Esta primavera
está sendo dedicada ao aglomerado galáctico de Coma-Virgem. Na última Aporema
(uma comemoração astro-indígena-pagã e uma lenda...) capturei diversas galáxias
na região e aos poucos estou organizando e dissecando todo o material. Como não
poderia deixar de ser as Galáxias do aglomerado que pertencem ao Catálogo
Messier (Um catálogo de nebulosas elaborado no sec. XVIII e onde está o filé
mignon do céu profundo para possuidores de pequenos telescópios) são o fio
condutor da tarefa. Em uma área de navegação delicada e poucos faróis estas são
o porto mais seguro que encontraremos. Mas mesmo entre estas nem tudo é tão
simples. Eu pensei em organizar o
material seguindo o caminho natural. Começaria com M 49 (a Messier de menor
valor que registrei e a primeira do bando registrada também pelo eu profundo de
Messier. Seu outro eu foi Méchain...) e
terminaria a série em M 105 (Já em Leão, depois da casa das centenas e numa
entrada póstuma...).
Mas
M 91 acabou me surpreendendo. Primeiramente por ter se revelado muito
fotogênica. Talvez a minha favorita da série. Espirais barradas me são caras. E
depois por ser considerada um objeto perdido de Messier. Uma entrada
controversa e cheia de mistérios. Apesar de um mundo cheio de certezas nada me
garante que a galáxia aqui apresentada seja a mesma que Messier viu. Mas tudo
indica. É mais que muitas das notícias que recebo atualmente via whats up ou na
web. Diversas publicações e autores confirmam e defendem a tese. Nestes tempos
de pós verdade é mais que suficiente para o meu post...
Não bastasse ser um objeto
Messier perdido O´Meara nos diz que esta foi primeiro observada por Bode em
1771. Fazendo de uma história confusa um tremendo forrobodó. Nenhuma outra fonte indica que isto tenha
acontecido e estou convencido que se trate de um erro de tipografia. Se tudo
mais for verdade o primeiro a observar M 91 foi mesmo Messier na noite de 18 de
março de 1781. Nesta noite ele nos diz em seu caderno de anotações (o avô do
Blog...): “Nebulosa sem estrelas em Virgo. Acima da anterior, número 90. Sua
luz é ainda mais tênue que desta.”
Nesta
noite Messier descobriu nada menos que 7 outras galáxias no aglomerado de
Virgem- M 84, M 85, M 86, M 87, M 88, M 89 e M 90- e um globular M 68 em
Hércules. M 91 foi a última descoberta da noite. Nesse momento, já cansado, ele
comete um lapso que vai dar pano para manga por 188 anos. É importante ressaltar que antes disso (ou um muito
depois. A ordem dos fatores se perdeu na bruma do tempo e não altera o
produto...) ele acrescentou a seguinte nota na entrada 91 de seu catálogo: “Nota:
A constelação de Virgo e sobre toda sua asa norte, é uma das constelações que
possui mais nebulosas. Esse catálogo inclui 13 das que foram lá detectadas,
sendo estas as entradas 49, 58, 59, 60, 61, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91.
Todas essas nebulosas se apresentam sem estrelas. Só podem ser vistas em
excelentes condições de céu e próximas a passagem meridiana. A maioria destas
me foi apontada por M. Méchain”.
Ele
aponta que a posição da nebulosa de número 91 é 12h 26m 28s, 14o 57´
06´´.
Nada visível em 1781 ou
atualmente habita na posição. Owen Gingerich, provavelmente na série de artigos
para Sky and Telescope que tornou o catálogo Messier tão famoso (agosto e setembro
de 1953), destaca esse fato e “acusa” o veterano caçador de cometas de ter sido
ludibriado por um desses “vagabundos do Sistema Solar”. Bastante improvável. É bom lembrar que o catálogo
Messier tinha como raison d´être indicar nebulosas justamente para que
astrônomos não perdessem tempo com estas enquanto deveriam caçar cometas... Ou pelo
menos assim reza a lenda.
Geralmente
sigo uma cronologia quando pesquiso sobre os Objetos Messier. Primeiramente
sempre o catálogo original. Neste a posição realmente nos leva a lugar nenhum.
