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quarta-feira, 12 de junho de 2019

M 95 e M 96 : Uma História Galáctica e Outro Livro Antigo...


          
         Após uma breve interrupção no projeto galáctico do outono o Nuncius Australis foge um pouco de Virgem e retorna até Leão.  Há tempos queria fazer um grande retorno e ganhar tempo para falar sobre M 95 e M 96 separadamente de M 105. Embora estas formem um tripleto menos famoso e sejam juntamente com o tripleto famoso (que consiste em M 65, M 66 e Ngc 3628) um grupamento em si as duas galáxias que aqui abordarei são alvo muito interessante e geralmente são apresentadas em conjunto. Até porque M 105 é uma entrada póstuma no catálogo Messier e é senhora de um tripleto particular dentro deste. Por uma daquelas coincidências de Adams (coincidências que parecem ser relacionadas a leis fundamentais do universo, mas que são apenas coincidências) Leão parece gostar de apresentar galáxias em grupos de 3.   De qualquer forma gostaria de fazer um pequeno rodeio antes de  chegarmos em M 95 e M 96.

 Já falei aqui no Nuncius Australis que gosto de colecionar coincidências de Adams, Tripletos galácticos e guias observacionais pouco conhecidos. Desta vez esbarrei com o “Webb Society Deep Sky Observers Handbook”. Uma obra única e como todas elas quase desconhecidas para maioria da humanidade. São 5 volumes. Cada um abordando um determinado gênero de DSO. (Estrelas duplas, Aglomerados abertos e globulares, Nebulosas Planetárias, Galáxias e por fim Aglomerados de Galáxias). 
Com várias dezenas de galáxias fotografadas recentemente e esperando por apresentação é evidente que estacionei no volume relativo as mesmas (Vol. 4). 
Kenneth Glyn Jones (o editor e organizador do evento) inicia os trabalhos contando algo que já sabemos ou deveríamos saber. Galáxias são os blocos fundamentais de construção do universo. As partículas materiais que preenchem o volume do universo.  E depois nos leva (em uma interpretação pessoal) há divagar sobre como as galáxias são um alvo que fascinam o amador. Objetivos difíceis e que muitas vezes revelam poucas coisas ao observador com modestos (e nem tão modestos) telescópios mas que ainda assim são caçados sem dó nem piedade por eles. E não só isso. As galáxias observadas por estes são muitas vezes tidas como troféus. Minhas galáxias...
De volta ao livro ele nos lembra que galáxias são visíveis por uma grande gama de aparelhos, mesmo binóculos. Mesmo sem se obter nenhum detalhamento elas serão sempre responsáveis por uma certa fascinação para os observadores visuais. (Creio que a astrofotografia amadora, embora já incipiente, ainda não fosse uma prática tão comum nos tempos da primeira edição). De qualquer forma ele nos lembra que a evolução do entendimento do que são galáxias é a história da evolução do nosso entendimento do universo e da astronomia propriamente dita.
Nós só realizamos, de fato, o que são essas discretas nebulosas em 1924. Mas utilizando telescópios bem mais modestos que  o Hooker Telescope no Monte Wilson ,onde Hubble observou  estrelas cefeídas individualmente ( cefeidas são estrelas que apresenta um relação entre a oscilação de seu brilho diretamente ligada a tempo desta mesma oscilação. Por isso velas padrão e podem ser utilizadas para medir grandes distancias) em Andrômeda e provou que as tais nebulosas espirais eram mesmo Via Lácteas fora da Via Láctea,  o homem elaborou uma bela ideia do que e como seria o Universo.
Naturalmente, as concepções de sistemas extragalácticos (e do o universo como nós o entendemos hoje) tiveram que esperar a ideia de como se organiza uma galáxia e do entendimento da forma da nossa própria galáxia. Na verdade, esse processo foi a criação   da entidade "galáxia".  O próprio termo galáxia vem do entendimento do nosso lar no universo. A Via Láctea. Galáxia é uma palavra que deriva do termo grego galaxias kyklos que significa "círculo leitoso". Se habitássemos uma galáxia elíptica as coisas poderiam ser bem diferentes...

