A história da nebulosa localizada por Messier enquanto
buscava pelo retorno do cometa Halley e que acabou por leva-lo a criar o primeiro
Catálogo de DSO reunindo 109 objetos pelos quais não se deveria procurar foi
uma das primeiras lendas astronômicas que eu tive contato. Como bom
conquistador do Inútil não resisti e pouco depois comprei meu primeiro
telescópio.
A história da M1 é marcada por pódiums: Ela foi a
primeira entrada do catalogo Messier, a primeira nebulosa de vento de Pulsar
descoberta (um novo estagio ou um tipo atípico de remanescente de supernova ...)., o primeiro
Pulsar descoberto e a Segunda Supernova
registrada durante o período histórico (1057)1
Com este invejável currículo ela foi um dos primeiros DSO
que busquei em minha vida. Observa-la não foi tão fácil quanto esperava. Embora
bem próxima de Zeta Taurus ela não se entrega facilmente.
Quando observamos a nebulosa do Caranguejo com pequenos
telescópios o que nós vamos perceber ( perceba que não usei o verbo ver...) é uma
nevoa onde a densidade de matéria que podemos observar já foi descrita como
" a coisa mais perto de nada ser e ainda assim ser alguma coisa.".
Mas é muito mais que isto: é o que nós não podemos ver(
em pequenos telescópios) que faz
dela ainda mais fascinante. E o DSO
perfeito para falar em um dois dos assuntos favoritos aqui no Nuncius Australis,
Evolução Estelar e astrofotografia.
Como já falei no nascimento e evolução de aglomerados
diversas vezes e no ultimo "post" a respeito a capacidade deprocessamento dos computadores ainda nãodava conta de condições mais extremadas de densidade e pressão de criaturas
mais exóticas eu pulei a parte referente a Estrelas de Nêutrons...
Já não é sem tempo de corrigir esta injustiça e também
de eu tomar vergonha na cara e tentar fotografar este DSO que tanto estimo.
Vamos fazer assim: primeiro Estrelas de Nêutrons e depois fotografia.
M1 é um
remanescente de Supernova e uma nebulosa de vento de Pulsar. Embora com uma
origem comum são coisas diferentes. No meio da confusão do que restou desta
explosão existe uma estrela de Nêutrons.
Para chegar ser uma estrela de nêutrons a matéria tem que
percorrer um longo caminho. Contei muitodesses processos em outros posts.
Para se construir modelos teórico de estrelas - o único
caminho para se realizar o retrato da evolução das estrelas em uma escala humana de tempo - os cientistas fazem
uso de cinco equações básicas que expressam as leis da físicas necessárias para
tal feito.
São estas as "Equações
de estrutura estelar".
Primeiramente, já que a gravidade é o que mantém
as estrelas unidas, existe uma equação
baseada na Lei da gravitação de nosso querido Isaac Newton que relaciona a
pressão com a massa e a densidade da matéria dentro da estrela. Esta relação
é a " Equação do Equilíbrio Hidrostático".
Depois existe uma equação
simples que conta aos astrofísicos como a massa e a densidade da matéria dentro
de uma estrela estão conectadas: " A
Equação de Massa".
Já que as
estrelas são quentes e irradiam luz há de haver uma equação que conta ao
astrofísicos como a temperatura no interior da estrela esta relacionada ao
"output" de luz da mesma. Esta é a "Equação do Transporte Radioativo".
Em adição , reações lá no
fundo das estrelas geram a energia que
as faz brilhar. "A Equação da
Geração de Energia".
E finalmente a "Equação de Estado" contém as informações sobre as
propriedades e comportamento dos gases da estrela; relaciona a pressão do gás
com sua temperatura , densidade e composição química.
