Com
a quarentena a astronomia acabou ficando meio de lado. Embora tempo livre não
fosse artigo em falta a “Cretinália” me afetou. E assim em tempos de
cloroquina e sem ministro da saúde eu acabei me chafurdando em minisséries e
outras atividades menos nobres. Curiosamente
o cineasta Jorge Furtado enviou um poema de Pope traduzido e por alguma razão
eu achei que era hora de tirar a poeira do Newton e começar a olhar o céu de
mais perto. Em vez de meus amados DSO´s resolvi
abrir uma temporada lunar. Até porque nela existem lições que não devem ser
esquecidas nos tempos que a terra plana parece ser levada a sério até no Itamaraty
e planalto central afora...
Inspirado
pelo momento político brasileiro, Jorge realizou uma boa tentativa de tradução
de um trecho de “The Dunciad” (A Cretinália), poema satírico de Pope onde a
deusa Torpeza ocupa o trono e manda aprisionar a Ciência, exilar a Arte e
amordaçar a Lógica.
Provavelmente
devido ao Exilio da arte eu ficarei sem trabalho um bom tempo. E com a mordaça
lógica meus clientes (na maioria estrangeiros) ficarão sem aparecer um bom tempo.
E desta forma devo aproveitar que o Lei de Broken vai se comprovar e eu terei
muito tempo. A Lei de Broken diz que quanto mais tempo tenho para a astronomia
menos dinheiro eu tenho.
Antes
de chegar até o Mare Nectaris e as lições e histórias escondidas no seu entorno
acho interessante esclarecer que a dificuldade desta tradução começa pelo
título, “The Dunciad”. O poema de Alexander Pope é uma sátira onde a deusa
Dulness (vossa Lerdeza) governa um reino de dunces (burros, ignorantes,
cretinos). Já vi o título “The Dunciad” traduzido por “A Duncíada”, o que mais
confunde do que ajuda. A tradução poderia ser “O Burrismo”, ou “O Ignorantado”
mas, pensando na classe governante brasileira, um grupo que inclui sicários
corruptos, militares saudosos das torturas, falsos pastores, vigaristas
alucinados, obscurantistas delirantes, punguistas profissionais, imbecis e
oportunistas patéticos, acho que uma boa tradução é “A Cretinália”.
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7 e 8 de Julho de 2020 |
Agora
rumo a Lua.
Fotografar
a Lua é uma tarefa bem menos árdua que DSO´s. Nada de alinhamento polar, acompanhamento
etc. É claro que se pode fazer isso de uma forma mais “profissional”. Geralmente
aí se utilizando câmeras de filmar e o Registax. Confesso que não é muito minha
praia. Mas considero possível obter resultados bastante satisfatório utilizando
uma câmara reflex e o Newton (Meu telescópio 1200 mm f8). É também uma das
poucas vezes que costuma calçar minhas barlows no telescópio. Barlow são lentes
que a maioria dos fotógrafos chamariam de duplicadores. Atuam como uma lupa. E
no caso de uma Barlow 2 X duplicam a distância focal do telescópio (ou mais
vezes dependendo da Barlow).
Além
das razões expostas anteriormente a lua vem nascendo em posição favorável para
a observação a partir da “Stonehenge dos Pobres” (a Janela de meu apartamento).
E assim nas noites de 7 e 8 de julho de
2020 lá fui eu desenferrujar.
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Bad Moon Rising. Foto artistica . Desobediência civil... |
Como
já falei fotografar a lua demanda menos esforço que quando se deseja fotografar
objetos de céu profundo (DSO´s). E assim além de tirar a poeira do Newton
coloco Hipátia para passear (minha cabeça equatorial EQ -3). Mlle. Herschel e
seus contrapesos ficam no armário e poupam essa velha coluna que se encaminha
para meio século esta semana do esforço. Não preciso de Go-to Para localizar a
lua nascendo a leste. Na verdade, comecei tão preguiçoso que nem buscadora
montei. Mas acabei tomando o mínimo de vergonha na cara e instalei minha 50 mm
no newton para salvar muito tempo. Afinal quando se fotografa de uma janela a
Janela de tempo existe. No dia 7 fiz
algumas fotos com o velho Galileo (um refrator 900 mm f 13) e com um Celestron
750 mm que peguei na casa de meu tio para reformar. Porem este possui um a
cremalheira plástica já toda comida e o foco se faz muito difícil.
Encurtando
o assunto fiz umas poucas fotos sem Barlow englobando a lua inteira. E depois
Passeei ao longo do “Terminator” (a região onde a luas se divide entre a parte
iluminada e escura) com minha Barlow 2X calçada.
Diversas
formações interessantes se apresentaram, neste post vou abordar em especial a região
do Mare Nectaris. Principalmente e só por isso devido aos personagens que
batizam as crateras e formações no seu ao redor.
Acho
importante dizer que os Mares Lunares são planícies de lava vulcânica bem mais
escuras que as regiões ao seu redor e remontam aos tempos que a lua ainda
apresentava atividade vulcânica. O Mare néctares se formou durante o período nectariano
(incrível coincidência...). Ou seja, algo entre 3.98 e 3.85 bilhões de anos
atrás...
O
Mare Nectaris (O Mar do Néctar) se localiza na região sudeste da lua. O que é
bastante curioso já que a lua não apresenta campo magnético significativo e,
portanto, uma bussola por lá é algo bastante inútil. Na verdade talvez a bussola vá apontar em direção a centro do Mar do Néctar pois foi achada uma concentração
de massa (MASCON) ou uma alta gravitacional em seu centro (vejo o mapa gravitacional
do GRAIL). Provavelmente nem isso.
