O
mês de maio foi bastante ingrato para a astronomia. Fui transferido para um
universo paralelo cheio de luzes e sombras. Uma espécie de “Wonderland” onde
não existia Alice. Realizando um
comercial pra uma grande marca esportiva eu e uma imensa equipe fomos parar no
mundo dos espelhos. Uma gigantesca tenda com 400 m² cheia com estes entes
reflexivos nos mais variados formatos e tamanhos. Um espaço muito louco e com
horários de funcionamento determinados pelas vontades de um craque de bola que
não nos dava muita pelota... Foi assim
por 20 dias (ou noites). Tudo isto em um estádio “condenado”. E nunca por menos
de 18 horas em cada 24...
“Voltar
para casa” foi muito bom. Olhar pela janela e avistar o Cruzeiro do Sul foi
extremamente reconfortante. Realmente me senti de volta ao Brasil...
A
história do Cruzeiro do Sul é intimamente relacionada à história do próprio
Brasil. A menor das constelações é também uma das mais famosas. Com seu
característico formato de cruz ele é conhecida e cantada nos dois hemisférios.
Cruzeiro do Sul e Saco de Carvão
Mas
até ser o Cruzeiro do Sul muitas navegações foram necessárias. E segundo as
lendas a primeira vez que esta teve sua forma característica identificada foi
durante a viagem de Pedro Álvares Cabral. A mesma que “descobriu” o Brasil.
Embora
mais famosa a carta de Pero Vaz de Caminha é aqui ofuscada pela carta de João
Faras. O Mestre João. Esta deve se tratar do mais importante documento
astronômico de toda expedição de Cabral. Não só ela apresenta o primeiro esboço
de céus austrais, identifica a forma do Cruzeiro e levanta a lebre de que as
terras visitadas por Cabral não eram novidade nenhuma...
Mas
fugindo das conspirações ela não deixa duvida de que foi o Mestre João o
primeiro a atribuir o Nome de Crucis (Cruz) para a constelação que agora
chamamos de Cruzeiro do Sul. Suas observações
são muito mais claras e evidentes que as realizadas pelo navegador italiano
Américo Vespúcio.
Há
pouca informação sobre este tão esquecido explorador, coomólogo, cientista,
médico, piloto e etc... Em um site de origem suspeita descobri somente o
seguinte:
João Emeneslau, Johannes Meister, Meister
Johanne, o Mestre João de Fares ou João Faras – conforme registro na Torre do
Tombo em Lisboa – astrólogo (?),
médico e piloto da esquadra de Pedro Álvares Cabral, batizou e fez o primeiro
levantamento oficial das estrelas que compõe a
constelação do Cruzeiro do Sul. Registrou as coordenadas de Porto Seguro e a 1 de maio de
1500, em carta a Dom Manoel, o Venturoso, rei de Portugal à época dos
descobrimentos, relatou suas descobertas.
Descobri ainda, agora graças ao grande Ronaldo
Rogério de Freitas Mourão, que ele era também um dos dois únicos judeus
conhecidos na frota de Cabral.
Em
sua carta ele fala:
“Senhor,
ao propósito, estas guardas nunca se
escondem, antes sempre andam em derredor sobre o horizonte e ainda estou em
duvida que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o polo antártico; e
estas estrelas, principalmente as da Cruz,
são grandes como as do Carro; e a
estrela do polo antártico, ou sul, é pequena como a do Norte e muito clara, e a
estrela que esta acima de toda Cruz é
muito pequena”.
No
texto podemos perceber certa confusão. Mas de qualquer forma a referencia a Cruz
e ao Cruzeiro são claras. Parece-me evidente que Mestre João talvez tenha
avistado Sigma Octans (estrela polar sul) nestes tempos pré-telescópicos. E
quais seriam as guardas que ele se refere também é difícil afirmar de quem se
tratem. Afinal Alpha e Beta Centauro não são circumpolares da altura de Porto
Seguro. Mas sua comparação ao Carro (uma parte da Ursa Maior) e aos
guardas (estrelas no Carro que apontam para a estrela polar Norte) deixa claro
que ele realmente esta falando do cruzeiro e das cercanias do Polo celeste Sul.
È
provável que o piloto de Cabral tenha avistado Nu Octans. E acreditado que esta
trata-se da estrela polar Sul. Eu mesmo já fiz isto... E com Buscadoras, Binóculos
e telescópios a meu dispor.
De
novo graças ao Prof. Ronaldo Rogério de Freitas Mourão as únicas estrelas
circumpolares facilmente visíveis a olho nu e logo ao alcance de Mestre João
nas latitudes baianas seriam Beta e Gamma Hydra. As estrelas de Octans são bem
discretas... E As estrelas do Cruzeiro não são circumpolares nas Latitudes por
onde andava João quando pela Terra Brasilis.
Ainda
em seu livro “A Astronomia na época dos Descobrimentos” o Prof. Mourão
apresenta a poesia de Gerardo de Melo Mourão, na “Invenção do Mar” apresentando
nosso herói:
“Mas
na terra de Cabral
Elas
foram primeiro reveladas
E
nominadas por Mestre João-Mestre João Alemão-
Johannes
artium et medicinae bachalaurius
descobridor
de estrelas
e
o físico-cartografo nelas viu o signo santo
seu pentestrelo persignado
desde a a estrela ao pé da cruz
até à g na cabeça.
Alpha
e Gama crucis
Medidas
em seus graus, chamadas por seus nomes.”
Em
meio a esta carta de enorme valor ele apresenta o que é o primeiro mapa celeste
do Brasil. E levanta algo da bruma que seu rebuscado texto causa aos modernos
leitores... O piloto, cientista, médico e etc. parece que possuía uma visão
muito desenvolvida.
