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terça-feira, 10 de maio de 2016

Coma-Virgo Reloaded

   

                Há algum tempo eu não tentava a sorte no Reino das Galaxias. Na verdade há anos.  Desde os tempos em que as coisas não eram tão politicamente corretas  e que eu ainda podia chama-lo de Aglomerado de Coma-Virgem e não ser acusado de sexismo pela minha própria filha...
                Observar visualmente as galaxias do aglomerado é uma tarefa difícil  especialmente de locais afetados pela poluição luminosa. Da Stonehenge dos Pobres é perda de tempo.  Phill Harrington no seu já clássico "Starwatch" nos diz que " mesmo sendo possível observar todas as Galaxias Messier ( Galaxias que foram descobertas e/ou incluídas no Catalogo Messier de Nebulosas  publicado no século XVIII)  com o auxilio de um binóculo de 50 mm estes não são alvos indicados para novatos " Ele recomenda que você de uma polida nas suas técnicas observacionais antes de tentar a sorte com alvos tão difíceis.
                Em experiencias anteriores , ainda nos tempos do "Galileu" ( meu bom , velho e confiável  refrator 70 mm f13) eu já descobrira que é melhor manter baixas as expectativas. Com este eu só consegui observar acima do patamar de "Objetos Imaginários que gostaria de estar vendo" as Galaxias mais luminosas. Sendo estas: M 49 , M 60  e M87. Na categoria dos " Objetos que Percebo mas não Vejo" ficariam ainda M 84e M 86. Nestas o núcleo comparece e se suspeita não ser uma estrela de campo.
                Desta vez eu estava sedento de sangue. Armado com o "Newton" ( meu mais novo porem nem tao jovem  refletor 150 mm f8) e com Mme. Herschel ( uma cabeça equatorial HEQ 5 pro com "go-to") eu preparei a emboscada. Parti para Búzios pronto para pegar a noite de lua nova de maio com a casa quase vazia. Iriamos somente eu , a cara metade , minha filha e o meu filho.  Organizei uma derrota realista e coloquei tudo no papel. Ou melhor no "Notepad" do Windows...
                                         
                O cronograma era bem apertado. Iria pegar as crianças na escola as 13:00 horas  e sair direto para Búzios. Para realizar o alinhamento polar eu deveria estar com tudo pronto no quintal dos fundos da casa as 18:20 para conseguir utilizar Miaplacidus como estrela guia para o processo.  Para desespero da cara metade a estrada até Búzios é boa... Chegamos a casa as 16:00 horas tendo parado para comer croquetes na casa do Alemão. Parei ainda para abastecer no Post "Atrás do Muro" ( a gasolina mais barata da estrada: R$ 3,59 o litro) e fiz mais um pitstop no Supermercado quase chegando em casa. 
                As 18:00 Miaplacidus já se encontrava centralizada na buscadora polar e com os parafusos da cabeça foi fácil mantê-la ali até as 18:05:30.
                Depois disto Murphy faz sua visita obrigatória e começo apanhar das tomadas da casa.  Realizava o alinhamento do  Synscan da cabeça ( capaz de controlar a cabeça e garantir suas capacidade de achar os objetos que você deseja. Também e daqui para frente chamado de Go-to) e Murphy e seu amigo Osmar Contato  vinham-me visitar. E lá ia eu de novo realinhar  o "go-to" de Mme. Herschel.
                Finalmente consigo superar todas as dificuldades e a derrota planejada já tinha ido para o espaço.
                E assim decido seguir os passos propostos por Harrington no livro já citado. Este indica atacar o Aglomerado em duas frentes Uma campanha começa por leste e outra por oeste. Me decido lutar no front leste.
                A observação visual de galaxias é uma luta inglória. Muitas vezes você não vai ver nada ou quase nada ( a menos que seu telescópio seja muito maior que o Newton). A maior parte delas vai se apresentar na ocular pouco mais que seus núcleos. É por estes que você procura em um primeiro momento . Depois de localizar um destes e desconfiar que esta tênue estrela não é o que parece ser ( uma tênue estrela...) você vai utilizar as tais técnicas observacionais polidas pelo tempo que o autor já falou.A principal delas é a visão periférica. "Olhar com o rabo de olho". Outra uteis são as vezes dar um tapinha no telescópio e hiperventilar. Os olhos bem adaptados ao escuro são fundamentais.