Isto soa muito complicado mas atualmente pode ser
resumido da seguinte forma:
Astrofísicos devem aplicar as leis da natureza para
construir modelos de estrelas . Estas leis estão contidas em cinco equações que
os astrofísicos possuem em seus computadores . Os seus computadores então obtém
confissões em forma de magnitudes absolutas
e classes espectrais de "estrelas-modelos". Se estas
confissões batem com o que os astrofísicos vêem na cena do crime ( o céu) os
astrofísico se cumprimentam e concluem que entenderam as propriedades destas
estrelas.
Em um rápido flashback vamos recordar que as estrelas se
formam a partir de condensações em frias nuvens de gás intra-estelar. A
gravidade faz a nuvem colapsar sobre si mesma. A pressão , temperatura e varias
outras variáveis aumentam e finalmente surge uma proto estrela. Quando o
hidrogênio, o equilíbrio hidrostatico, a massa o equilíbrio e mais alguns
amigos atingem determinado ponto o Hidrogênio entra em ignição e as reações
termo nucleares acontecem; temos uma estrela. Mas o tempo não para e a estrela
acaba por fumar todo seu hidrogênio e as equações continuam seu trabalho e a
matéria precisa se reorganizar. A pressão
que suportava a estrela não mais existe. A estrela deve colapsar sobre si
mesma. Novas leis da física começam a operar para conter esta contração.
Pense por um momento no que deve acontecer no interior de
uma estrela moribunda e colapsante de mais ou menos uma massa solar. Conforme a
estrela colapsa os átomos dentro delas vão ficando cada vez mais
"espremidos". Conforme a estrela colapsa mais e mais os átomos
começam a colidir violentamente e são escalpelados de seus elétrons. Logo todos
os átomos estão completamente ionizados e a matéria dentro da estrela consiste
de "núcleos carecas" boiando em um mar de elétrons ( adoro licenças
poéticas...).
Em condições "normais", átomos neutros são
basicamente espaços vazios. Elétrons orbitam os núcleos em distancias
especificas "autorizadas". Entretanto se os átomos de um gás estão
completamente ionizados os elétrons e o núcleo pode ser comprimidos em um
volume muito menor que se os átomos se encontrassem intactos.
Muito antes de a
matéria dentro de nossa colapsante estrela atinja um ponto onde núcleos e
elétrons estejam " se tocando" certas leis da física entram em campo.
Em particular uma importante lei da mecânica quântica,"O Principio de Exclusão de Pauli",
que nos explica dois elétrons idênticos não podem ocupar o mesmo pequeno
volume. Ou seja existe um espaço minimo onde podem ser empilhados determinados
numero de elétrons. Algo que tornaria um ônibus na hora do Rush um espaço
vazio... Se a estrela tentar agrupar mais elétrons por "metro
quadrado" que o permitido por Pauli o "pau canta". E ela
encontra uma tremenda resistência.
O Principio da Exclusão de Pauli e a mecânica quântica aplicada a matéria
altamente comprimida tem profundas
implicações no mecanismo de " morte estelar". Quando uma estrela como
o nosso sol "falece" a pressão e a temperatura na estrela sobe rapidamente até que os elétrons estejam no menor volume permitido para eles sob as leis
da mecânica quântica. Neste ponto a matéria da estrela é dita "degenerada" os elétrons são um
"gás degenerado". Este
degenerado "mar de elétrons" produz uma enorme pressão que resiste
vigorosamente a mais compressão. E cada
pequeno volume dentro da falecida estrela se encontra o maior numero de
elétrons permitidos pelas leis da física. Temos uma anã branca.
Para chegarmos até nossa estrela de Nêutrons a matéria
ainda tem que ser submetida a mais um julgamento e a mais leis da natureza. Um
processo longo.
Outro nome que costuma habitar os textos respeito de
"criaturas estranhas no zoológico cósmico" é o do brilhante
astrofísico S. Chandrasekher . Foi ele que descobriu que quando uma estrela com
a massa semelhante a do sol colapsa até o tamanho de uma esfera de
aproximadamente 16.000 km de diâmetro temos uma anã branca.
Mas Chandrsekhar descobriu também que anãs brancas não
podem existir com massas superiores a 11/4 massas solares. É o "Limite de Chandrasekher".
