A
Ursa Maior não é exatamente o que se pode chamar de uma constelação austral. Nas latitudes cariocas ela é dificilmente
percebida e suas estrelas mais boreais não chegam a ser visíveis. Mas como
andei viajando pelo norte do país e não há como não admitir que ela seja uma
das constelações mais famosas do céu e que apresenta atrativos inegáveis ela
vem hoje nos visitar.
Na
verdade um asterismo que pertence à Ursa Maior é uma espécie de Cruzeiro do Sul
dos céus boreais. As sete estrelas mais brilhantes do grupo são tão famosas que
tem apelidos em quase todas as culturas. Formam o que os norte-americanos chamam “Big
Dipper” (que é aquela concha que usamos para servir sopa), os ingleses se
referem ao asterismo como “The Plough” (o Arado) e os franceses a chamam de “Cassarole”.
Não bastando isto o grupo é ainda conhecido na Escandinávia como a “Carroça de
Thor” ou como” O Vagão de Odin” (pai de Thor e por isto dono de um veiculo mais
luxuoso...). A História continua com os antigos egípcios imaginando o Pernil de
um Touro. Os árabes e judeus viram um caixão. E os primeiros cristãos batizaram
o asterismo como “O Caixão de Lazaro”.
Agora
quem percebeu as sete brilhantes estrelas e suas companheiras mais apagadas
como um gigantesco urso é uma história perdida nas brumas do tempo. Curiosamente
esta impressão transcende diversas culturas que, supostamente, jamais se
encontraram. São encontradas referencias ao “grande urso” em fontes tão diversas
como os antigos gregos e romanos como em tribos de nativos americanos. Seria
isto uma coincidência? Ou um indicativo de uma origem comum escondida nas raízes
de uma Ásia há muito esquecida?
Existem
diversas lendas ao redor deste urso celestial.
Os
antigos gregos contavam que esta seria uma encarnação de Callisto , uma jovem e
bela mulher por quem Zeus se apaixonou. Temendo o ciúme de sua esposa Hera ele
a transfigurou em uma ursa e a colocou em segurança no céu. Posteriormente ele
coloca seu filho, Arcas, ao seu lado. São respectivamente a Ursa Maior e a Ursa
Menor.
Do
outro lado do mundo e muito antes de influências europeias existirem por aqui
diversos nativos americanos possuíam mitos em que as mesmas estrelas também
representavam um Urso.
Casal Algoquine |
Entre
os Algoquines, da América do norte, a lenda gira entorno de um malvado urso que
deixa sua toca todas as primaveras e que vem trazer morte e destruição para sua
tribo. Finalmente em uma desesperada tentativa de impedir esta carnificina os
lideres tribais mandam seus três melhores guerreiros para caçarem a besta. .
Nesta história as estrelas que formam o cabo da concha representam estes
guerreiros. Na maioria das outras lendas estas estrelas formam a cauda da
Ursa... De qualquer forma estes guerreiros continuam a caçar a ursa pelos céus
durante o verão e quando se aproxima o outono um dos caçadores a atingem com
uma flecha. E conforme o sangue da ursa pinga pela paisagem as folhas outonais
são empasteladas de vermelho, laranja e amarelo. Parece que a ferida não foi
mortal já que a ursa e seus perseguidores retornam aos céus todas as
primaveras.
Agora
vamos falar das estrelas razão deste post.
Se
você perceber a estrela que se encontra no centro do cabo e prestar bastante
atenção poderá perceber uma companheira mais discreta. Os Algoquines viram esta
discreta companheira como uma grande panela que um dos guerreiros carregava em
suas costas para cozinhar o urso quando o capturassem. Outras tribos imaginavam
um cavaleiro e um cavalo. Eles utilizavam estas estrelas para testar a acuidade
visual de seus guerreiros.
Hoje
sabemos que a dupla de cavalo e cavaleiro possuem os nomes arábicos de Mizar e
Alcor.
Mizar,
a mais brilhante, brilha com magnitude 2.3. Alcor é de magnitude 4.0, ou cerca
de cinco vezes mais tênue. A companheira foi batizada, em Latim, de Eques
Stellula, “O Pequeno Cavaleiro Estelar”.
Na
verdade sabemos muito mais que isto.
Mizar
é um sistema quádruplo composto por duas binárias. O movimento próprio de Mizar e Alcor indica
que ambas viajam juntas pelo espaço (são ambas membros do Grupo Móvel da Ursa Maior). Entretanto ainda ha duvida de serem
gravitacionalmente associadas. Mas estudo recente (2009) indica que Alcor é ela
mesma uma binária e que o sistema compartilharia de um centro de massa em comum
com Mizar. Isto faz do nosso pequeno cavaleiro estelar um sistema sêxtuplo.
Observar
Mizar e Alcor e separa-las a olho nu é um desafio desde a antiguidade. Não
chega a ser tão difícil quanto parece. Com um pequeno passeio a latitudes mais
boreais que as do Rio é fácil. A separação é enorme. 11,5 minutos de arco.
Na
verdade se percebe também mais uma estrela no conjunto. Tyc 3850-257-1. Com magnitude 7,5. Também conhecida como Sidus Ludoviciana.. Sua
descoberta é uma história interessante. Foi um dos mais famosos equívocos astronômicos
e Johann
Georg Liebknecht jurava tratar-se de um planeta...
Sir
Patrick Moore dizia que o verdadeiro desafio seria perceber este discreto
membro (apenas óptico) no conjunto. Não há a menor duvida. Chega a ser duvidoso
que isto seja possível. Mas...
Com
auxilio de qualquer aparelho óptico (no meu caso foi um binóculo 15X70) existem
mais surpresas.
Mizar
foi a primeira estrela dupla telescópica descoberta. (Mizar A e B) descoberta,
provavelmente, por Benedetto Castelli (que também observou a tal Sidus
Ludoviciana e enterrado as pretensões planetarias de seu colega quase cem anos
antes destas surgirem...) em 1617 . Este
pediu a Galileu que a observa-se. Este então produziu registros detalhados da
dupla. Posteriormente Riccioli a descreveu como dupla (1650).
Mizar A e B |
A
estrela secundaria, Mizar B, tem magnitude 4 classe espectral A7. Chegando a
380 UA (unidades astronômicas) uma da outra Mizar A e B demoram alguns milhares
de anos para completarem seu passeio em volta uma da outra.
Mizar
foi ainda a primeira Binária espectral a ser descoberta.. Por Pickering em
1889. Binárias espectrais não podem ser separadas visualmente e são descobertas
estudando-se as linhas espectrais de um sistema por longos períodos de tempo.
Mizar
e Alcor são excelentes alvos para o astrônomo urbano sendo visualizadas mesmo
baixas no horizonte e em área de poluição luminosa. E são parte da história da astronomia desde a
pré-história.
Separa-las
a olho nu é um desafio que acompanha a humanidade desde os seus primórdios. E
uma honra.
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