Ha muito não caçava objetos do
Catalogo Messier. Na Stonehenge dos Pobres sua grande maioria fica fora de meu
alcance. O horizonte sul do Rio de Janeiro não compartilha o mesmo latifúndio
celeste que a torre do Hotel de Cluny. Lá Messier fez as observações que levaram ao
mais famoso catalogo de nebulosas de todos.
O Catalogo Messier traz o
curioso karma de ser uma coleção de objetos a não serem observados. Messier nos
diz no Almanaque francês "Coinassance du Temp" para 1801 o seguinte:
"O que me levou a realizar
o catalogo foi a nébula que descobri sobre o chifre sul de Taurus em 12 de
setembro de 1758 enquanto observando pelo cometa daquele ano... Aquela nébula tinha tal semelhança com um
cometa em forma e brilho que me prontifiquei a descobrir outras para que
astrônomos não as confundam com cometas que estão começando a brilhar."
Embora Messier e seus
contemporâneos ainda não soubessem exatamente do que se tratava as nebulosas
que observavam seu catalogo tornou-se um excelente mostruário das estruturas
celestes ( DSO´s) que se apresentam no universo. Em suas 110 entradas encontramos 39 galaxias , 57 aglomerados estelares
, 9 nebulosas, os restos de uma supernova, um pedaço da Via-Láctea , um
pequeno "ajuntamento de estrelas , uma estrela dupla e segundo alguns
autores uma figurinha repetida...
Todos os objetos Messier se
encontram ao alcance de modestos telescópios sob céus escuros e sua maioria é viável até
mesmo com binóculos. Muitos se apresentam até para a vista desarmada. O catalogo Messier é o campo de provas que
ajudou varias gerações de astrônomos amadores a desenvolverem sua técnica e suas
capacidade observacional. Observar todos os objetos Messier é um marco na
carreira de qualquer astrónomo amador ou não. É como tocar
"Brasileirinho" para violonistas nacionais . Mesmo sabendo que nem
todo catalogo é visível de terras austrais ele é fundamental.
Logo que me interessei pela
astronomia e comprei meu primeiro telescópio meu objetivo era conhecer o céu de uma forma
geral. Saber as constelações , reconhecer as estrelas mais brilhante e coisas
do gênero. Na minha inocente concepção eu descobri um meio que poderia garantir
que eu estivesse observando o que eu achava que estava observando. Sabia que
existiam "coisas"lá fora que eu não veria sem o auxilio de um
telescópio. E usando as brilhantes estrelas que eu achava estar localizando
como faróis para localizar estas coisas eu desenvolveria um método infalível
para ter certeza do que eu estava vendo. Na época( isto continua valendo..)
todas as revistas de astronomia disponíveis eram publicações estrangeiras e
quase todos os guias também. De uma forma ou de outra acabei descobrindo o
catalogo Messier . Pronto. Tinha todos os ingredientes necessários para uma
obsessão...
E assim me recordo claramente de
meus primeiros DSO´s. Como não poderia deixar de ser foram alguns dos mais
famosos membros do Catalogo. E em pouco tempo eu tinha tido a feliz oportunidade
de conhecer M45 ( As Plêiades), M42 ( A grande nebulosa de Órion) , M7 ( o aglomerado
de Ptolomeu) , M6 (o aglomerado da borboleta) e M4 ( um dos globulares mais
próximos da terra) . O tempo passou e fui conhecendo quase todo o catalogo.
Alguns de seu membros fui visitar na terra de Messier .
O tempo passou e acabei tomando
um imenso gosto por aglomerados abertos.
As coisas estavam neste pé até
minha ultima viagem até Búzios. Com um observatório mais generoso que a modesta
janela da Stonehege do Pobres eu tive a oportunidade de revisitar e fotografar
pela primeira vez dois dos meus favoritos aglomerados abertos do Catalogo de
nosso caçador de Cometas do século XVIII. M46 e M47.
M 46 é uma descoberta original
de Messier. E é curiosamente a primeira entrada da segunda parte do
levantamento que levou ao que é o atual
Catalogo Messier. Ele o descobriu em 19 de fevereiro de 1771. Apenas três dias após ter publicado a primeira
edição de sua obra que cobria de M1 a M45.
Por uma razão "navegacional" vou
abordar M47 inicialmente. Localizar M 47 é mais fácil e estes é um porto
fundamental no caminho que nos levará até M46.
Localizado dentro das fronteiras
de Puppis ( Popa) o caminho até M 47 começa na mais brilhante estrela do
céu. Sirius. Após centralizar esta na
sua buscadora eu acho localizar M47 bastante simples. Indo rumo leste e usando a
Via láctea como guia M47 vai se apresentar em sua buscadora .Mesmo
como minha 7x30 mm ele é perceptível. Com a 9x50 ele é evidente e muitos membros
se resolvem.
Em condições mais extremas de poluição
luminosa ou se habitas muito ao norte Phil Harrigton apresenta um caminho mais geométrico. Em seu "Starwatch"
ele coloca que localizar M 47 é uma questão de seguir triângulos . Três
triângulos. Primeiro localize um formado por Sirius , Iotan Can Ma e Mulliphen
mais a leste. Seguindo o lado Sirius- Mulliphein ainda mais a leste localize um
triangulo menor e mais estreito ainda mais a leste; Seguindo ainda mais a leste
um outro pequeno triangulo com um perfil semelhante e com mais estrelas em seu
interior.Este ultimo triangulo apresenta
mais estrelas tênues em seu interior . São estas M47 e M46.
