O mês de fevereiro foi bastante
intenso . Fui escalado para realizar um projeto na paradísica Fernando de
Noronha.E minha esposa foi demitida. Mesmo com todas as preocupações associadas ao
trabalho em questão e a preocupação com o saldo bancário da cara metade minha maior fantasia era sobre os céus escuros
que poderia encontrar na ilha. Sabendo que cada quilograma de bagagem contaria
para o transporte do equipamento necessário para filmagem eu ainda assim consegui
contrabandear meu "Pau de Dar em Doido" ( um binóculo 15X70) e Hipátia
( minha montagem EQ3-2) para trabalhar em conjunto com uma lente 70-300 mm.
O
céus são de fato muito escuros e em certas noites realizei sensacionais
passeios com o " Pau de Dar em Doido". Mesmo que lutando contra um
céu a "la Hermes de Aquino" ( Nuvem Passageira...) eu tive visões incríveis da Plêiades , Híades
e de diversos abertos em Auriga , Touro e etc... Uma noite foi especialmente
recompensante deitado nas areias da Praia do Boldró . Percebi diversas galaxias
no aglomerado de Virgem. Mas realizar longas exposições eram uma tarefa bem
ingrata e a alternância de momentos de céu claro com chuva tornaram quase
impossível a realização de astrofotografia. A única noite que me dispus a
colocar Hipátia em campo terminou em correria para salvar todo o equipamento da
chuva.
O
arquipélago é um habitat diurno. Uma das
maiores maravilhas astronômicas que você vai ver é de caráter muito
cotidiano. Diariamente eu via o por do sol. No ultimo dia me lembrei que gostava
de escalar e em um ato de determinação escalei o "Piquinho" para
observar este evento. Ainda nesta noite fiz algumas das poucas fotos astronômicas
da viagem. Hipátia foi até Noronha a passeio.
Como
me disseram os locais oitenta por cento das maravilhas do arquipélago estão
debaixo da água...
De
volta a "Stonehenge dos Pobres" eu , já saudoso de DSO´s e ainda
sobre os efeitos da viagem, resolvi capturar dois globulares que pela
forma tem forte relação com o ambiente
marinho.
O
primeiro deles é Ngc 6752 . Este foi apelidado por O´Meara como o aglomerado
"Estrela do Mar". Sua
observação visual definitivamente justifica o apelido e em minha modesta foto
realizada com forte poluição luminosa e com pouco tempo de captura o efeito
permanece. Em registros mais "sérios" esta impressão se perde um
pouco.
Localizado
na constelação de Pavão ( que é a
encarnação celestial de Argo, o construtor do navio dos Argonautas) esta
estrela do mar é o quinto globular mais brilhante dos céus e também um dos mais
fáceis de ser resolver em estrelas individuais . Nem tanto devido a sua
concentração ( que é bem alta) mas devido a sua proximidade de nós e a a magnitude
de ramo horizontal (13,7) . Devido a isto tudo
Ngc 6752 é um dos globulares que sofreu colapso do núcleo mais estudados
e que nos deu uma grande compreensão dos fenômenos envolvidos neste processo e
de das estruturas geradas da evolução dos globulares em geral. Assim sabemos que no núcleo interno deste de 20 a
40% de suas estrelas são binarias . Também foram encontradas diversas
"blue stragglers" e pulsares
de raio X.
Ngc
6752 se apresenta evidente em meu 10X50 e chega a começar a se resolver em suas
bordas com o 15X70. Mesmo no Rio .
Quando
observado com o "Newton" ( refletor 1500 mm f8) ele apresenta seu
caráter marinho claramente e justifica seu apelido.
