Chegou a “Aporema”. É uma festa
que se comemora 4 vezes por ano (significa ”ver longe”. Algumas nações
indígenas a batizaram de Mombyry Ma ). Possui data móvel . Ocorre na lua nova
mais próxima aos equinócios e aos solstícios. Se possível a comemoro só. Assim consigo ter as luzes do local em que
estiver “nas baias” e posso realizar minhas astrofotos em paz.
Não confundir
com “aporema”. Este um silogismo dubitativo onde se apresentam raciocínios
opostos com argumentos igualmente válidos.(
este vem do grego “apórema”...)
Desta
vez por razões para lá de mundanas a Aporema foi festejada com cerca de 50% do
disco lunar iluminado. Mas com apenas 50 % do disco iluminado este também só
deveria infernizar durante 50% da noite (mais sobre o assunto a frente) . Depois ela se põe. Estamos no quarto crescente. Se fosse quarto
minguante ela nasceria. Façam a
experiência. Não falha nunca...
São
épocas de aguas magras e assim a Aporema do equinócio de outono este ano será
novamente nos claros céus Buzianos. Me
comprometo a conseguir realizar toda a folia ( incluindo aí pedágio ,
combustível e alimentação ) com a módica quantia de 200 reais. Festa da CUT.
Muito pão com mortadela...
Com
estas condições de contorno parti no dia 03 de abril de 2017 rumo a terra de
José Eustáquio. Levava comigo o Newton ,
Mlle. Herschel, computador, câmera e uma muda de roupa.
Adoro
viajar só. Pensar que passaria dois dias em silêncio era como ouvir poesia. Não por
misantropia, mas quase. A vida de casado só é viável graças as benções de Moira. Já falei isto por aqui e a própriafalou também. E no Senado Romano...
Uma
vez instalado realizo o primeiro ritual da Aporema. Colimar o velho Newton.
Depois de alguns ajustes me dou por satisfeito. Mais tarde vou perceber que
deveria ter insistido mais , lutado mais e feito a colimação direito...
O
problema principal da falta de tempo é que como você tem que maximizar o tempo
de observação muitas as vezes coisas delicadas são feitas meio que “nas
coxas”...
Desta
forma eu decido utilizar em vez de uma estrela um DSO para fazer o alinhamento
polar. Ngc 2516 vai cruzar o meridiano as 19:01:30. O problema de utilizar um
DSO é que como este cobre quase 30´ de firmamento você trabalha com um erro
possível ao redor de 15´para cada lado. Mas como eu nunca tinha feito assim
resolvo experimentar. A final não estamos na NASA. E já ouvi histórias sobre o
que eles fazem na NASA de arrepiar os cabelos...
E
tendo conjugado teoria e pratica ( nada vai funcionar direito e não se vai saber porque) começo a observação.
Geralmente
tenho um plano elaborado no note pad. Como gosto de termos náuticos chamo a
este de “derrota”. Abaixo a “derrota” planejada
Começo bem. O
primeiro objeto da lista Ngc 2546 é um alvo que queria re-fotografar de forma
mais digna para o “ Projeto Lacaille”. O livro esta “pronto”, mas ainda há
acertos a serem resolvidos. Mas no
caminho acho um campo ainda mais interessante. A estrela OS Puppis é uma bela dupla em um agrupamento
que não conhecia logo ao lado de Ngc 2546. Pode ser um asterismo. Mas não
parece... Vai ficar na conta dos míticos José Eustáquio e de Silvano Silva. J.E.S.S. 13
Depois
sigo os planos. Desta vez fui abduzido pelo Stellarium. Durante a elaboração da
derrota neste programa acreditei na breve descrição de Ngc 2571. Não era o que
parecia. Mais para campo estelar que para aglomerado. Devia ter desconfiado do “71” ao final do número.
Depois
disto ainda é cedo. Mas resolvo queimar a largada e com a lua ainda no céu
tento a sorte em Leão. Desta vez tinha sido abduzido pela “ Sky and Telescope”
de abril que apresenta uma interessante e tentadora matéria sobre o grupo menos
observado de galáxias em Leo. M
95, 96 e 105. Alvos definitivamente mais difíceis que as mais simpática M 65 e
M 66 que juntamente com Ngc 3628 formam o tripleto mais famoso da constelação.