Até o final dos
anos 60 , a maior parte dos astrônomos acreditavam que todas as estrelas
terminavam seus dias como anãs brancas. Parecia existirem suficientes anãs
brancas espalhadas pelo céu para darem conta de tantas estrelas mortas... Se
acreditava que todas estrelas ,no momento de sua morte, conseguiam se livrar de
material suficiente (seja como nebulosas planetárias ou supernovas) para que seus núcleos mortos
não passassem de 11/4 massas solares.
Mas... suponhamos que uma estrela que depois de explodir
como supernova ( estamos nos aproximando de M1) tenha em seu núcleo morto uma
massa de 2 sóis. Ou seja: acima do Limite de Chandrasekher. Conforme esta
falecida estrela com 2 massas solares se contrai sob seu próprio peso, a pressão do " mar de elétrons
degenerados" não é suficiente para
conter a contração. A estrela simples mente vai ficando cada vez menor. Como a
estrela continua a encolher a pressão e a temperatura dentro da estrela se torna
tão enorme que um processo digno de nota começa a acontecer. Quando a
compressão do material no interior da estrela chega a um ponto onde cada
centímetro quadrado pesa bilhões de toneladas de matéria as partículas atômicas
começam a ser comprimidas umas dentro das outras. Em particular os elétrons são
comprimidos dentro do núcleo dos átomos. Quando isto acontece os negativos
elétrons se combinam com os positivos prótons para produzirem nêutrons, Muito
rapidamente depois de iniciada a metamorfose "toda" a estrela se transforma
em nêutrons.A estrela inteira se transforma em um gigante núcleo atômico. Uma
estrela de Nêutrons nasceu.
Graças a uma outra lei da física , chamada
"Conservação do Momentum angular" que nos explica como coisas velozes
giram ou rodam. Estrelas de Nêutrons
giram muito rápido.
Para simplificar estas são algumas das caracteristicas da
estrelas de Nêutrons:
- Uma estrela de
Nêutrons é pequena, Seu diâmetro será de aproximadamente 25 Km.
-Uma estrela de
nêutrons é densa. Um centímetro quadrado do material de uma estrela de nêutrons
contem cerca de 1 bilhão de toneladas de matéria.
-Uma estrela de
Nêutrons roda muito rápido. Logo após a sua formação ela gira pelo menos uma
centena de vezes por segundo.
- Uma estrela de
nêutrons tem que possuir um campo magnético muito forte . O Campo magnético de
uma estrela de Nêutrons reside entre um bilhão e um trilhão de vezes mais forte
que o atual campo magnético do sol.
Para completar a saga de uma estrela de Nêutrons é
necessário falar o que acontece na superfície desta estrela. A matéria na
superfície não é ,nem de perto, tão densa quanto em seu interior. Ainda
permanecem muitos prótons e elétrons que não foram esmagados uns dentro dos
outros para formarem nêutrons e assim segundo a teoria eletromagnética estas
partículas carregadas (prótons e
elétrons) serão acelerados para os pólos magnéticos da estrela. Finalmente
chegamos a importante realização que dois fachos de luz devem emergir dos pólos
da estrela. Como um farol . Como um Pulsar.
Como falei M1 é uma Nebulosa de Vento de Pulsar. Chegamos
até a estrela de Nêutrons , o Pulsar e a Nebulosa que pretendia fotografar
desde o inicio do post. Reunidos são o conjunto da obra que formam e realizam a
Nebulosa do Caranguejo.
Estrelas de Nêutrons e Pulsares são a mesma coisa... E o
Pulsar de Caranguejo foi um dos primeiros a ser descobertos. A estrela que
alimenta a nebulosa foi "descoberta" em 1942 por Minkowski.
Tratava-se de um espectro óptico muito incomum . As coisas seguiram seu rumo e
em 1968 descobriu-se que a estrela emite sua radiação em pulsos rápidos. Nascem
uma estrela de nêutrons e um pulsar.