                Duas galaxias que nunca tinha observado são a porta de entrada do aglomerado pelo leste.  Fugindo um pouco do caminho traçado por Harrigton ( que propõe iniciar em Vindemiatrix e observar a seguir Ngc 4762) escolho partir de Rho Virginis e tentar perceber  Ngc 4608 e  4596 no seu entorno. Já havia ensaiado o ataque no Stellarium ( um um hibrido de software planetário e carta celeste ) e sabia que com minha ocular de 40 mm ambas caberiam espremidas no mesmo campo que Rho. Existem outra fracas estrelas no campo para ajudar a ambas disfarçarem-se. Ngc 4596 acabou se entregando com o auxilio da 25 mm. Nada que que lembrasse o réveillon de Copacabana mas ela estava lá. Seu núcleo bem obvio acompanhado de leve nebulosidade no seu entorno. 4608 ainda mais discreta revelava somente seu núcleo.  Sabendo que estavam ambas em quadro monto a câmera e realizo 40 exposições de 30 segundos. Desta vez resolvera que ia utilizar o computador para me ajudar nas capturas e não ser obrigado a ficar com um disparador na mão.

                Havia feito o download do Astro Photography Toll para  a tarefa. Mas com pouco tempo e sem querer correr o risco de perder a única noite que tinha certeza que estaria aberta prefiro utilizar o Canon Utilities para controlar a câmera.  Escolho trabalhar em 1600 asas já que estarei capturando mais frames do que geralmente faço e tentando ter menos ruido.  Percebo logo na primeira foto que era melhor ter sido mais conservador e utilizado a já habitual 3200 asa.  Mas com tudo pronto ,  as fotos rolando e o acompanhamento indo bem prefiro deixar as coisas como estão.  E finalmente fotografo minha primeira galaxia virginiana. Na verdade as duas primeiras. ( Há quem diga que M 104 é um membro das bordas deste aglomerado . Mas não sendo uma Coma-Virgo "bona fide" eu não vou considerar as fotos que já realizei desta) .
                Depois peço para Mme. Herschel me conduzir até M 87. Esta um alvo visual fácil e que já tinha observado com o Galileu. Assim que coloco os olhos na Ocular percebo alguns esfuminhos. O campo é rico em galaxias  e como já havia percebido que nos claros céus buzianos seria difícil conseguir extrair detalhes me utilizando de minhas oculares prefiro fotografar  as vitimas. Logo na primeira foto desconfio que M 87 não esta entre elas. Mme Herschel tinha passado um pouco do ponto e acabara me conduzindo para o Inicio da Corrente de Makarian. Estou nos arredores de M 86 . Faço novamente 40 exposições . Desta vez com 3200 asa. Fico todo feliz ao perceber que tinha capturado no conjunto " The Eyes".  ( Ngc 4438 e 4435). Estas pequenas galaxias merecem o apelido e mesmo visualmente transmitem a impressão de dois pequenos olhos te observando.  Percebo mais varias galaxias no campo. Uma delas a interessante e visualmente perceptível  Ngc 4388. Vou falar de todas elas separadamente em posts futuros.
The Eyes

                Neste campo ocular você você vai perceber diversas estrelas muito tênues. Diversas delas são galaxias. Com atenção você irá perceber uma pequena nebulosidade envolvida. São todas galaxias. Ao navegar por Coma-Virgo você não realiza   "starhopping". A Brincadeira aqui é "galaxyhooping". 