Quando
acho que localizei algo e resolvo tentar fotografar o alvo o céu norte começa a
nublar. Depois o sul também. Eu transito de ateu a herege em poucos segundos e
começo a blasfemar. É evidente que algo conspira contra mim e que isto não pode
estar certo. Palavras impublicáveis são dirigidas aos céus e depois de meia
hora parecem ser ouvidas. A noite abre
novamente. Tiro algumas fotos da região
onde supunha estarem M 95 e 96 e descubro que minha impressão era apenas isto.
Uma impressão. Agora boto a culpa na Lua. E no alinhamento do Goto de Mlle.
Herschel.
Refaço
a rotina de alinhamento utilizando outras estrelas como guia (creio que Acrux e
Alfa Centauro).
Decido
fazer um teste. Fossem tempos menos politicamente corretos eu chamaria M 104 ( A Galáxia do Sombrero) de vadia.
Ela é facinha ( pelo menos tão facinha
quanta pode ser uma galáxia) . O teste funciona e percebo que o goto está
suficientemente preciso. M 104 aparece senão centralizada, dentro do campo de
minha ocular de 26 mm. Embora quase
invisível com visão direta ela é óbvia.
Com mais aumento ( 70,5X) e olhando de rabo de olho percebe-se, ainda
que de forma discreta, sua faixa de poeira característica.
Astrofotografia
não é exatamente uma coisa fácil. Mas duro é mais difícil ainda. O focalizador
original do Newton empenou (nunca deixe alguém transportar seu telescópio.) E
tive que substitui-lo por um genérico “Xingá Linga” (também conhecido como “Ali
Baba”). Meu sonhado Crayford dual speed não só não esta disponível em nenhuma
loja brasileira como as taxas e a entrega
tornaram as coisas difíceis na
“Astronomics”. A coisa anda feia para um
empresário pai de dois neste nosso paizinho. O focalizador e um sistema de
acompanhamento são cada vez coisas mais distantes. Quando ganha-se algum dinheiro é melhor
guardar pois a maior parte do tempo não
ganha-se dinheiro algum...
De
volta ao céu decido esperar a lua realmente partir e retorno ao plano inicial.
De novo tentando melhorar as fotos do “Projeto Lacaille” faço imagens de Ômega
Centauro. Respeitando a proposta do livro as imagens não devem afastar-se muito
do que é observável visualmente. Mas um pouco mais é sempre melhor. Afinal um
dos anexos vai tratar astrofotografia e Ômega Centauro é um “showpiece”. E
apesar da facilidade e talvez em razão desta nunca fiz uma captura deste com
Mlle. Herschel. Todas as fotos que possuo de Ômega foram realizadas ainda com
minha antiga equatorial EQ 3-2 ( Hipatia). Acho que uma delas continua no livro. O foco ficou a desejar e com a
colimação ruim as coisas ficaram de doer. A noite se anuncia mais para “Rot
n´Stack” do que para “DSS”. (São dois
programas de pós processamento de fotos astronômicas. Um aceita qualquer coisa. O outro demanda
algum capricho...)
Aproveitando
a proximidade resolvo conhecer Ngc 5460. Uma grata surpresa na noite. Delicado
aglomerado aberto entre o Centauro e Lupus. Um daquele raros objetos que são
melhores visualmente que na foto... Me
recordou o “ Aglomerado de Cheshire” (Ngc 5281) também em Centaurus. Confesso que a foto poderia ter ficado melhor.
Mas este é mais um para o delirante
“Projeto Tudo que Existe”.
Em
algum momento da noite resolvo visitar Júpiter. Não sou um cara muito
planetário, mas acho sempre divertido tentar perceber a grande mancha e ver
como estão organizada as luas. Desta vez foi uma boa desculpa para tirar as
teias de uma Plossl 5 mm que possuo e que nunca sai da mochila ( guardo as
oculares na mesma mochila da câmera e das lentes...). Com muito pouco eye
relief e de difícil foco nunca me animo a tentar tanto aumento . Mas desta vez
funcionou bem. A grande mancha era óbvia com 240X de aumento e apesar de penar
um pouco para fazer o foco com meu focalizador de m... e uma ocular à altura
acabou valendo o esforço. Comprei ela (a ocular de 5 mm) quase de graça...
Mas
desconfio que quando você transita no Synscan para o modo “Solar System” você
acaba com o alinhamento do goto feito para navegar entre estrelas. Ao voltar para
meus queridos DSO´S Mlle. Herschel não
acha mais nada. Lá vou eu de novo realizar a rotina de calibração do goto.