É Thomas Wright de Durham, em seu “An Original Theory or New Hipothesis of the Universe” (1750) que primeiro imagina a Via láctea como um disco de estrelas. Ele declara que essa possui a forma de uma Mó (Pedra de Moinho). E ainda se antecipa a Kant em profetizar que muitas nebulosas seriam galáxias.
“...Diversos locais nebulosos, apenas perceptíveis por nós, além de nossa região estrelada, onde espaços visivelmente luminosos existem sem nenhuma estrela ou corpo físico em particular possam ser percebidos, estes podem ser criações externas, semelhantes a conhecida (a Via Láctea) , muito distante até mesmo para nossos telescópios. “
5 anos depois Kant se apropria da ideia e enxuga todo o misticismo e religiosidade da hipótese de Wright e em seu seminal “ História natural do Universo e a Teoria do Céu”  apresenta ,de forma mais clara, a hipótese de que as nebulosas (especialmente as em forma de fuso) são Via Lácteas distantes como nosso próprio sistema e ainda propõe que estas se organizariam em super associações. Esta ideia posteriormente é batizada de Universos Ilhas por Humboldt. Este conceito de universos insulares e seus múltiplos agrupamentos, que agora entendemos como aglomerados galácticos, foi um notável insight e se revelou acertada quase 180 anos depois.
Tanto Kant quanto Wright atiraram no que viam e acertaram no que não viam. Quando Kant escreveu seu livro as únicas nebulosas que se revelaram galáxias mesmo conhecidas e já observadas eram as Nuvens de Magalhães ( conhecidas desde a pré história e de forma alguma semelhantes a um fuso)  , a Galáxia de Andromeda ( M31, Conhecida desde a antiguidade e descrita no livro das Estrelas de Al Sufi) ,  Galáxia do Triangulo ( M33, registrada por Hodierna antes de 1654)  e  A galáxia do redemoinho do Sul (M83, descoberta por Lacaille em 1751) já tinham sido observadas. As nebulosas que nutriram as ideias de Kant eram, muito provavelmente aglomerados globulares. Se fundamentara, quase certamente, na ideia de Maupertius (1742) de que esses eram corpos elipsoidais formados por rotação.
                Posteriormente Herschel estrutura a Via Láctea de forma mais fundamentada observacionalmente e embora não acerte no todo deduz corretamente a forma da coisa. E descobre milhares de galáxias. Se você pretende observar DSO´s é melhor que se encante por elas. Mais de 74% do New General Catalog é composto de galáxias.
                Lorde Rosse e seu Leviatã finalmente resolvem diversas das nebulosas em seu formato espiral.
                As coisas vão nesse pé até o Grande Debate entre Curtisse Shapley que já foi apresentado aqui no Nuncius. E como foi dito, Hubble encerra o assunto e prova que as ditas Nebulosas espirais eram, de fato, “Universos -Ilha”.           
                E graças, especialmente, as galáxias espirais o homem descobriu a expansão do Universo. Depois disso Hubble cria sua classificação de galáxias e se juntam as galáxias espirais as Elípticas, lenticulares, Irregulares e Cia. Ltda. Mas isso é papo para outro post.
                De volta as Espirais terminamos o rodeio e chegamos até Leão . M 95 e M 96.
                Galáxias espirais, a meu ver, são os mais desafiadores e belos DSO´s que se pode observar. São os objetos que menos desejam mostrar sua beleza e estrutura e ao mesmo tempo são os DSO´s onde você mais deseja extorquir tais informações. Conheço pessoas que tem esse Nirvana com Nebulosas Planetárias. Essas, me parecem, precisar de mais ampliação do que posso extrair do Newton, mas menos experiencia observacional e tenacidade. São pequenas , mas, geralmente, tem um brilho de superfície mais alto. Isso "by the book". Ou seja, tudo pode ser diferente.
                E é aí que M 95 e 96 se destacam. São ambas espirais que mesmo com equipamentos relativamente modestos você talvez perceba detalhes que Rosse precisou de 78 polegadas de espelho para descobrir. A ótica e os materiais evoluíram bastante...

