M
20 é um dos DSO´s mais famosos de todos os céus. É um conjunto de diversas estruturas como a
maior parte das nebulosas galácticas. Uma das mais ricas ao alcance de pequenos
telescópios. E um daqueles poucos, que havendo uma combinação favorável no
tempo e no espaço, poderá apresentar algum colorido para a visão dos amadores. Ou
pelo menos mimetizar isto. Pode ser efeito de seus grandes contrastes. Ao
combinar luz e trevas ela faz o truque. Assim como a mais difícil de se observar
“Nebulosa Cabeça de Cavalo”. A Cabeça de
Cavalo é resultado de uma nebulosa escura a frente de uma nebulosa de emissão. A
mistura de IC 434, uma nebulosa de emissão, com uma nebulosa escura (B 33) é
que torna possível se perceber o formato característico e que batiza a região.
É um caso típico do todo sendo identificado pela parte.
M
20 é um caso tão complexo quanto a região no entorno de Alnitak em Orion. Neste recanto de Sagitário temos uma nebulosa
de emissão, uma nebulosa de reflexão, um aglomerado aberto e uma nebulosa escura bordando a paisagem. A nebulosa
escura que é responsável pela aparência que nomeia a região é também uma
entrada do Catalogo de nebulosas escuras organizado por Barnard (B 85).
Ela
é incluída em diversos catálogos. Em alguns apenas a nebulosidade é o registro (Sh
2-30). Em outros se considera o aglomerado que a ilumina como sendo o alvo
principal (Cr 360).
Algumas
fontes irão atribuir a descoberta de M 20 a La Gentil. Mas é hoje opinião
amplamente aceita que a observação de Gentil seja um mal-entendido e este tenha
visto na verdade M 8. Bigourdan, já no
final do Sec. XIX, parece ser o responsável pela confusão.
Messier
parece ser o primeiro a registrar o aglomerado que habita a região. M 20 não
nasceu como “A Nebulosa Trífida”. Messier nos fala na sua 20a entrada,
em observação realizada em 5 de junho 1764, de “um aglomerado de estrelas,
levemente acima da eclíptica, entre o arco de Sagitário e o pé de Ophiuchus.”
Posteriormente Messier observa M 20 novamente em 22 de março de 1781, mas não
acrescenta nada de novo.
William
Herschel é o primeiro a perceber com certeza nebulosidade na região. Mesmo observando da Inglaterra.
Sua latitude muito austral faz de M 20
um alvo ingrato para os observadores muito boreais. Webb no “Celestial Objects for
Common Telescopes” nos diz que o objeto foi pobremente observado tanto por ele
como por Smyth. Na verdade, este último sequer apresenta uma entrada própria
para o conjunto que é apenas citado vagamente na apresentação que este faz de M
23. Tenho a impressão que Smyth não chegou a observar M 20 de fato. Ele fala em
um aglomerado cruciforme que Messier suspeitava ser cercado por nebulosidade.
De
volta a Herschel, com seu maior poder de fogo, é o primeiro a perceber algo da
natureza tríptica de M 20. “Três nebulosas, fracamente unidas, formam um
triangulo. No meio há uma estrela dupla.” Posteriormente (26 de maio 1786) ele
acrescenta uma nota falando de uma parte ao norte separada.
Seu
nome mais popular “A Nebulosa Trífida” remonta a John Herschel que dando
continuidade ao trabalho de seu pai a observa da Cidade de Cabo. “Trífida, três
nébulas com um vácuo por entre as brumas, no qual está centralizada uma estrela
dupla. “
É
curioso que John não tenha percebido a quarta parte (a mais ao norte) citada
por seu pai observando de latitude tão favorável.
Mas
o azar de um é a sorte de outro. Na mesma época que John Herschel desenvolvia
mapas descritivos de nebulosas visando perceber alterações nas mesmas e dar
suporte a hipótese nebular um jovem e quase desconhecido astrônomo americano vinha
desenvolvendo um trabalho semelhante e de forma independente.
Dizer
que Ebenezer Porter Mason foi um cara de sorte é uma mentira deslavada. Ele foi
uma daquelas figuras geniais e marcadas pela tragédia. Um gênio precoce que na história
recente me recorda Noel Rosa.
Para
se confirmar ou não a hipótese nebular desenvolvida por William Herschel (que
defendia que estrelas se formavam pela contração e condensação do fluido
nebular) era necessário que criassem mapas confiáveis para comparar-se a
estrutura das nebulosas ao longo do tempo.
Porter
Mason criou uma técnica que permitia uma precisão incrível e uma proposta
original no registro de nebulosas. Ia o
ano de 1839. Ele se utiliza de linha de isofotons ou linhas de igual brilho
para registrar as nebulosas por ele escolhidas para sua tese e legado. A
técnica de isolinhas é muito utilizada em mapas topográficos.