Finalmente Selene deixa a sala e
me volto para a galáxias de Virgo. M 95 e Cia. LTDA. Já vão mais baixas e
prefiro deixar para outro dia. Das galáxias da derrota planejada acabo
conseguindo apenas Ngc 4526. Respeitada as proporções me sinto fazendo uma das imagens
de campo profundo do Hubble. O registro mostra muito pouco mas mostra que em se
apontando para Virgo dificilmente não se registra uma (ou mais galáxias) em
quase qualquer campo escolhido. 4526 é chamada de “A Galáxia Perdida”. Esta
noite ela foi a galáxia achada. Mlle Herschel mirou em M 49 e eu fotografei Ngc
4526...
Continuo
tentando a sorte por Virgo mas sem nenhum sucesso. A lua embora não estivesse
mais presente parecia assombrar os céus em uma espécie de “Crepúsculo Lunar
Astronômico” (A lua a menos de 18o abaixo do horizonte). Pior
que isso é ter a impressão que a lua tem propriedades quase homeopáticas . Depois de habitar o céu durante parte da
noite mesmo que esta seja diluída até a inexistência ela continua apagando
DSO´s.
Em algum
momento da noite passeando por Virgo e procurando fotografar galáxias por
tentativa e erro devido a T.P.M. de Mlle. Herschel eu ainda capturo a passagem
de um satélite “bemmm” lento. Segundo minhas pesquisas trata-se do Gorizont 26.
Um satélite de comunicação russo que habitou uma orbita geoestacionária até
março de 2007 quando saiu de serviço. Atualmente está em uma orbita cemitério.
Momento Hora do Brasil:
“Órbita cemitério,
também chamada órbita super
síncrona, órbita de refugo ou órbita
de descarte, é uma órbita significativamente acima das órbitas síncronas onde as espaçonaves são colocadas intencionalmente ao
final da sua vida útil. É um procedimento adotado para minimizar a
probabilidade de colisão de detritos com espaçonaves operacionais gerando ainda
mais detritos.
Uma órbita cemitério é usada quando a alteração de
velocidade necessária para retirar uma espaçonave de órbita é muito grande.
Retirar um satélite de uma órbita geoestacionária requer uma velocidade de 1.500 m/s, enquanto reposicionar
esse mesmo satélite numa órbita cemitério requer uma velocidade de apenas 11
m/s.”
Ele demorou mais de 140 segundos
para cruzar cerca de 1o firmamento. Foram 7 fotos com 20 segundos de
exposição até ele desaparecer de meu quadro. Supondo que demorei cerca de 3
segundos entre cada foto faça as contas e veja o que descobre a respeito do
moribundo satélite russo. Ahhh!!! É incrível registrar algo que deve
possuir uma magnitude por volta de 17...
Depois disto tento a sorte com M 83
só para me lembrar que o Cata-vento Austral é um alvo difícil. Faço algumas
fotos mas percebo rapidamente que o Deep Sky Stacker vai gerar apenas
“desastres binários”. E mesmo o Rot n´
Stack não fará muito pela causa.
M 83 versão "desastre binário"... Astrofotografia é a melhor diversão. |
Com a colimação ruim, Mlle. Herschel
voluntariosa e com um alinhamento polar que não deu muito certo decido brincar
de “5 segundos”. Escolho um alvo fácil e faço de uma a três exposições de cinco
segundos. Astrofotografia realista. Recordam muito o que se percebe pela
ocular. Astrofotografia é muito divertido e atrai muitas pessoas ao hobby. Mas
também afasta. O cara vê um DSO fotografado e depois compra seu telescópio. Quando
aponta para o mesmo alvo (supondo que o encontre) e percebe uma pequena
manchinha (quando percebe) e lá se foi a novo astrônomo... Astronomia amadora é
para quem gosta e não para quem quer. O adjetivo já deixa isto bem claro.
Decido que é melhor esperar pelo dia de amanhã e abro uma
cerveja...
Aprendi uma lição valiosa neste dia. Nunca fazer
alinhamento polar usando um DSO como referência.
No dia seguinte começo com mais calma e faço uma
colimação mais esmerada (mesmo assim não ficou grandes coisas. Esquecer o
colimador é um erro...).
