David Pagel, em um dos mais celebrados
artigos da Climbing magazine (Leviathan: The legendary route on the legendary Eiger),
nos conta:
“Viajar metade do mundo para ver
ou fazer alguma coisa é considerado uma peregrinação. Está entre comportamentos
considerados normais. Realizar tal jornada duas vezes é, ainda, considerado aceitável. Quem entre nós não se permitiu, nostalgicamente,
revisitar alguma experiencia memorável de nossa juventude? Já fazer isso uma
terceira vez começa a levantar algumas suspeitas – dão pistas de uma
obsessão. Lá estava eu encarando pela
terceira vez a Face norte do Eiger, com os olhos de um moderno Ahab. E pela terceira vez em minha vida estava lá eu
tremendo de frio na sombra de minha baleia.
Eu ainda podia me considerar sortudo; tenho um amigo que já havia estado
ali oito vezes e ainda esperava pela oportunidade de se encordar para um ataque
a montanha.”
Quando
li essas palavras não pude deixar de me identificar. Como um membro da
comunidade dos “Conquistadores do Inútil” eu não podia deixar de me lembrar das
6 vezes que atravessei as trilhas da Diamantina indo até um poço frio de uma
das cachoeiras mais altas do Brasil. A primeira vez arrastando a cara metade e
me fiando em um mapa desenhado por uma menina que tinha feito a jornada alguns
anos antes., para piorar, depois disso fiz a Travessia do Vale do Paty também três
vezes em menos de um mês. Sendo a primeira vez sozinho e confiando em um mapa
que vira desenhado nas paredes de uma pequena pousada chamada “O Tatu Feliz” no
Vale do Capão.
Mas, novamente naquela noite de setembro de 2020, eu me lembrava das palavras de
Pagel. Dessa vez com mais preocupação. Era a enésima vez que eu procurava por M
72. O último globular do Catálogo Messier que me faltava conhecer. Essa peregrinação
já me levara por muitos milhares de anos luz da galáxia e se mostrava novamente
infrutífera. Em uma Armação dos Búzios cada vez mais iluminada e vagava por aquário
e nada do miserável se apresentar. Nem mesmo com o auxílio de Mlle. Herschel.
Uma cabeça equatorial com goto e que deveria, em tese, achar tudo que eu
pedisse para ela.
Provavelmente
Olavo de Carvalho deve nos dizer que Aquário é um signo de muita luz. Aliás não
conheço nenhum astrólogo que localize constelações no céu (bem, talvez Escorpião)
... e se me apresentar um que localize a constelação de Aquário ganha uma lata
de presuntada de presente. É um lugarzinho no universo difícil de se navegar e bem apagado. Nenhuma
estrela brilhante (as estrelas mais brilhantes de Aquario são de 3 mag.) e poucas estrelas em geral para se tentar realizar um “starhooping”
até qualquer DSO. Em céus muito escuros você terá alguma chance de perceber algo a olho nu na região. Aliás esse papo de que
a era de Aquário já começou e que a Luz venceu não parece estar de acordo nem
com a constelação e menos ainda com os novos tempos cada vez mais medievais...
Bem,
lá estava eu perdido no espaço, caçando por M 72 e tentando concluir a minha
peregrinação cósmica auto imposta de observar e fotografar todos Globulares do CatálogoMessier. Não sei se por causa da noite com
muita umidade, se o espelho do Newton (meu telescópio 150 mm f8) sujo ou se
devido a uma conspiração dos Pleidianos e do Papa eu não achava o maldito globular.
O último da coleção.
Finalmente,
depois de muitas horas, desconfio que há uma pequena mancha enevoada na ocular.
Mas uma daquelas no limite do existir. Quase sou obrigado a invocar Espinoza para
acreditar no seu existir, um exercício de monismo quase absoluto.
Na
dúvida apelamos para a tecnologia e depois de muitas fotos M 72 comparece.
Ainda que de forma tímida. O último do Globulares Messier a se revelar para
esse que vos escreve não é nenhum “showpiece”. Mas eu, enfim, conseguira
completar minha peregrinação. Chegára até Meca. Ou melhor ao Nirvana. Meca entre
os Globulares Messier fica em M 22.
Foi
Pierre Méchain que descobriu M 72 na noite de 29 para 30 de agosto de 1780. Um
dos mais difíceis Globulares Messier para se localizar (4 de 5 segundo Stoyan).
Messier o observa em outubro e descreve o mesmo como “nébula, a luz tênue como
o prévio (M 71). Uma estrela telescópica próxima.
Herschel
é quem denota sua verdadeira natureza em 1810. Seu filho posteriormente faz uma
descrição que me agrada; “Tênue, arredondado, 2´ de diâmetro; resolvível, mas
eu não vejo estrelas separadas o suficiente para contar. Um objeto bastante
insignificante.”
O
Admiral Smyth, em seu Cycles of celestial Objects, utilizando seu refrator de
5.9 polegadas diz perceber estrelas diminutas.
Se
localiza entre 58.510 e 62.750 anos luz de nós. Dependendo da técnica
utilizada. A esta distância ele se torna um dos Globulares Messier mais
distantes no catálogo. Sua localização o coloca muito além do centro galáctico e
este circula a galáxia em uma orbita retrógrada. E assim é, muito provavelmente
um Globular sequestrado da Galáxia anã de Sagitário. É um dos globulares menos
densos da lista com IX na escala Shapley. Com sua distância e sua estrela
apagadas não será resolvido com nada menor que um telescópio de 200 mm ou
mais. Com metalicidade bem baixa é um
objeto do halo galáctico externo. A pouco mais de 1º norte de M 72 habita a galáxia
Anã de Aquário. Mas não são relacionados. Esta está a 3 milhões de anos luz.
Observar
M 72 é mais fruto de uma obsessão do que uma peregrinação. Pelo Menos se seguirmos
a “Escala de Pagel”.
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