O
Saara é popularmente conhecido como o maior e mais quente deserto do mundo.
Ambas as informações são incorretas. O maior deserto do mundo é um lugar frio e
gelado. É a Antártida. E o lugar mais quente do mundo é Bangu. (Brincadeirinha
... O Local mais quente da terra é o Deserto de Lut. No Irã. O Lugar é tão
desolado que até recentemente não possuía medições confiáveis e constantes de
sua temperatura.)
Mas
como carioca sei que a região da Saara merece o nome que tem. (Na verdade “a
nossa” Saara vem de Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfandega.)
Caminhando pela região em meados de fevereiro tinha a nítida sensação que
Bangu, O Deserto de Lut, O Dead Valley e El Azizia no Saara original são oásis
de delicias.
Nas
ruas decoradas por “Fatas Morganas” eu caminhava sentindo-me como um tuaregue malvestido.
E em meio as minhas andanças adentro uma lojinha em busca de um pouco de ar
condicionado. Fazendo de conta que procurava por algo na loja acabei por me
deparar com um interessante Kit de experiencias astronômicas e astronáuticas. O preço era baratérrimo. Não me recordo exatamente o valor, mas foi menos de R$
50,00. Nada, mas nada mesmo supera os preços dos “Salims e Jacobs” do Saara Carioca.
A região não possui seu nome somente
devido a sigla formada pela sua representante legal. A colônia libanesa é
proprietária de muitos dos negócios instalados na região. Por lá árabes e
judeus convivem na mais perfeita paz.
Uma
das maiores surpresas que tive é que o pequeno e barato kit não é de fabricação
Chinesa. Made in Germany. Quase inacreditável...
Como
era de se imaginar tudo encaixa, funciona e o manual é bem traduzido. Um choque
cultural.
Meu
filho ainda é um pouco novo para muitas das experiencias possíveis terem graça.
E minha mais velha é um fruto de seu tempo e experiências a desqualificam
socialmente. E assim ela faz de conta que nada a interessa. Pelo menos até o
pequeno começar a se divertir...
Uma
experiencia com um balão alongado, um pedaço de barbante e um canudo apresenta
de forma rápida e didática a terceira lei de Newton (Lex III: Actioni
contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine corporum duorum actiones in
se mutuo semper esse aequales et in partes contrarias dirigi.). O pequeno
adorou o brinquedo e está rindo até agora do meu latim... Só consigo falar o
texto acima se imitar “sotaque de padre”.
Depois
disto um foguete movido a Cebion faz a alegria da galera.
E
finalmente o momento mais esperado. Vamos brincar de ATM. A construção de um
telescópio. Ou quase...
Depois
de um pouco de cola branca e algumas dobraduras de papel possuímos uma pequena
luneta de 300 mm de distancia focal com uma lente primaria de 15 mm. Ou seja um
refrator com lente de plástico f 20 (razão focal). A ocular por nós também construída
me parece tratar-se de uma Kellner (ou uma Ramsden "melhorada") de 30 mm. Isto nos leva a possuir nas mãos
uma luneta que amplia em 10X as imagens.
Finalmente
chegou a noite em que resolvi brincar com o brinquedo. Rapidamente descobri
algumas coisas além do obvio ululante (que a luneta é um brinquedo e uma
porcaria...)
Seu
campo de visão é bem maior do que eu supunha. Mais de 1o. Cabem duas
luas cheias e um pouquinho mais em seu campo de visão.
O
conceito de seeing é muito bem explicado pelo brinquedo. Agora você percebe
algum detalhe e logo depois não. Nunca tinha visto algo tão sensível as
vontades da atmosfera terrestre.
Feita
de papel cartão ela é muito sensível também a flexão. Tem que ser tratada com
muita delicadeza. O foco (realizado correndo um tubo de papelão dentro de
outro) é possível. Mas não flexione o tubo...
Não
posso deixar de imaginar que as lunetas utilizadas por Lacaille em seu
levantamento dos céus austrais eram apenas um pouco melhores que o "Cacareco". Tudo
bem que as lentes não eram de plástico. Mas ele descobriu M 83 com elas. Inacreditável...
Deixando
tudo isto de lado e dando uma de São Tomé apontei o “Cacareco” para os
céus e tive algumas surpresas.
Acrux
é mesmo uma estrela dupla. Alpha
Centauro é suspeita (o seeing brinca com ela...).
Na
Lua as grandes estruturas são evidentes. Mares, as Montanhas da Lua e as
maiores crateras “comparecem”. Ou
quase. Os Montes Caucasus e Apeninos bem
como o “estreito” que é definido por eles e que liga os Mares Imbrium e
Serenitatis são claramente visíveis (nos momentos de seeing). Archimedes é possível. As raiações de Copérnico são evidentes embora
a cratera em si seja mais difícil. A aberração cromática, surpreendentemente , fica nas baias...
Pensando
em Lacaille e seu catalogo de nebulosas aponto o brinquedo para a Caixinha de Joias.
Percebe-se que não é uma estrela apenas embora se torne uma espécie de local
confuso com algo vermelho no centro. Kappa Crucis, BU Crucis e MU Crucis lutam
para se resolver uma da outra... Cada
vez respeito mais Lacaille. Já observei o Catalogo inteiro com meu 15X70. Mas
ele é infinitamente superior as lunetas de Lacaille. A descrição do equipamento
utilizado por ele se aproxima muito mais do “Cacareco” que de meu Skymaster...
Jupiter é uma estrela amarelada com quatro estrelas "escorts" bem fracas. Nos momentos de seeing bom.
Muito mais do que eu apostaria.
Depois de muito insistir calculei que a magnitude limite do brinquedo ( em noite de lua quase cheia e da Stonehenge dos Pobres [Bortle8] ) é entre 7,5 e 8a magnitude.
O
brinquedo deixou meu filho curioso e eu também. Pretendo tentar montar algo
como a luneta de Galileu na próxima brincadeira de ATM...
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