Pelo
desenho se deduz que o Mestre João de Farras identificou as seguintes estrelas:
Delta Crucis, Acrux, Gacrux, Beta Crucis, Beta Centauri, Alpha Centauri, Alpha
Circini, Beta Triangulo Austral, Gamma Triangulo Austral, Alpha beta Triangulo
Austral, Épsilon Apodis, Xi Pavonis, Delta Apodis, Gamma Apodis, beta Apodis,
Nu e Sigma Octans. É importante ressaltar que as modernas constelações austrais
só foram definitivamente estabelecidas no século XVIII com o trabalho de Lacaille.
Se
o antigo astrônomo localizou, de fato, a estrela polar sul permanece um
mistério. Assim como se os antigos navegadores sabiam ou não de terras por
estas bandas...
Com
as histórias de Mestre João ou João Alemão na cabeça e com saudades de observar
algo, tirar a poeira do “Newton” (meu refletor) e mais ainda de fazer algumas
fotos eu me preparo para visitar as estrelas que formam o meu hospitaleiro
Cruzeiro que, nesta época do ano, fica bem de frente para a minha janela na “Stonehenge
dos Pobres”.
Nunca
tinha fotografado todas as principais estrelas do Cruzeiro. E com meu corpo
antigo e cansado deste meu viver no “Pais da Maravilhas” acho que seria um
programa legal e fácil. Usando de exposições relativamente curtas e com alvos
facilmente visíveis pelo LCD da câmera eu poderia ter uma calma e tranquila
noite de astrofotografia e ainda visitar a “Cruz de João” e as estrelas que o
mesmo batizou. Depois poderia ainda fazer umas fotos com minha zoom 18-55 mm do
conjunto da obra. De novo sem alinhamento polar, mascaras de Bathinov, duvidas
sobre o foco e contorcionismos junto a ocular. E ainda me sentido de volta ao
lar.
Alpha
Crucis ou Acrux é um belo sistema binário facilmente separável. Mesmo as mais
modestas lunetas serão capazes de resolver este belo par. Ambas com uma cor
esbranquiçada. Trata-se de um sistema binário verdadeiro e ambas as estrelas
dividem um centro de massa comum. Na verdade trata-se de um sistema triplo com
a componente c muito próxima para ser percebida de forma ótica (apenas 1 UA).
Ambas as componentes visíveis são da classe B e muito quentes. Encontram-se à
aproximadamente 321 anos luz de nós e sua orbita é bastante longa ao redor do
dito centro de massa. Mais de 1500 anos. É também conhecida como a “Estrela de Magalhães”.
Foi a Primeira estrela dupla que observei. E creio que a primeira que
fotografei...
Depois
de fazer algumas exposições de 4 segundos desta eu parto para Beta Crucis ou
Mimosa.
Esta é também uma dupla. Otica e espectografica. A estrela que voce ve a sua esquerda não é relacionada a ela fisicamente. Não chega
ao esplendor de sua irmã maior, mas ainda assim é um espetáculo a parte. É uma
estrela do tipo B e uma variável do tipo Beta Cephei. Apesar de jovem já
consumiu a maior parte do hidrogênio em seu núcleo. É possivelmente a estrela
de 1ª magnitude mais quente conhecida. 27.000 k. É uma daquelas que prefere
viver dez anos a mil que mil anos a dez. Se encontra há 280 anos luz do Sol.
Ela serve como marco para se chegar Ngc 4755, a Caixa de Joias. O DSO mais
famoso do Cruzeiro do Sul.
Seguindo
o sentido horário chego até Gama Crucis. A Rubiácea. Minha favorita. Uma bela
dupla ótica de esquisito colorido. Sua principal merece o nome. Parece um grão
de café cereja. Maduro e pronto para a colheita. O colorido da dupla garante o espetáculo.
Também conhecida como Gacrux é a gigante vermelha mais próxima do Sol. 88 anos
luz. Sua companheira ótica se encontra a 400 AL...
A
próxima parada é Delta Crucis . A Pálida. Já mais apagada que suas colegas ela
chega a sumir em noites de lua cheia e de forte poluição luminosa. Com um
brilho branco azulado ela merece seu nome. Uma beleza pálida. Seu colorido me
lembra de alguns filmes de vampiro. Ela já se encontra saindo da sequencia
principal e esta se desenvolvendo rumo a tornar-se uma gigante vermelha. Seu
tipo é B2 IV (subgigante) e ela se encontra a 345 AL da terra. Ela também é
candidata a ser uma variável do tipo beta Cephei
E
finalmente a Intrometida. A estrela que não devia estar lá. Apagada e
avermelhada ela é difícil de perceber a olho nu aqui no Rio de Janeiro. Ela é
uma gigante laranja da classe K3 III. Encontra-se há 228 anos luz da terra.
Como
já vem se tornando um habito apresento abaixo as fotos realizadas e devidamente
empilhadas tanto pelo Rot n Stack como pelo Deep Sky Stacker. Nem sempre
consigo me decidir sobre qual é o melhor resultado. Embora saiba que o DSS é
mais poderoso...
Novamente percebo mais detalhes no DSS . Mas mais cores no RnS. Achei que tinha descoberto um meio de aumentar a saturação das fotos no proprio DSS. Mas desta vez não funcionou...
As fotos não sofreram grandes processamentos. E o resultado é "pretty much" o que sai do resultado de empilhamento. No DSS eu apenas ( como sempre é necessario) "desço na curva" RGB. No Rns (como sempre) faço um pequeno crop no Photo shop.
As fotos das estrelas são apenas uma exposição de 4 segundos em cada uma sem acompanhamento.
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