Foi
descoberto por Dunlop durante seu levantamento realizado em Parammata , na
Austrália, em 1827. É a entrada de numero 259 de seu catalogo. Ele o descreveu
assim:
"[Uma nebulosa bem grande e
brilhante, com 5´ou 6´ de diâmetro. Uma figura arredondada e irregular e
facilmente resolvida em um aglomerado de pequenas estrelas. Extremamente comprimida
no centro ; A parte brilhante no centro é causada por estrela de magnitude
considerável quando comparadas com outras na nebulosa. Me sinto inclinado a
crer que se tratam de dois aglomerados alinhados ; a parte brilhante esta um
pouco ao sul do centro da grande nebulosa"
Com
magnitude 5,4 ele chega a ser percebido a olho nu em locais bem escuros. Partindo-se de Peackock ( Alfa Pavo) em
direção a cauda do Pavão ele será facilmente localizado com auxilio de qualquer
buscadora óptica mesmo em céus urbanos. É um globular que merce mais destaque e que
devido a sua posição muito austral é pouco comentado .Juntamente com nosso
próximo convidado ele compõem bem com a sagrada trindade composta por Omega Centauro,
Tucana 47 e M22. Continuando em
busca de globulares com algum "caráter marítimo" eu acabo visitando
um dos poucos objetos do catalogo Lacaille que ainda não apresentei por aqui.
Nossa próxima parada é em Ara e naquele que pode ser o aglomerado globular mais
próximo de nossa casa. Ngc 6397. Este
foi apelidado por mim mesmo. Suas estrelas , com o auxilio luxuoso de meia
garrafa de um espirito das highlands escocesas , me levaram a ver um cefalópode
mutante . Um polvo com nove pernas. Daí para o lúdico exercício de batizar
coisas muito maiores que as nossas estruturas cotidianas como algo que as
"humanize" foi um passo . Nasceu o "Aglomerado do Polvo
Mutante". Com certeza bem maior e
assustador que o pequeno exemplar que encontrei entocado e apavorado na Baia de
Sueste...
Ele
forma um belo par com o aglomerado anterior e é também um dos 20 aglomerados
globulares que sofreram colapso de seu núcleo e assim possuem uma imensa
concentração de estrelas em pouco espaço. Algo
sempre interessante para a astrofísica ...
Como
falei ele pode ser o aglomerado mais próximo da terra. Atualmente as bolsas
de aposta na Inglaterra pagam mais para ele do que para M4 . Mas a incerteza
ainda admite reviravoltas e jogar no azarão as vezes compensa... Sua distancia é estimada em 7200 anos luz de
nós e a de M4 é de 6.800. Com magnitude 5.3 é um desafio para ser
observado a olho nu em céus nem tão escuros . Estando perto de Beta Ara ele é facilmente localizado com o
uso de qualquer buscadora óptica.
6752 ele se apresenta facilmente em meu 10X70 e
começa a querer resolver-se em sua bordas . Resolvem-se varias
estrelas com o uso do "Newton" e mesmo do "Galileo" ( um
refrator 70 mm) .
Ngc
6397 é o quarto Globular mais brilhante dos céus perdendo apenas para a já
citada Trindade. E deixa no chinelo os tão cantados M 13 e M15...
O
aglomerado cobre uma área significativa ( 0,5o) mas o que se
percebe mais claramente é seu núcleo super denso. Afinal sofreu um colapso...
Ele
foi listado pôr Lacaille em 1755 como a
entrada de numero 11 da categoria III de
seu catalogo de Nebulosas ( estrelas acompanhadas de nebulosidade) ; Em sua
tradicional síntese ele não diz mais nada... Cabe a Dunlop revelar sua natureza
de forma um pouco mais expansiva: " Nebulosa resolvida em estrelas.". É a
entrada 336 de seu catalogo.
É
um outro favorito e mesmo sóbrio percebo seu aspecto cefalópode. ´Beta e Gama
Ara formam uma bela e colorida dupla no caminho para o "Polvo Mutante
" e este é um passeio que gosto muito de fazer.
As
fotos de Ngc 6397 foram realizadas em Búzios. São resultado de algumas dezenas de
exposições de 20 segundos com o "Newton" e com uma Canon T3 . 1600
ASA. O Rascunho de polvo foi feito com o Photoshop. O empilhamento foi feito
no DSS.
Saudades
de Noronha. Reza a lenda que o tempo é mais firme em setembro...
P.S.
Não fui a nenhum ato contra a Dilma. Mas
agora irei. Sinto que o contracheque da cara metade ( que não chega mais...) vai
atrapalhar meus planos para fotografar o aglomerado de Virgem este mês.
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