Quem
acompanha o Nuncius Australis já deve conhecer as Coincidências de Adams. Essa
são coincidências que levam a crer que dois fenômenos não relacionados tenham
algo a ver com leis fundamentais do Universo. Mas são apenas uma
coincidência. São uma criação de Douglas
Adams, autor do “Guia do Mochileiro das Galáxias”. Uma obra obrigatória para qualquer amador .
Dois exemplos clássicos:
1. 1 Em
um triangulo retângulo onde o cateto maior possui o tamanho da soma do diâmetro
da Lua e da Terra e o cateto menor possui o tamanho da terra vai nos levar a
uma hipotenusa com o valor de Phi. E voilá:
Proporção Aurea, Fibonacci e outras numerologias se apresentam. Uma “Coincidências
de Adams” para minha coleção.
2. 2 A
Lei de Titius Bode. Apesar de parecer as orbitas planetárias não são
quantizadas. Outra para a coleção. Esta alçada a lei, mas é apenas uma licença
poética.
Na hierarquia
do método, depois das Coincidência de Adams, vem as hipóteses.
Estas, as
hipóteses, podem ser entendidas como sendo pressuposições sobre o esperado. Ter
uma ou algumas hipóteses vão contribuir para orientar a direção da sua
pesquisa. Logo, ajuda você a manter o foco.
Mas não se
preocupe, não existem normas para criação de hipóteses. Elas podem ser
provenientes de conhecimento de: senso comum; observação de uma situação pelo
pesquisador; comparação de estudo; dedução lógica de teoria; cultura na qual a
problemática é observada; analogias entre duas ou mais variáveis.
hipótese é algo que não é, mas que fazemos de
conta que é, para ver como seria se ela fosse.
Uma hipótese que sobreviveu a observação, experimento e mais
algumas premissas se candidata a lei.
Uma lei é provada matematicamente e sobrevive a qualquer
escrutínio lógico e permite prever o que vai acontecer em qualquer local do
universo em qualquer data.
Na ciência existe ainda algo que caminha na tênue linha entre
a hipótese, a coincidência e a lei... São as Lendas da ciência.
Dizem que lendas sempre tem um fundo de verdade. Ou que são mentiras que ganharam a autoridade
do tempo.
E assim, meandrando pelo método científico, chegamos até Ngc
2423 e ao super aglomerado das Hiades.
Até Ngc 2423 chegamos porque eu fotografei o aglomerado por
acaso. Ele fica muito próximo a M 47. E quando descobri que M 47 tinha mais um
agregado além de M46 (estes dois aglomerados de Messier tem um que de siameses)
fiquei boquiaberto. Mais ainda quando descobri que este era um alvo perfeito
para o “Projeto tudo que Existe”; este inclui todo e qualquer DSO que escapou das
garras de O´Meara, Burnham e cia ltda e não se encontra em nenhum guia
observacional que eu possua. Na verdade, uma vítima perfeita já que é um belo
aglomerado, com um tamanho razoável, visível com quase qualquer equipamento e
por incrível que pareça relativamente bem estudado.
Mais que isso. Um possível remanescente do lendário Super
aglomerado das Hiades.
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Hiades |
As Hiades são o aglomerado mais próximo da terra e conhecido
desde a antiguidade. Localizadas ao redor de Aldebarã (a Estrela laranja que
representa o Olho do Touro e não é um membro de fato das Hiades) dispensam
apresentações. Se você já olhou para o céu com alguma atenção já as viu. Mesmo
sem saber.
Mas, de volta a Ngc 2423, vamos ver como estes se relacionam.
Começa a nascer uma hipótese. Quando fotografo um objeto o passo seguinte é
pesquisar sua história e cosmologia. Geralmente começa caçando o mesmo na minha
biblioteca. Quando esse escapa e todos os meus alfarrábios parto para a
internet. E aí descubro que apesar de ignorado por todos os pervertidos que
assim como eu adoram caçar DSO´s pouco conhecidos o nosso aglomerado é bem
conhecido nos círculos mais sérios da astronomia por um motivo muito em moda
atualmente. Ao redor de uma de suas estrelas foi encontrado um planeta exo
solar. Pelo que entendi Ngc 2423-3 possui um Júpiter quente ou um anão marrom.
Isto é alvo de discussão. Uma coisa leva
a outra e vários papers começam a surgir a respeito do aglomerado com um
planeta. Um deles me chama a atenção. Reconheço o nome do autor. Não sei bem da
onda. tipo aquela música “esqueci seu sobrenome, mas me lembro de você”. Não
sei lá o que Eggden...
Vamos voltar um pouco no tempo. Quando estudamos o universo é
uma ferramenta útil. Para o horror de alguns astrônomos mais Caxias a história
é também uma ciência. Aliás as ciências humanas, a filosofia e etc... tem papel
fundamental no avanço da ciência. Na verdade, para desespero de alguns, toda e
qualquer ciência é humana. A menos que você conheça uma paca ou um tatu (cotia
não) que tenha exposto de forma lógica e coerente alguma ideia e estabelecido
alguma lei fundamental toda ciência é humana. Uma exclusividade da espécie. Se
você me apresentar um primo do Dr. Spock também posso dar o braço a torcer.