Nunca fiz o caminho proposto por
Harrigton. Não foi necessário e
parece-me confuso.
M47 tem a honra de poder ser
considerado um "Objeto Messier Perdido". Em seu amarelado livro de
registros que hoje habita um vitrine no Observatório de Paris sua entrada de
numero 47 apresenta coordenadas que nos levam a lugar nenhum. Somente em
1934 Oswald Thomas identificou M 47
como Ngc 2422 . Segundo O´Meara 25 anos se passariam ainda até que T.F
Morris descobrisse o erro de transcrição que levou ao erro por parte de
Messier.
M47- 12 X 15 seg asa 3200 |
A descrição de Messier sobre o
DSO deixa pouca duvida de Ngc 2422 ser
de fato M 47:
" (19 de Fevereiro de 1771)
Aglomerado de estrelas não distante do anterior (M46). As estrelas são mais
brilhantes. O centro do aglomerado foi determinado usando-se a mesma estrela .
Flamsteed 2 Argo Navis ( hoje Puppis2) .
O aglomerado não possui nebulosidade".
Observado pelo Newton ( um refletor
com 150mm e f8) é melhor observado com pouco aumento . Usando minha ocular 26
mm percebo algumas dezenas de estrelas
levemente azuladas como aguas marinhas vagabundas. O campo onde habita M47 apresenta em sua
proximidade uma outra bela gema vermelho alaranjada que não faz parte do
aglomerado. Trata-se de KQ Puppis. Parece um rubi solitário. O conjunto forma
um belo tesouro.
M 47 apresenta em estudos mais
sérios pelo menos 117 membros com seus membros mais brilhantes atingindo 5a
e 6a magnitude. Ele cobre algo com 25´de diâmetro (uma lua
cheia). Estando a não mais que 1550 anos
luz de nós significa que o mesmo se espalha por cerca de 14 anos luz. É bem
pequeno.
A primeira pessoa a observar M47
foi Giovanni Batista Hodierna antes de 1654.
Depois de localizar M47 chegar
até M 46 é bastante fácil. Com uma ocular wide field é só calcular um pequeno
salto de cerca de 1 grau na direção certa e este vai se apresentar. Perceber M
46 pela buscadora não chega a ser um grande feito mas pode ser difícil em
locais de muita poluição luminosa. Ele não chega a se resolver e apresenta-se
apenas como uma tênue "nuvem de luz". Com meu binoculo 15X70 percebo
algumas estrelas se resolvendo.
A comparação entre M46 e M47 é
um excelente exemplo de como dois aglomerados abertos podem ser diferentes (
com o binóculo e os dois no mesmo campo isto é evidente). M46 é muito mais
denso que M47 mas como suas estrelas são mais tênues a paisagem é muito
diferente. E também nos mostra como as coisas são relativas. M 46 esta 5.300 anos luz de nós . Seu brilho menos
intenso é somente por causa da distancia de nós. Ele possui no minimo 180
membros e com 300.000.000 é um ancião em comparação ao jovem M47 (55.000.000
anos) . E este se espalha por mais de 40 ano luz. M 46 é muito mais gracioso que M 47 quando observado pelo Newton. Com estrelas brilhando entre 10a e 13a magnitude e ocupando quase a mesma area que
seu vizinho comprar um ao outro é quase comparar vegetais com minerais... Uma
flor e uma rocha. Messier descreveu o aglomerado assim:
" (19 de fevereiro de
1771) Aglomerado de estrelas muito
tênues , sem nebulosidade. Este aglomerado é próximo a três estrelas que
repousam na base da cauda de Monoceros."
M46 é um dos aglomerados abertos
que mais gosto. Extremamente denso e com grande concentração apresenta diversas
estrelas duplas e com um olhar atento revela mais e mais estrelas. É um
excelente exercício para praticar sua visão periférica e descobrir mais e
mais segredos encrustados. Em telescópios menores ( 60 mm e etc..) le não chega a se resolver . com visão periférica uma poucas estrelas podem ser percebidas e uma estrutura "arenosa" parece se apresentar.
M46 apresenta claramente uma
estrutura espiralada . E guarda ainda um segredo. Ao aumentar a magnificação (
com a 10mm eu começo a perceber[120X]...) pode-se notar uma pequena
nebulosidade ao norte do aglomerado.
M46 e Ngc 2438-12X 15 seg. A nebulosa Planetaria é evidente abaixo do centro do aglomerado |
Trata-se de uma nebulosa
planetária. Ngc 2438. Os restos de uma estrela semelhante ao nosso sol estão
lá. É apenas uma coincidência. A nebulosa se encontra penas na mesma linha de
visada . Ela se encontra muito mais próxima que o aglomerado a "apenas"
2900 anos luz. E é fruto de uma estrela muito mais antiga que as "mocinhas"
que formam M46. Assume-se que a bela nebulosa
planetária começou a se formar a meros 46.000 anos. A estrela central que
alimenta esta nebulosa brilha com uma modesta 16a magnitude.
Ngc 2438 |
Messier ou não percebeu ou não
diferenciou esta nebulosa do aglomerado. Em seu catalogo existem nebulosas planetárias.
Mas isto já é uma outra história....