados ficaram aquém do esperado. Queria utilizar a foto para seguir ao pé da
letra um tutorial do Samuel Muller sobre o PixInsight. Com 61 capturas de 30
segundos com ASA 1600 empilhadas no DSS eu rapidamente percebo que não vai dar
certo. Visualmente é um aglomerado aberto que para quem sabe possui regiões
onde percebe-se um tom mais negro de negro. Uma espécie de versão às avessas do
clássico do Procol Harum.
Nesta noite tive visitas. Um amigo
e duas “filhas postiças”. Saturno sempre faz sucesso.
M 57 - 44X 30 seg 1600 asa |
Na empolgação acabei por esquecer
de M 53. Na verdade esqueci deste glob na derrota programada. E assim parti
direto para M 57. Na véspera esta me deu uma rasteira e errar uma vez é humano.
Duas...
M 56 outro glob na mira. Mais um para o projeto "Globulares Messier". Discreto na buscadora.
M 71 - 19X 30 seg 1600 asa |
M 56 - 11 X 30 seg 1600 asa |
Com a planetária capturada parto
para M 71. Visualmente difícil e invisível na buscadora.
Depois disto tento a sorte em C 33
(escolhida ao acaso no Stellarium). Uma grande galáxia, mas que certamente demanda
céus mais escuros e uma transparência mais generosa. Tiro duas fotos e vejo que
será perda de tempo. E assim voltamos a Sagitário. No inverno é inevitável.
M 20 30X 30 seg 1600 asa |
M 20. A Trífida. E erro duas vezes.
Muito próxima a zênite e lá vem a condensação. Novamente parto para a 75-300
mm. Mas agora mais embriagado a região de Antares ficou meio fora de foco. Fim
de jogo.
Anatres Regio |
Como não poderia deixar de ser a meteorologia
erra de novo e no domingo (que deveria estar nublado desde cedo) se revela a
melhor noite. Mas eu percebo isto já no meio da Via Lagos e já engarrafado na
estrada.
Foram duas noites na companhia de
Monsieur Messier. Sempre muito agradável e com os DSO´s mais camaradas em volta
de nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário