A noite de 19 de janeiro de 1779
deve ter sido bem agitada no Observatório de Cluny. Charles Messier descobriu
um cometa e logo em seguida se deparou com outro suspeito. O cometa era um
cometa mesmo. E já havia sido observado por Bode em 6 de janeiro (quase duas
semanas antes). Como naqueles tempos pré-telegrafo as notícias viajavam em um
ritmo tão lento que poderiam chocar aqueles que nasceram nos tempos da
“internet discada” ele não sabia disto.
Já
o suspeito não era um cometa. Ao retornar na noite de 23 de março para
inspecionar o elemento este percebeu que a pequena bola enevoada não havia se
movido em relação as estrelas e logo tratava-se de mais uma nebulosa. E assim acabou se tornando a entrada de número
56 de seu catalogo de “impostores de cometas”.
Messier
o descreve da seguinte forma (temo parecer um pouco repetitivo): “[Observação
de 23 de janeiro, 1779]. Nebulosa sem estrelas, a qual é muito tênue. M. Messier
descobriu esta precisamente no mesmo dia que descobriu o cometa de 1779, em 19
de janeiro. No dia 23 determinou sua posição por comparação com Flamsteed 2
Cygni. Repousa próxima a Via-Láctea e próxima a uma estrela de 10a magnitude. M. Messier marcou sua posição na carta para o
cometa de 1779”.
Este
cometa foi acompanhado por diversos astrônomos e ao longo de sua orbita foram
encontradas diversas nebulosas que adentraram o Catalogo Messier (M 56, M 57, M
58, M 59, M 60 e M 61). Messier não publicou esta carta até 1782 e incluiu
diversas nebulosas de seu catalogo na mesma.
Parte ampliada . Podemos perceber as posições de M 56 e M 57 plotadas.
M
56 é uma entrada discreta nos guias observacionais clássicos. Dito isto gostaria de abrir um parêntese a
fim de apresentar algumas conclusões que cheguei ao longo de vários anos
explorando os céus, sua história, seus catálogos e seus guias observacionais.
Os
ditos catálogos são a matéria prima para o moderno astrônomo amador. A maior,
senão todas as maravilhas celestes ao alcance destes foram descobertas e
registradas nos que vou chamar de Catálogos Clássicos. Nestes todos os objetos
são descobertas ou redescobertas de DSO´s originais. Estes autores mapeiam de
fato os céus e são verdadeiros pioneiros celestiais. No meu entender podemos iniciar a lista de Catálogos
Clássicos com o Catalogo Lacaille. Embora seja discutível que esta poderia começar
com o catalogo deixado por Hodierna ( que só foi “descoberto” nos anos de 1980)
e posteriormente incluída também a pequena lista feita por Halley ( sete
objetos. ). A seguir vem o mais clássico de todos eles e chegamos ao Catalogo
Messier. Depois surge o embrião do General Catalog (que embora embrião é a maior
parte deste) e as 2500 nebulosas descobertas por William Herschel, com o auxílio
luxuoso de sua irmã Caroline, que amplia em muito o nosso conhecimento do
universo. Depois disto, especialmente para os habitantes austrais, deve-se
incluir o catalogo elaborado por Dunlop e finalizando esta fase áurea os
Objetos descobertos por John Herschel (filho de William) que conclui o trabalho
de seu pai e dá corpo a General Catalog em si. Posteriormente tudo isto e mais
um pouco é organizado por Dreyer e surge o mais utilizado e completo catalogo
em uso hoje em dia. O New General Catalog , chamado pelos íntimos de NGC.
Depois
deles vem os chamados Guias Observacionais clássicos. Os dois mais importantes e
que, com poucas exceções, são os únicos que consulto são o “Cycles of Celestial
Objects” e o “Celestial Objects for Common Telescopes” do Admiral Smith e do
Rev. T.W. Weeb respectivamente. A título de justiça “Evenings with the Stars”
de Mary Proctor e o “Astronomy with na Opera Glass” do Serviss são também
historicamente importantes. E as vezes me lembro de visita-los. “Cycles” é um belíssimo trabalho e Smith é mais prolixo e poético em suas
apresentações. Mas o trabalho de Weeb traz a grande vantagem de já adotar a
numeração do New General Catalog na apresentação dos objetos. E para o
astrônomo amador atual o formato do antigo General Catalog (adotado por Smith)
com sua notação Herscheliana é quase como ler hieróglifos.
Depois
destes dois e provavelmente o primeiro Catalogo moderno à altura destes e que nos traz para o
século 20 é o magnifico e completíssimo trabalho de Burnham . “The Burham´s Celestial Handbook” marca o
começo de um outro tempo para os guias observacionais. O Próprio Burnham nos
diz o porquê em poucos parágrafos de sua curta introdução (em uma tradução
livre): “Este (o “Celestial Handbook”) pretende ser o catalogo padrão e o
detalhado guia descritivo de muitos milhares de objetos observáveis para amadores
com telescópios de 50 a 300 mm. Seu domínio é todo o universo além do sistema
solar. E vai lidar com os objetos celestiais hoje em dia conhecidos com “objetos
de céu profundo”. Diversos livros foram produzidos no passado tratando da matéria
sendo o mais completo e bem-sucedido o “Celestial Objects for Common Telescopes”
(ele se refere especialmente a versão revisada lançada pela Dover em 1962. O
Original é de 1894).