Richard A. Proctor, no prefacio de seu “Myths and Marvels of Astronomy”
(1903), consubstancia minhas afirmações acima: “O principal charme da
Astronomia, entre muitos, reside nas maravilhas reveladas a nós pela ciência, mas
também na tradição e lendas relacionadas com sua história, as estranhas
fantasias com as quais foi associada pelos antigos, aos mitos meio esquecidos ao
qual deu à luz. Em nossos tempos também, a astronomia tem também seus mitos e
fantasias, sua natureza, invenções e paradoxos surpreendentes...
...Mitos
astronômicos, que na devida proporção, relacionam-se a algumas das principais
maravilhas que a moderna astronomia nos revelou.
É esse mesmo Proctor (do também
super clássico e charmoso “Half -Hours with a Telescope. Um guia observacional
do tempo do onça...) que primeiro lança luz sobre o Super aglomerado da Hiades.
Um misto de mito astronômico moderno ou quiçá uma hipótese a ser provada.
O chamado Super aglomerado das
Hiades é também conhecido como a Corrente da Hiades. Proctor em 1893 percebeu
que diversas estrelas espalhadas pelo céu e distantes destas compartilham um
movimento similar pelo espaço. Em 1908
Lewis Boss reportou quase 25 anos de observação que suportavam esta premissa. Boss
publicou um mapa que traça o movimento destas estrelas de volta até um ponto de
convergência. Alguns anos depois Eggden (meu velho desconhecido que estava
refugiado em algum local de meu córtex cerebral...) assume que estas estrelas (e aglomerados
menores) são relictos do que ele chamou do super aglomerado da Hiades. O
argumento de Eggden (1958), de que grupos deste tipo são, de fato,
remanescentes do super aglomerado continua em debate. Afinal o fenômeno pode
ser causado por mecanismos completamente diferentes dos propostos por Proctor, Boss
e Eggden. Famaey reporta que cerca de 85%
das estrelas na “corrente da Hiades” se mostraram completamente dissociadas do
aglomerado inicial se relacionarmos estas por sua metalicidade e idade.; seu
movimento semelhante pode ser atribuído a efeitos de maré do maciço braço rotatório
no centro da Via láctea. Mas entre os remanescentes membros da corrente temos
elementos tão espalhados como as estrelas de Ngc 2423 e Iota Horologii. No mapa
abaixo podemos perceber a vasta distribuição destas. Curiosamente, seja por uma
coincidência de Adams ou por uma lei desconhecida tanto Iota como Ngc 2423 são
portadoras de exoplanetas recém descobertos e por isso renovam as suspeitas de
que há algo além de uma lenda nesta hipótese. Talvez um fundo de verdade.
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Podemos perceber como se dispersaram pelo firmamento os supostos membros do Super aglomerado das Hiades ou A " Corrente das Hiades". |
Continuando minhas investigações
cheguei a um paper bem mais recente de Eggden (1983) e lá está: Ngc 2423 and the red giants do super
aglomerado das Hiades.
(http://articles.adsabs.harvard.edu/cgi-bin/nph-iarticle_query?bibcode=1983AJ.....88..190E&db_key=AST&page_ind=0&data_type=GIF&type=SCREEN_VIEW&classic=YES
)
Neste ele apresenta similaridade
das estrelas das Hiades com as de Ngc 2423.
Ele conclui o trabalho assim:
E assim nascem as lendas.
Ngc 2423 possui 750 milhões de
anos. E está a cerca de 2500 anos luz de nós. Sua idade (embora calcular idades
estelares seja algo meio Mandrake...) é contemporânea da Hiades. Bem como seu
digrama HP também. Iota Horologii é outra
contemporânea. Mas esta seria uma estrela fugitiva e desgarrada de qualquer
subgrupo do superaglomerado original. Recentemente falamos de uma estrela semelhante (embora muito mais jovem) por aqui.
Algo que pode ser uma coincidencia ou ser relacionado a leis mais fundamentais do universo é a presença de exoplanetas registrados ao redor de gigantes vermelhas nas Hiades, Ngc 2423 e em Iota Horologii.
No mais o aglomerado é um belo alvo é interessante que um objeto cercado de tantas histórias, cosmologia e ao lado de um dos aglomerados duplos mais manjados dos céus (M47 e M 46) seja tão pouco visitado e não tenha sido descrito em nenhum guia observacional clássico ou moderno.
Localiza-lo é tarefa fácil e ele
se presenta plenamente resolvido com um telescópio de 150 mm f8 com 60 X de
aumento. As fotos aqui apresentadas foram realizadas com uma Lente Canon 300 mm f 5.6. São resultado de 10 exposições de 1 minuto empilhadas no Deep Sky Stacker e processadas no PixInsight. 4 dark frames para calibragem.
Um belo programa para o amador nesse
fim de verão é iniciar pela Hiades, seguir rumo ao sul passando por 2423 (e visitar
seus lindos arredores) e depois visitar Iota Horologii. Esta uma tarefa difícil
em locais de céus menos generosos. Você vai passar em vários exo planetas pelo caminho.
e não vai ver nenhum. Mas eles existem... Não são lendas, hipóteses ou coincidências.