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GRAIL |
Numerei
as formações que mais me agradam ao redor do Mar em sentido anti horário e
assim temos:
1. Theophilus
2. Cyrillus
3. Chatarina
Estas três sendo
os escudeiros na entrada noroeste do mare.
Teophilus é a mais jovem das três e sua estrutura revela isto. Enquanto Catharina
e Cyrillus são contemporâneas do Mare Nectaris, Theo (para os íntimos.) se
formou no período Eratostheniano. Este compreende algo entre 3,2 e 1,1 Bilhões
de anos.
4. Fracastorius-
É minha formação favorita no Néctar. A maior cratera da região. Imagino este
como um imenso golfo separado do Mar por um pequeno estreito. Fosse a lua um oásis
consigo ver um imenso litoral com mais de 150 km (a cratera tem 127 km de diâmetro).
A cratera é percebida com binóculos com 10X de aumento. O melhor período para
sua observação é 4 dias após a lua cheia (a foto foi feita 3 dias após). Mas o mais interessante e/ou folclórico é o
personagem que o batiza. Uma figura renascentista por excelência. Girolamo
Fracastorius nasceu em Verona em 1478 e faleceu na mesma Verona de Romeu e
Julieta em 1553. Cientista e poeta. Seus
grandes feitos foram o refinamento da Teoria das esferas homocêntricas e um “famoso”
poema sobre a Sífilis. As esferas homocêntricas
tiveram papel na matemática de Copérnico. Na verdade, o poema de Fracastorius
dá o nome Sífilis a doença. “Syphilis
sive morbus gallicus” (Sífilis ou a Doença Francesa) conta a história de um
pastor chamado Syphilus que insultou Apolo e foi punido com uma terrível
doença. Fracastorius foi um epidemiologista sensato para seus tempos e nos
deixou também a primeira descrição sobre o Tifo. Não teria nenhuma chance no
Ministério da Saúde de nossos tempos.
5. Cook
6. Colombo
7. Magalhães
Desnecessária
a apresentação. Mas em tempos de Terra plana é sempre bom lembrar que Cook foi
o descobridor da Nova Zelândia, Havaí e alimentou com sua própria carne alguns
nativos do pacífico. Colombo descobriu a América dando a primeira prova de uma
terra esférica, mas errando por alguns milhares de quilômetros e Magalhães da a
primeira volta ao mundo batendo um último prego no caixão do Araújo. E no dele também já que morreu no processo.
8.. Gutenberg-
Na extremidade Sul do Montes Pirineus que marcam o limite leste do mare Nectaris
e o separa do Mare Fecundidatis. Uma Cratera que me parece mais uma divisão
entre duas cristas dos Morros. Mas em tempo de fake News o inventor da “Imprensa”
e da Prensa tipográfica não poderia ser esquecido. É uma cratera bem antiga. Do
Pré Imbriano. Algo entre 4,5 e 3,5 Bilhões de anos. Logo mais antigas que as
montanhas ao seu redor (que são do período Nectariano)
9. Capella
– Uma Cratera contemporânea de Gutenberg e que homenageia o inspirador de Copérnico.
Martianus Capella. Um Jurista cartaginês do século V que escreveu uma teoria de
como Vênus e mercúrio giravam ao redor do sol.
10. Isidorus-
Essa fecha o círculo e marca o promontório Nordeste que limita e o separa do Mare Nectaris do mare Tranquilitatis. Forma belo par com Capella. Homenageia Isidoro de Sevilha. Este serviu
como arcebispo de Sevilha por mais de três décadas e é considerado, nas
palavras do historiador do século XIX Montalembert numa frase muito citada, "o
último acadêmico do mundo antigo”. Na época da desintegração da cultura
clássica, marcada por violência aristocrática e analfabetismo, Isidoro se
envolveu na conversão da casa real visigótica, ariana, ao catolicismo, ajudando
seu irmão Leandro de Sevilha, e continuando seu trabalho depois de sua morte.
Ele era muito influente no círculo mais íntimo de Sisebuto, o rei da Hispânia
visigótica e, com Leandro, destacou-se nos concílios de Toledo e Sevilha. Sua
fama depois de morto baseou-se em sua "Etymologiae", uma enciclopédia
que juntou fragmentos de muitos livros antigos que, não fosse por isso, teriam
sido completamente perdidos. Hoje em dia
provavelmente seria considerado muito avançado e não teria nenhuma chance como
Bispo na IURJ. Afinal não achava a ignorância melhor que o saber e parece nunca
ter vendido indulgências.
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Virtual Moon Atlas |
A região do
Mare Nectaris é melhor observada entre o terceiro e o quinto dia depois da Lua
cheia. A margem leste próximo ao terceiro e a oposta junto ao quinto. Mas
lembre-se que no terceiro dia você vai ver tudo aqui apresentado . No quinto
não... E supondo que a lógica já tenha
sido solta você também pode observar bem a região entre 4 e 5 dias depois da
Lua Nova.
Muito interessante! Você conta as histórias muito bem. Aprende-se sobre a Lua e sobre História. Muito bom.
ResponderExcluirA idéia do post é justamente lembrar lições que a História já nos ensinou e que a "Cretinália" não parece ter entendido. Sem medo do lugar comum: quem não conhece a história repete sempre os mesmos erros.
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