Esta época do ano começa a desfilar pela
janela do Nuncius Australis a antiga constelação de Argo. Ao contrario dos
navios “terrestres” (eu sei que soa um contra senso...) este aqui mostra
primeiro a Quilha e a Popa surgindo do horizonte para só depois apresentar sua
Vela. E o tecido desta é a Via Láctea e seus aglomerados galácticos. Também conhecidos
como aglomerados abertos. Cardumes de estrelas.
Barco, mar, cardumes. O céu parece querer
contar uma história.
Argo é o mitológico navio que levou Jasão
e os Argonautas (entre eles Castor e Pollux que agora habitam em outra constelação) em sua busca pelo velocino. O velo era a lã de ouro do carneiro
alado Crisómalo.
Jasão é possivelmente o primeiro corsário
da história.
Embora retratado como um herói no épico de
Apolônio de Rhodes, Argonautica ( 3 A.C.), ele pode ser entendido como um pirata. Um corsário
sem sua carta de corso.
O herói de um país é muitas vezes o
pirata de outro.
Jasão e os argonautas ( 1963) |
O Rei Aeetes sabia bem disso e disse para
Jasão (como no clássico filme de 1963...):
-Eu sei que vieste pelo velocino. E sei também que se não o conseguir pela
barganha vais conseguir de outra forma. Vais rouba-lo. E assim sendo não posso
mais considera-los bem vindos. Terei que trata-los como merecem. Como ladrões,
piratas e assassinos.
Mas nosso galã pirata consegue a ajuda (e
a paixão) de Medea. Filha de Aeetes. E Esse docinho de moça, depois de matar
seus dois filhos e desmembrar seu irmãozinho, acaba por ajudar nosso
pirata-herói a matar o dragão que protege Crisómalo e pegar o Velo de Ouro.
Depois de achar os métodos de Medea um
pouco exagerados Jasão se arranca e abandona a feiticeira a ver navios.
Literalmente.
Como O´Meara nos conta Julius Staal em
seu “Novos Padrões no Céu” explica claramente como a história de Jasão e os
Argonautas se conecta com o passeio do sol pelo zodíaco.
Stall explica que Jasão esta representado
no céu por Ophiucus. Aeetes é o rei Perseu,
constelação que representa todos os reis de todas as histórias. Algol (Beta Persei), a estrela demônio, é
Medea. E os membros despedaçados de seu irmãozinho são as estrelas de Auriga
flutuando pela via láctea. E Argo Navis é o barco dos Argonautas. Curiosamente
a constelação é conhecida pelos romanos como Navigium Predatorium (Navio Pirata).
A cereja do bolo é o fim da constelação.
Abbe Lacaille em sua viagem (1751-52) a cidade do Cabo tem um arroubo “medeatíco”
e desmembra a constelação de Argo. E ele se torna as modernas constelações de
Carina (Quilha), Puppis (Popa), Pixis (bussola) e Vela. Ele criou ainda a
finada constelação de Malus (Mastro).
Nosso querido Abade ainda descobriu 42 “nebulae”.
Entre elas se encontra Ngc 2547. É o
Objeto classificado por Lacaille como Lac III.2. Ou seja, uma estrela
acompanhada de nebulosidade (classe III de sua classificação).
Isto apenas implica que ele não conseguia
resolver, com seu minúsculo refrator de 15 mm com um aumento de apenas 8X, este
belo aglomerado aberto situado junto Gama Vela.
Ele descreve o aglomerado da seguinte
forma: “Cinco fracas estrelas que lembram a letra T envolta em névoa”.
Cabe a Dunlop ser o primeiro a resolver o
aglomerado na integra e através de seu refletor de 228 mm f10 ele viu “Um
curioso arranjo de bonitas pequenas estrelas de diversas magnitudes... Não
existe nenhuma nebulosidade na área.”.
15 exp. x15 seg. DSS+PS |
Localizar Ngc 2547 é bastante fácil. Centralize
a buscadora em Gama Velorum, que é uma dupla ótica e o aglomerado vais estar no
campo de qualquer buscadora ótica que eu conheça.
Um dado interessante sobre Gama Velorum ²
(a companheira mais apagada de Gama Velorum ¹) é que apesar das aparências ela
é muito mais brilhante (de forma absoluta) que a matriz. Trata-se da mais
brilhante e possivelmente a mais maciça estrela Wolf–Rayet conhecida.
Estrelas Wolf-Rayet são estrelas
extremamente luminosas e quentes em um avançado estado de evolução. Elas
liberam massa na forma de violento vento estelar que pode atingir até 3.000
Km/s. Elas podem atingir temperaturas de até 60.000K e estão fadadas a morrer
em poucos milhões de anos em uma explosão de supernova.
Ngc 2547 se apresenta em meu 150 mm como
um agrupamento relativamente esparso contendo algumas dezenas de estrelas
brancas. E cobre uma área considerável de minha ocular 25 mm Wide Field e é um
dos abertos mais interessantes de Vela. È possível associar a visão ao formato
de uma cruz . Isto explica seu apelido de Cruz de São Pedro. Outro apelido é o
da esquecida constelação de Lacaille, Maltus. Também devido a forma do
aglomerado. Cada um vê o que quer...
Archinal e Hynes listam mais de 112
membros cobrindo uma área equivalente a da lua cheia(30´).
Mesmo binóculos pequenos vão revelar o
asterismo em forma de “T” que Lacaille se referiu.
É um bom alvo para qualquer tipo de
instrumento e se revela bem mesmo em condições de forte poluição luminosa.
Este mês (novembro) ele ainda é um alvo
para os insones. Mas ao longo do verão ele começa a se colocar em boa posição cada
vez mais cedo. O observei por volta de 01h30min min. Neste momento ele se apresenta
em confortável posição para ser visto de minha janela no “Stonehenge dos Pobres”.
Ele tem uma magnitude de 4.7 e se
encontra a 1.400 anos luz de nós. Suas estrelas se encontram espalhadas por uma
região de cerca de 10 anos luz.
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