Mason,
em sua curta vida, (1819-1840) foi um prodígio desde a mais terna infância e
aos 16 anos adentrou em Yale. Lá construí
diversos telescópios e finalmente acabou construindo aquele que foi o maior
telescópio nos Estados Unidos durante sua curtíssima passagem por aqui. Um
refletor Herscheliano de 300 mm.
Desenhos de Porter Mason -M 20 |
Com
este ele observou M 20 durante 6 noites em julho e agosto de 1839. Durante as duas primeiras noites ele percebeu
apenas a mais conhecida e brilhante nebulosa de emissão que forma a parte sul de
M 20 (Ngc 6514) “onde percebem-se as três fendas que a dividem sem nenhuma dificuldade. Então na noite de 7 de agosto ele vislumbrou
a parte norte desta e que hoje sabemos tratar-se de uma nebulosa de reflexão. Embora
a pequena nota de William Herschel, Porter é o primeiro a registrar de forma gráfica
esta sessão da nebulosa. “eu e Sr. Smith
que a grande estrela imediatamente adjacente (à nebulosa principal) estava
cercada com uma nebulosa distinta não muito inferior ao brilho da Trífida. Não podia ser negligenciada e foi percebida no
primeiro vislumbre do campo. Seus limites são quase tão grandes quanto os da
nebulosa Trífida com os quais está quase em contato. Parece-me que M 20 é a primeira nebulosa onde
Mason utiliza suas linhas de “isofótonicas”. Parece também ter sido a única. Embora
um desenhista muito competente o único registro deixado por ele com esta
técnica foi de M 20. As outras nebulosas por ele estudadas a fundo foram a
Porção Leste da Nebulosa do Véu (Ngc 6992 e 6995) e M 17
Infelizmente
em pouco mais de um ano depois ele perde sua batalha para a tuberculose.
Ebenezer Porter Mason falece na noite de 26 de dezembro de 1840. Com 21 anos.
Em 1841 é lançado seu grande
legado ““Observations on nebulae with a fourteen feet reflector, made by H.L.
Smith and E.P. Mason, during the Year 1839”.
Neste estão todos os seus desenhos bem como o apanhado de técnicas que ele
utiliza para realiza-los. E diversas conclusões...
Porter
Mason, em sua curta vida, parece ter impressionado a muitos. O próprio John
Herschel rasga elogios ao rapaz e seu professor e mentor em Yale Denison
Olmsted escreve uma bela biografia onde resgata seus maiores trabalhos (Life
and Writings of Ebenezer Porter Mason: Interspersed with Hints to Parents and
Instructors on the Training and Education of a Child of Genius).
Sua
observação da parte norte de M 20 acabou por tornar esta pequena área de M 20
também conhecida como a “Nebulosa Porter Mason”. Este apelido parece ser fruto
de observações feitas 40 anos depois de sua morte por Swift, que ou confunde as
coisas ou vê algo que não foi até hoje revisitado. Ele nos diz: “Para minha
extrema surpresa eu detectei ainda uma outra grande nébula que segue próxima a Trífida,
a qual, é estranho dizer tem também um caráter tríptico. E que possui uma língua ou uma conexão como “Nébula
de Mason and Smith”.
É importante lembrar que na dupla Smith era o rico
que permitiu custear o telescópio de 300
mm ( foi talentoso astrônomo também e segue uma bela carreira. Não confundir
com o Admiral Smyth que foi autor do “Cycle of Celestial Objects” e sócio aqui
no Nuncius Australis). Mas Mason foi o prodígio... Foi ele o responsável pelas
observações e desenhos.
Tendo
chegado até Mason através do “Observing and Cataloguing Nebulae and Star
Clusters: From Herschel to Dreyer’s New General Catalogue” escrito por Wolfgang
Steinicke fiquei curioso sobre como estes detalhes de M 20 me haviam passado. E
fascinado pela figura poética de Porter Mason vou atrás de algumas fotos
recentes que tinha feito de M 20. Com
alguns ajustes no Photoshop e ressaltando o brilho da porção “Porter Mason” de
M 20 eu achei que Swift pode apenas ter se emocionado um pouco com o que viu. Com o auxílio
da fotografia eu consigo entender que a porção norte de M 20 tenha mesmo um caráter
de tríptico em escondido por ali. Nada tão evidente com sua porção principal,
mas regiões escuras fazem um recorte interessante e passível de imaginação pelo
observador. E creio que esta região não tenha sido incluída no que Barnard denominou como B 85.
M
20 é um objeto riquíssimo e que demanda noites e noites de observação para
revelar todas as suas nuances. Mesmo registros fotográficos serão distintos
dependendo do que se decidir buscar neste celeiro de estruturas celestiais que
atende em conjunto pelo nome de M 20. Observar a “Porter Mason” é um objetivo possível
para donos de pequenos telescópios . Mas demanda atenção e especialmente não
ser distraído pela porção mais óbvia e brilhante do conjunto da obra. Um
excelente exercício para o astrônomo visual obstinado...
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