                Outra descoberta é que ao fotografar o aglomerado você irá  capturar diversas galaxias em uma única foto. O campo do sensor de minha câmera no Newton ( uma Canon T3) cobre 62 `X42`. Nesta região isto implica em dezenas de galaxias em quase qualquer lugar.  Se lembramos que os membros do aglomerado estão  a  uma distancia média de 60.000.000 de anos luz de nós qualquer 1´de arco é algo como quase 6000 anos luz  e que meu sensor vai cobrir mais de 300.000 anos luz por  200.000 anos luz de latifúndio do universo. Não vamos falar em volume...  Existe uma conta meio mandrake " paracalcular  o diâmetro fisico de uma galaxia. Me foi apresentado no "Deep Sky Companions : The Messier Objects" . Neste são apresentadas 2 constantes . Uma para objetos galactico e outra para galaxias. Os valores funcionam bem para perto. Para longe acho sempre muito modestos.
                Esta foto engloba o oeste da famosa Corrente de Makarian. Esta inicia-se em M84 , passa por M86 , segue rumo a oeste pelo par que forma "The Eyes". São os membros originais da Corrente e listados por Makarian (  seu "eu profundo") . Creio que a Corrente de Makarian não tenha sido batizada pelo próprio. Este grande astrônomo foi o primeiro a perceber e/ou registrar que este grupo de galaxias caminham juntas pelo universo. Velocidade, distancia e direção são iguais ou pelo menos muito próximas.  Seu nome  em inglês é "The Makarian´s Chain" .  Mas em um arroubo "José Eustaquiano" ( lendário astronômo dos tempos do Império...) eu creio que Makarian "himself" a definiu como "The Makarian´s Stream". Algo como a "Corrente de Humboldt"  que nasce na Antártida e sobe a costa do Peru. Parente do "El Niño". 

                A corrente de nasce próxima ao centro "geográfico" do Aglomerado de Virgem e possui como "Heartland" M86. são as Galaxias originais e com movimento medido por Makarian M84 , M86, Ngc 4477, 4473,4461, 4458, 4438 e 4435.
                No lote fotografado temos  ambas as Messier e 4438 e 4435. Estas duas formando o já citado "asterismo galáctico" conhecido como "Os Olhos" ( "The Eyes" mesmo no Stellarium em português...) .
                De volta ao projeto original e achando que esta seria a grande estrela da noite me viro de costas para Virgem  e olho para o sul.  O objetivo agora seria   Ngc 4945 em Centauros.  Esta bem mais próxima que os velhos convidados e assim cobrindo uma area de sensor muito maior. Somente 12.000.000 de anos luz de nós.   Com 20´de diâmetro e aplicando a tal conta que falei ela mede menos de 30.000 anos luz. Mas 77.000 é uma valor comum na literatura. Como falei a conta é meio "mandrake".

                Fiquei um bom tempo caçando a galaxia. Com magnitude listada de entre 8,5 e 9,3 deveria ser visível mesmo com Bortle 7. Mas não era. Felizmente ela se localiza ao lado de Epsilon Centaurus. Uma dupla. E com esta visível na buscadora e com o dever de casa feito eu sabia onde ela estava. E estava. Foram realizadas 40 fotos de 30 segundos . Uma única exposição nos explica o que é brilho de superfície. com 20´o brilho de uma estrela de 8,5 magnitude é quase nada. depois do processamento ela revela alguns detalhes. É um belo objeto que para ser observado visualmente deve demandar céus muito escuros.  Depois do objeto fotografado e sabendo bem onde estava eu consegui suspeitar sua presença com a 17 mm. 
                Já ia tarde e minha cara metade queria atenção. Marte já alto no céu é um bom programa para "os não iniciados". O seeing não era essas coisas mas se percebiam algumas formações no planeta já próximo da oposição. Com a 10 mm e uma barlow 2X tive arroubos de Schiaparelli e achei que via canais escondidos na paisagem. Tempo de encerrar a função e beber uma cerveja.
                O Aglomerado de Coma- Virgo não é alvo facil. Sem duvida uma grande diversão para aqueles que os americanos chamam de "Deep Sky Die Hard". Algo como  " Fissurado em Céu Profundo".  Como no disse Harrington uma área de lazer para os mais experientes. Mesmo com telescópios maiores que o Newton achar detalhas na paisagem será um exercício de visão e experiência.
                O que pode ser melhor que isto?

P.S.  As fotos aqui apresentadas são fruto de um primeiro processamento realizado em Búzios. Por algum motivo o Deep Sky Stacker não quis funcionar por lá. Eu conseguia abrir os light frames mas ao tentar carregar os darks ele se fechava automaticamente. Desta forma recorri ao bom , velho e confiável Rot n´ Stack em combinação com o Fitswork para fazer o pós processamento. Já de volta ao Rio reinstalei o DSS e tudo voltou ao normal. Resolvi guardar estas para próximos posts e ainda são produto inacabado.
            Eu sei que preciso limpar o sensor da câmera...
               
                

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