Com tudo pronto para realinhar o telescópio novamente o
tempo dá uma fechada. Sem horizonte sul sem alinhamento polar. Enquanto espero
resolvo brincar com a lua. Tiro algumas fotos com foco direto e decido tentar
algo novo. Empilho duas Barlow 2X e com uma simulação de um telescópio de 4800
mm de distancia focal descubro que é difícil fazer foco. Mas com uma “trapizonga”
montada eu consigo fazer algumas fotos que com um certo “parasitismo” luminoso
apresentam resultados mais para promissores que propriamente interessantes.
Preciso limpar minhas Barlows com urgência. E mandar pentearem o gato com mais
frequência. Não sou um astrofotografo muito de lua. Mas as coisas podem mudar
...
Barlows em série... |
Decidido a fazer um alinhamento polar correto e sabendo
que a lua só vai “aliviar” bem mais tarde fico novamente brincando de “5
Segundos”.
Plêiades do Sul - "5 Segundos". |
"5 Segundos" - Ngc 3532 |
Quando observo na versão “Lobo Solitário” costumo ter a
companhia de meu telefone. Coloco ele para tocar as músicas que gosto e quando
quero alguma companhia mais “humana” costumo colocar o “Cosmos” original (com o
Sagan) para “tocar”. Esta noite o episódio foi “A Espinha Dorsal da
Noite”. Afinal, mesmo em Búzios, o miolo
da Via Láctea (na Tríplice fronteira entre Escorpião, Sagitário e Ophiucus) apresenta-se
leitoso quando vai se erguendo no céu Bortle 6/7 da Armação. Chamo esta região
de nossa galáxia de “ A Décima Terceira Vértebra”. Pretendo fotografa-la mais tarde.
Finalmente as 23:22:03 segundos eu alinho o Newton com auxílio
de Acrux. E testo diversas estrelas
guias para alinhar o goto. Finalmente com o ajuda de Antares e Arcturus eu
consigo que Mlle. Herschel crave alguns DSO´s dentro do campo de minha ocular
26 mm.
Já tarde da noite eu começo a fotografar de fato. Fugindo
totalmente dos planos e abandonado Virgo a sua própria sorte ( o efeito
“homeopático” da lua vem parecendo se confirmar empiricamente...) consigo perceber visualmente M 107. O último
globular Messier de Ophiucus para minha coleção. A colimação e o focalizador
estão me tirando do sério. Mas como Mlle. Herschel está boazinha então insisto mais
um pouco com a câmera no Newton.
Assim vão as coisas quando abato um objeto que há anos
vinha me traindo e que eu começava a suspeitar ser uma entrada falsa do New General
Catalog. Não era... Ngc 6400 existe. Fiz umas poucas fotos para registro e este é mais
um DSO para “Projeto Tudo que Existe”. Não é exatamente um “blockbuster”.
O plano
agora e para o resto da madrugada era realizar algumas fotos em Pig back com
minha 75-300 mm. E montar o set up completo. Com direito a banquinho e computador. Bossa Nova...
Só não contava com a condensação. Preciso melhorar o kit
de campo e me lembrar de secar a lente entre as fotos.
Mas fico feliz em ver que o sistema funciona e sou capaz
de ficar viciado no “Astrophotography Tools”. E com 300 mm é mole fazer
exposições de 1 min (e até um pouco mais) sem acompanhamento. Melhor ainda
fazer 30 e poder passear pela cozinha enquanto tudo acontece automaticamente. Aguardo ansioso poder fazer esta brincadeira
de novo. Desta vez com direito a mesinha de camping e uma barraquinha para
proteger o computador do sereno. A região de Antares vai receber uma nova
visita em breve....
Depois ataco a “Décima Terceira Vértebra”. Mas aí a
condensação já começou a se instalar e não aproveito quase nada das 30 fotos
feitas... outro encontro marcado para a próxima Lua Nova. A foto que abre este post é resultado de
apenas uma exposição de 1 minuto com ASA 800.
A noite já vai madrugada e eu tenho que viajar de volta
para o Rio na manhã seguinte.
A Aporema está encerrada. E já penso em realizar um
carnaval fora de época mês que vem .
P.S. Por razões de rigor histórico minha cabeça
equatorial deixou de ser Mme. (Madame)
Herschel e se tornou Mlle. ( mademoiselle) Herschel. É um tributo a
Caroline Herschel , irmã de William e não
a sua esposa. Caroline Herschel nunca se casou. Foi senhorita a vida
toda...
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