Ao
lado do obvio fato que todos os livros mais antigos se encontram muito datados
e desatualizados cosmologicamente existem outras razões porque um novo Guia
Observacional se faz necessário. A Primeira é que os primeiros guias foram
escritos para possuidores dos telescópios padrões em 1900. Estes seriam em sua
maioria acromáticos de até 75 mm. Hoje em dia o telescópio padrão pode ser considerado
refletores com algo entre 150 e 300 mm.
Isto abriu um imenso mundo de DSO´s para o amador.
Em
segundo lugar o imenso aumento do conhecimento astronômico causou uma mudança
no foco de interesse dos amadores nas últimas décadas. Os antigos guias se
concentravam muito em objetos mais locais como estrelas duplas e variáveis e as
nebulosas e aglomerados mais espetaculares eram incluídos, mas sua descrição se
limitava em muito ao visual já que carecíamos de fatos. galáxias não eram
sequer mencionadas como tal já que desconhecíamos a natureza das “Nebulosas
espirais”. “
E
assim nasce o “Burnham´s celestial Handbook” que embora hoje também já
levemente datado é o mais completo e interessante guia observacional que
conheço. Um eterno favorito. E como trata-se de um guia observacional e não de
um livro de cosmologia suas informações continuam, no geral, completamente
validas. Uma distância aqui e uma
idade acolá não me parecem falta grave.
A
partir do Burnham o mercado editorial cresceu muito e os guias foram se
tornando mais especializados e/ou mais completos. Entre os completos eu indicaria o “Webb Society Deep Sky Observer´s Handbook “. Este um guia observacional por excelência. Cinco
Volumes englobando quase tudo que existe. Cada um dedicado a um DSO especifico.
(Estrelas duplas, Galáxias, Aglomerados, nebulosas planetárias e Aglomerados de
galáxias). Apresentação descritiva de
todos os objetos por diferentes equipamentos. Outro na mesmo linha é “Observing
Handbook and Catalogo f Deep Sky Objects” de Lunginbuhl e Skiff. Embora bem
mais conciso trás o que pode-se chamar de “o filé”.
Depois
disto temos os que chamo de Guias temáticos. O modelo padrão é a série “Deep
Sky Companions” do O´Meara. Cada um vai abordar um catalogo especifico e são
livros que além de apresentarem uma descrição visual irão adentrar pela
história e cosmologia de cada um dos objetos além de impressões de cunho mais
pessoal. Algo que remonta até Smith.
De
volta a M56 este é um objeto que tem modesta descrição tanto no “Cycles” como
no “Common Telescopes”. Abaixo sua
apresentação no “Cycles”.
A apresentação de M 56 no "Cycles". Pode-se perceber um pequeno erro de Smith. M 56 foi descoberto por Messier em 1779. Quando ele fala em uma profundidade de "344th order" significa que Herschel calculou a distancia do aglomerado como 344 X mais distante que Sirius. |
Já
Webb nos diz que “Mais para o tênue, talvez resolvível com minhas 3 7/10
polegadas, em um belo campo em rica região.
Entre 3o e 4o de Beta Cygni”.
É
curioso que Webb tenha tido a impressão de resolver M 56 com tão modesto
telescópio. Me parece muito otimista. Lunginbuhl em seu conciso, porém realista “Handbook”
nos diz que o mesmo é “visível um telescópio de 60 mm em um rico campo com uma
estrela de 10a magnitude no canto oeste. Com um 150 mm ele é
granuloso com 50 X de aumento e começa e se resolver parcialmente com mais aumento... Se resolve
completamente com 200X em um aparelho de 250 mm”.
Minhas
observações me levam a concordar em gênero, número e grau com as descrições de
Luginbuhl. Mesmo sendo um aglomerado pouco denso não vejo a menor chance de
solução com nada menor que 150 mm.
M
56 é um globular da classe x na escala Shapley. Isto faz dele o terceiro menos
concentrado globular do Catalogo Messier. É mais denso apenas que M 55 e M 71. Com uma orbita bem excêntrica, porém pouco
inclinada M 56 pode estar a 40.000 anos luz do centro galáctico para daqui há alguns
milhões de anos se encontrar a pouco milhares de anos luz do mesmo. No momento está
na parte mais externa de sua orbita e se encontra a 27.000 anos luz de
nós. No ano 2000 foi descoberta uma “cauda”
de raio x que segue M 56 em sua orbita. Isto pode indicar uma interação entre
este e o gás existente no halo galáctico conforme este se move. Mas é um caso
em estudo...
Com
cerca de 200.000 massas solares (segundo Stoyan. Outro guia nos moldes atuais .
Trata do Catalogo Messier e é um primor...) não chega a ser um grande
aglomerado. Sua estrela mais brilhante atinge magnitude 13. Sawyer-Hoog
calculou uma magnitude média de 15.3 para as estrelas mais brilhantes de M 56.
Sua estrela mais brilhante é uma variável do tipo RV Tauri. Foram encontradas
mais 5 estrelas do tipo no globular. Estas estão presentes também em Ômega Centauro,
M2, M 5, M10 e M 28.
Localizar
M 56 não é difícil. Geralmente parto de Albireo (Beta Cygni) em direção a Vega
(Alfa Lyra) junto a buscadora. E acabo esbarando por ele enquanto passeio pelos
belos campos estelares da região. Ele será percebido como uma pequenina bola de
algodão com 10x5omm.
As fotos aqui apresentadas foram resultado do stacking de 22 fotos com 30 seg de exposição ASA 1600 . Foram utilizados 6 dark frames para calibragem. A foto que abre o post passou por u processo de 2 Drizzle no Deep Sky Stacker e posteriormente teve seu gradiente resolvido no PixInsight. A foto que passou pela astrometria não passou pelo drizzle e foi tratada no Fitswork.
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