Pulsares são fontes de radiação eletromagnéticas intensas
e extremamente regulares. Sua regularidade levou a equipe que primeiro os
identificou batizarem-lhes de LGM. "Little Green Men".Como se suas
emissões fossem sinais enviados por uma outra civilização. A descoberta de uma
fonte de radio pulsante no centro da nebulosa foram uma forte evidencia de que
pulsares se formam em explosões de supernovas. Daí a ligarem os fatos e
estrelas de nêutrons e pulsares serem associados foi um passo. Dado dentro de
M1.
Agora que já percorri todo o caminho até o coração da
Nebulosa do Caranguejo e o ciclo de evolução de estrelas de massa acima do
Limite de Chandrasekhar e abaixo do Limite de Volkhoff- Oppenheimer vou contar
para vocês o ultimo pódium que M1 visitou.
Não posso deixar de apresentar o
belo paper realizado por J. Jeff Hester "The Crab Nebula: An Astrophysical
Chimera". É um trabalho que vai apresentar M1 com todas as honras. Você
pode acessa-lo aqui.
Finalmente astro fotografia. E o fracasso.
Ela foi o primeiro DSO do ano que não fotografei. Com
este post escrito a mais de um ano eu esperava ansioso pela oportunidade de
fotografa-la. O plano era perfeito. E assim falhou de forma retumbante.
Aguardei a época certa e fui de mala e cuia para Búzios.
O plano começou a falhar ainda no Rio de Janeiro. Já havia observado M1 com
diversos equipamentos. Mas a verdade é que somente como Newton ( meu refletor de
150 mm) consegui realmente a perceber sem o uso de subsídios do tipo visão
periférica, hiper oxigenação, balançar o telescópio e imaginação. Como sabemos
a família aumentou e eu resolvi levar apenas o Galileo ( um refrator de 70 mm).
Acreditando que o sensor C-mos de minha câmera faria o truque e garantiria a
aparição magica da nebulosa nas fotos. Erro crasso.
Búzios no ano novo apresenta um poluição luminosa digna
de cidade grande e assim até mesmo mirar o pequeno refrator em Zeta Tauri foi difícil. Em uma casa recém
"detonada" por uma enchente , minha esposa atacando de Rainha-Má e a
mosquitada fazendo festa em meus tornozelos comecei a perceber que a tal foto
estava ficando para o ano que vem...
Usando a buscadora calculava um "hop"
aproximado de onde deveria estar a Nebulosa.
Depois partia para a ocular na esperança de estar no
local exato.
Como o tempo e o
espaço são bem mais complexos do que parecem nem escaneando a região durante
horas consegui vislumbrar a nebulosa.
A tarefa se revelou acima do instrumental e do
instrumentista. Mas todas as vezes que consegui observar de fato M1 foi
seguindo este rumo e essa mesma forma. Com o Newton não chega a ser tão difícil
como possa parecer por esta experiência. Com minha ocular de 25 mm calçada no
Refletor eu parto em busca de M1 a partir de Zeta Tauri. Calculando o hop
diretamente pela ocular M1 se revela mais cedo ou mais tarde para minha velha e
cansada vista. Com o refrator não adiantou nem reza forte...
Mas astronomia até quando é um fracasso nos ensina e
assim prometi voltar com o Newton e fotografar M1 um outro dia. E fiz todo o
dever de casa e estudei bastante sobre a nebulosa propriamente dita. Esta é a
parte que vocês vão poder utilizar deste post. Quanto a astrofotografia.... Desta
vez os créditos vão para o Hubble.
Fotos feitas posteriormente . Acho que expressa bem o apelido. Parece definitivamente a carapaça de um Caranguejo... É fruto dsa mesma captura da foto abaixo. Mas esticada no PixIn Sight 1.8. |
P.S. Quase um ano depois acabei conseguindo fotografar M 1 . Com o auxilio de uma nova cabeça equatorial e e m noite de lua nova em Buzios . Ainda assim de forma discreta e com muio ruído....