Sempre
achei que a observação astronômica é uma atividade solitária. Como já disse o
filosofo “ A necessidade da maioria supera a necessidade do indivíduo”*.
E assim me incomodo quando viro uma
pessoa desagradável e obrigo (ou ao menos tento) aos próximos a serem privados
da luz quando observo. Tanto minha esposa como minha cunhada tecem severas críticas
a meus gritos e resmungos quando se acendem as luzes na cozinha ou nos fundos
da casa de Búzios enquanto observo. A maioria não é fã da escuridão. Outro detalhe que me irrita é que quando
localizo um pequeno esfuminho escondido em Ophiuchus (ou qualquer outra
constelação) e convido alguém a dar uma olhada na ocular e este não se
maravilha com aqueles poucos fótons que viajaram milhares de anos luz até seu
nervo ótico. Isto quando vê alguma coisa. Logo
acho melhor observar sozinho e guardar para mim estas emoções.
Quando
observo da Stonehenge dos Pobres não me é possível apagar as luzes de todos os
apartamentos em meu condomínio. Mas ao menos possuo a certeza de que com
exceção das luzes do 16o andar do Bloco 1 nenhuma mais vai me perturbar.
E também sei que não aparecerá ninguém para vir reclamar embora minha presença
deva incomodar a alguns moradores. Muitos devem achar que sou um tarado... para
minha felicidade sou o único morador autorizado a visitar o telhado do prédio
durante a noite. Um direito adquirido desde os tempos da antiga sindica e que
não foram revogados nem mesmo com o suicídio de um descontente morador do bloco
3.
E
assim acabei por conseguir observar M 14. A meu ver o
mais tímido dos
globulares Messier de Ophiuchus. Importante
frisar que o observei em condições de extrema poluição luminosa. A Stonehenge
dos Pobres é na Zona Sul do Rio de Janeiro. Uma cidade com mais de 6 milhões de
habitantes. (Bortle 7ou 8). Não bastasse isto ainda era bastante cedo e o disco
lunar apresentava 50 % de seu disco iluminado. Mas observei M 107 em condições semelhantes e
achei este um pouco mais evidente. De qualquer maneira os objetos do catalogo
Messier são (em geral) viáveis mesmo em condições bem ruins. Fotograficamente
são todos viáveis mesmo quando registrados de áreas ainda mais centrais
da cidade.
M
14 é uma descoberta original de Messier. Observado pela primeira vez em 1 de
junho de 1764. Com um de seus modestos telescópios Messier observou o seguinte: “
Nebulosa sem estrelas; nebulosa não é grande; sua luz é tênue. É arredondada.
Próximo a uma estrela de 9a magnitude. 7´de diâmetro. ”
As
descrições de Messier me parecem sempre muito realistas para possuidores de
pequenos telescópios e que habitam áreas urbanas. Certamente devido ao fato de
este observar com pequenos telescópios e de uma grande cidade. Paris em no
século XVII já era iluminada e o Hotel de Cluny (onde era seu observatório. Este
em uma área central e que já habitada a vários séculos. Já estive lá (atualmente
é o Museu da Idade Média e apresenta uma belíssima coleção de tapeçarias) E com
a iluminação feita a base de óleo de baleia e soltando muita fumaça não deveria
ser muito melhor (ou pior) que a Stonehenge dos Pobres. Acredito que o “Newton”
(meu telescópio refletor de 150 mm f8) seja muito superior a qualquer telescópio
que Messier tenha usado.
Coube
a William Herschel resolver M 14 em estrelas e o Admiral Smyth na segunda parte
do Cycles of Celestial Objects (também conhecido como “The Bedford Catalogue”) nos fala de uma “lúcida cor branca”.
M
14 é ao menos uma magnitude mais pálido que seus “vizinhos celestiais” M 10 e M
12 e M 9. Porém é, de fato, em termos
absolutos o mais brilhante dos quatro. Sua tímida aparência se deve a extinção causada
pela poeira interestelar e sua maior distância que seus companheiros.
Imaginava-se que este assim como os outros se encontrasse a meros 25.000 anos
luz. Medidas atuais o afastaram para 55.000 anos luz. Desta forma ele possui
uma massa consideravelmente maior (1,2 milhões de massas solares) que seus amiguinhos
e ocupa um latifúndio de 180 anos luz de universo. M 14 é também um dos únicos globulares com uma
nova registrada em plates fotográficos. A nova aconteceu em 1938, mas só foi
descoberta em 1964 com o estudo de placas que cobriam o período entre 1932 e
1963. Nas placas entre 21 e 28 de junho se localizou uma nova que atingiu 16a
magnitude. Nem mesmo o Hubble localizou a estrela responsável
posteriormente...
Segundo
Stoyan M 14 é perceptível com binóculos de 30 mm. Talvez de locais muito escuros e mesmo assim com características estelares.
Não o percebi com minha buscadora
(50 mm) mesmo de Búzios. Pelo “Newton” com 120 X ele recorda a descrição de Messier
ainda que com alguma granulosidade nas bordas.
Acredito que em condições ideais
e visão periférica vão se resolver algumas estrelas no seu entorno. Utilizando recursos fotográficos M 14 se resolveu com 35 exposições de 30 segundos com ASA 1600 . Foram utilizados 10 dark frames e a foto que abre este post foi processada no DSS ( 3 X drizzle) e no Fitswork + Photoshop CS 6.
Partindo
de Beta Ophiuchi (3a magnitude) caminhe dois campos de buscadora (10 o) até
para sudoeste e localize 47 Ophiuchi. Vai ser a estrela mais brilhante na
buscadora e talvez a única... M14 vai estar a pouco mais de meio campo de
buscadora (3o) a nordeste. Mag. 7.8
* Não
sou um Trekkie de carteirinha, mas a frase é do Spock
em “A Ira de Khan”.
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