M 95

                M 95 e M 96 foram descobertas por Pierre Méchain na noite de 20 de março de 1781. Messier as observou 4 dias mais tarde. Caracterizou M 95 como “uma nebulosa sem estrelas, com uma luz muito tênue”. Cinquenta anos mais tarde o Adm. Smyth a descreveu como “Uma nebulosa lucida branca. Essa nebulosa é arredondada e brilhante e provavelmente mais definida no extremo sul que norte”. O´Meara destaca que com muita atenção se desconfia de sua estrutura espiralada e que a mesma recorda uma das naves do Império em “Star Wars”. Com essa cola eu consigo desconfiar dessa impressão no Newton ( meu telescópio 150 mm f8) com 120 X de aumento. Nas fotos essa impressão é evidente e uma excelente descrição. 
                M 95 é uma das poucas espirais barradas no catálogo Messier e é classificada com SBb ou SB(r) ab.  Sandage a define como protótipo de uma galáxia anelar.  Seu núcleo e cercado por um pequeno anel interior o onde ocorre intensa formação estelar.  Sendo um membro de Leo I e com observações de cefeídas realizadas pelo Hubble Space Telescope sua distância é estiada entre 31,2 milhões de anos luz e 32,6 milhões.
                Com pequenos telescópios M 95 será mais tênue das galáxias Messier na região e extrair detalhes dela será um exercício digno de nota. Ela habitara o limite do existir em binóculos e dependerá de noites e locais muito especiais para ser percebida com algo menor que um 15X70 mm.  E mesmo nesse será um trabalho duro. Você provavelmente perceberá primeiro M 96 e aí talvez consiga extorquir a mesma do fundo do céu.
M 96 - Estaa foto foi feita com o newton. Um refletor 150 mm f8. 20 X 30 seg... 

                M 96 é menor e mais apertada que M 95. Eu a acho mais fácil de perceber. Pelo menos seu núcleo é mais evidente. Seus braços nem tanto. M 95 é o membro mais brilhante do grupo de Leo. Estes são: M95, M96 e M 105, NGC 3299, 3377, 3384, 3412, 3489, 3627e UGC 5889 formam o resto). O grupo formado por M66, M65 e O fantasma de Hamlet é também  associado ...

                M 96 se encontra a uma distância aproximadamente igual a M95. Pode estar um pouco mais distante, mas suas velocidades radias as garantem como parceiras...  M 96 é uma galáxia espiral com diâmetro de 76.000 anos luz e massa total de 80 bilhões de sóis. Sua região central é habitada por estrelas amareladas mais antigas e apresenta uma discreta barra. Uma supernova foi descoberta nessa em maio de 1998. Devido a isto e diversas cefeídas observadas M 98 é uma galáxia bem estudada e um objeto muito utilizado para calibrar-se distancias.
                Um anel exterior bastante tênue ´´e de difícil observação e difícil mesmo para astrofotografias.

                O par é um excelente alvo para telescópios de médio porte e um desafio maior que M 66 e M 65 também em Leão. Juntamente com M 105 forma um tripleto mais difícil para amadores em busca de coincidências de Adams por Leão.  Localizado quase no meio do caminho entre Regulus e Chertan, abaixo da Barriga do Leão, você vai encontrar Leo 52. A partir dela cace seu caminho até nossas convidadas. Em locais escuros elas serão mais amigáveis. Recomendo que visite antes M 66 e M 65. Se estas estiverem em noite esquiva é melhor deixar para uma noite mais apropriada o ataque ao grupo de M 96. 

                  As fotos aqui apresentadas foram todas resultado de uma captura de 20 X 45 segundo ISO 1600 com uma Canon T3- Lente Pentax ED 300 mm f 4.5 Montada sobre um cabeça HEQ 5 pro. Realizadas em maio de 2019 na Armação dos Búzios. Foram empilhadas no Deep Sky Stacker com 20 dark frames. E posteriormente esticadas no PixInsight1.8 e cosmética no Photoshop.  Com exceção da foto de M96 isolada que foi realizada utilizando um refletor 150 mm f8. 

               

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