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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A Luneta de Lacaille




Nicholas Louis de la Caille, o Abbe Lacaille, é um dos astrônomos mais queridos do Nuncius Australis. Apesar de ter detestado a cidade do Rio de Janeiro, que é tão querida a este que vos escreve, ele não deve ter mentido. Os odores que a cidade exalava no período que este esteve por aqui (o Verão de 1751) não deveriam realmente ser os mais agradáveis. E como eu sei a temperatura pode de fato ser excruciante. Seu observatório durante o período fica na atual Rua do Rosário...

Mas o nosso irritadiço e afrescalhado abade (ele também reclamou de enjôos que sentiu durante cada momento que passou no Le Glorieux, navio que o trouxe até aqui) realizou uma tarefa hercúlea e de uma forma bastante difícil. Possuo diversos amigos que diriam ser impossível realizar tanto com tão poucos meios.

Lacaille nos deixou como herança uma família inteira de constelações. Das oitenta e oito constelações ocidentais modernas ele estabeleceu 13 (14 se considerarmos Bussola).

A família Lacaille consiste em:

• Norma – O Esquadro

• Fornax – A Fornalha

• Circinus – O Compasso

• Microscopium – O Microscópio

• Sculptor – O Escultor

• Caelum – O Buril

• Mensa – A Mesa

• Reticulum – O Reticulo

• Pictor – O Pintor

• Antlia – A Bomba de Ar

• Telescopium – O Telescópio

• Horologium – O Relógio

• Octans – O Oitante



Dividiu ainda a antiga constelação de Argus, o navio, em três partes: popa, Vela e Quilha.

Para tal feito ele catalogou e localizou mais de 10.000 estrelas do então ainda muito desconhecido céu austral.

E não bastando isto ainda elaborou um catalogo com diversas estrelas nebulosas, muitas das quais desconhecidas.

Mas isto não é nada. Ele fez tudo isto com Lunetas com apenas ½ polegadas de diâmetro. Algo como 12,5 mm. Aproximadamente. No espaço de dois anos e habitando o que viria a ser a moderna Cidade do Cabo. Pesquisando posteriormente descobri que embora existam controvérsias sobre o quão modestas eram as lunetas que Lacaille possuía durante a viagem estas não ultrapassavam, com certeza, mais que 30 mm de diâmetro. Menores que minha buscadora...

A buscadora ao fundo é uma Skywatcher 6x30mm
Nunca entendi como uma expedição cientifica tenha ido tão longe com equipamento tão modesto.

Mas isto ia mudar e eu ainda ia entender a curiosa classificação que Lacaille fazia de nebulosas. E ia ver meu respeito pelo abade crescer ainda mais...

Caminhando por uma pequena transversal que liga o Boulevard St. Germain, uma das ruas mais animadas de Paris, a avenida que passa na Beira do Sena, na Rive Gauche, passo por uma discreta loja .Che Homa , Atelie de Ambiance. Ele produzem muitas das peças expostas . Misturam antiguidades com decoração. Eu que ia apressado rumo ao Museu d`Orsay e com minha cabeça já no terreno do impressionismo nem reparo. Um amigo me chama a atenção e volto para ver uma pequena luneta que esta na vitrine. Pronto. Fui fisgado.

A pequena Luneta, de latão, e com uma objetiva  de uma polegada de diâmetro me lembrou imediatamente do Abade.

Venho trabalhando (agora a mais de um ano) em um livro que tem como tema o antigo catalogo e vi ali a oportunidade de ter uma idéia do trabalho monumental realizado por Lacaille.

Tive na minha infância uma luneta de plástico muito modesta. Era uma “coisa” semelhante ao objeto que via. Porém agora o que eu olhava me lembrava mais uma pequena jóia que um brinquedo chinês e feito de plástico.

Entrei na loja e enquanto minha esposa e uma amiga fuçavam todos os cacarecos decorativos disponíveis eu namorava a luneta. Não era cara. Nem barata. Eur$ 50,00.

Percebi que não apresentava quase nenhuma magnificação (+- 3x). Mas as imagens se tornavam bem mais claras que a vista desarmada. A mecânica dela é bem acabada e os tubos correm macios uns nos outros . O acabamento em couro  me atrai. É macia para se manipular. Conseguia perceber detalhes em uma vitrine do outro lado da rua. Minha esposa da um empurrãzinho dizendo que vai ficar linda na estante ao lado do relógio que ela comprara e eu me dou por vencido. Ela é menor que minha buscadora 6x30mm. E com uma distancia focal mínima.

Na mesma hora a batizei: “A Luneta de Lacaille”

Só a retiro da embalagem quando chego no Brasil. Veio bem embalada e escondida dentro da mala. Plástico bolha e etc...




Quando finalmente olho através dela, em direção a Alpha e Beta Centauro, vejo o achado que tinha feito e ao mesmo tempo tenho o choque de como o Abbe era um homem com olhos muito especiais.

Seu campo é bem amplo e consigo perceber claramente Alpha e Beta. Mas aí vem a surpresa. Uma pequena estrela. Daquelas que não faz foco. E mexo para lá e para cá e nada de foco. Mas Alpha esta lá. Focalizada.

- Meu deus! É 5662.

O aglomerado aberto NGC 5662 é uma descoberta original do Abbe. E é incrível que ele tenha percebido sua natureza diferente das outras estrelas dentro do campo com tão modesta visão. Catalogado como Lac III 8 Lacaille o considerava uma estrela com nébula (a categoria III do seu catalogo). As classificações utilizadas pelo Abbe tem apenas significado histórico, mas suas descobertas (quase todas) se revelaram DSO´ S genuínos.

Aproveito a posição e inspeciono o Cruzeiro. Outra estrela enevoada se apresenta. Esta eu sei logo de cara que é a visão mais modesta que já tive da Caixa de Jóias ( Ngc 4755) . Mas esta lá.

E a pequena luneta passou a integrar o equipamento que utilizo nas observações do Catalogo durante a realização da pesquisa para meu livro. Acredito que vá ajudar em muito no entendimento das descrições do próprio Lacaille.


E a Luneta de Lacaille ficou, de fato, linda compondo a decoração da estante da sala.


2 comentários:

  1. Muito simples essa luneta. Mas por que que Lacaille usava uma luneta tão modesta ?

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    1. Nunca achei uma resposta para isto. Acredito que o principal objetivo de Lacaille era mapear as estrelas austrais. Consequentemente utilizava pequenos refratores sempre integradas com sextantes e equipamentos afins...

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