Depois sigo para o primeiro Guia Observacional como nós os conhecemos. Este é o
Volume 2 do Cycles of Celestial Objects, também conhecido como The Bedford
Catalogue. Aí a coisa se torna mais confusa. Embora M 91 não possua uma entrada
só dela na entrada relativa a M 88 Smyth nos fala: “... Esta é uma
maravilhosamente nebulosa região, e a matéria difusa ocupa um extenso espaço,
na qual diversos dos mais interessantes objetos de Messier e dos Herschel serão
logos percebidos pelo observador atento em extraordinária proximidade. O
diagrama abaixo apresenta a disposição desse na nebulosa vizinhança ao norte de
Messier 88; sendo precedida M 84 e seguida por M 58, 89, 90 e 91...”
![]() |
Cartes du Ciel. |
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O diagrama de Smyth. Ele foi espelhado e invertido para simjular o céu austral. |
Aí podemos perceber que ele
conhecia a galáxia e que provavelmente já a observara. E não só isso como o
diagrama que ele nos legou demonstra M 91 em posição correta em relação a seus
pares. Abaixo podemos comprara o digrama de Smyth a mesma região no mapa
extraído do software Cartes du Ciel. O diagrama de Smyth foi espelhado para
parecer que foi feito no Hemisfério sul. Mas a semelhança e precisão é
inegável. O Livro é datado de 1844.
De
qualquer maneira isto parece não ter influenciado os guias posteriores. Nem
acalmado a dúvida de seus autores...
Seguindo
meu método o próximo alfarrábio a ser consultado é o “Celestial Objects for
Common Telescopes” de Webb. Este não
apresenta M 91 nem mesmo como Ngc 4548. Essa é seu registro feito por Herschel
e durante muito tempo uma descoberta sua...
A
coisa segue assim e chegamos já a século XX e ao Celestial Handbook de Burnham.
Uma parada obrigatória. Assim com Smyth esse fala de M 91 na sua entrada a
respeito de M 88. Mas não garante que esta seja uma entrada válida de Messier e
coloca mais lenha na fogueira. “A Pouco mais de 1o a ESE ´é a
posição de um “misterioso objeto perdido” de Messier, M 91, em 12350n1402. O descobridor,
em março de 1781 a descreve como uma nebulosa sem estrelas... ainda mais tênue
que M 90. Inda que Shapley e outras tem teorizado que M 91 talvez tenha sido,
na verdade, um cometa que se foi me parece mais provável que foi apenas uma
observação duplicada de algum objeto da região, provavelmente com a posição
registrada de forma errônea. A Galáxia próxima Ngc 4571 foi sugerida como uma provável
candidata. O. Gingerich (o do artigo) acha que uma observação duplicada de M 58
seja a explicação mais plausível.
Questões como essa talvez nuca sejam resolvidas de forma plausível.”
Tudo
indica que Gingerich tinha mudado de ideia. Ngc 4571 é por demais apagada para
os equipamentos que Messier Possuía. E é certo que Burnham nunca tomou
conhecimento da carta escrita por William C. William, de Forth Worth no Texas,
que parece ter posto fim a questão. Pelo menos quando chegamos aos alfarrábios
finais na minha linha de pesquisa.
Em
se tratando de Messier geralmente encerro a fatura com os “Deep Sky Companions:
The Messier Objects” de O´Meara e o “Atlas of the Messier Objects: Highlights
of the Deep Sky” de Stoyan. E em ambos eles aceitam que William resolveu o mistério
e bateu o último prego no caixão de M 91.
Em
uma carta escrita e publicada na Sky and Telescope de dezembro de 1969 ele
realmente parece ter descoberto o caminho das pedras.
![]() |
Sky and Telescope Dezembro 1969. Essa , por algum motivo, é uma das poucas S&T não disponíveis gratuitamente no Archives.... Me saiu a fortuna de US$ 5,99. A versão para download. |
Nesta ele fala: “...o astrônomo
francês descreve esta como “Nebulosa sem estrelas e mais tênue que M90. E nos dá a posição como 12 h 26m 28s e +14o
57´ 06´´. Corrigido para 1950 teremos 12h 35m 0s e + 14o 02´. A seguir continuaremos em coordenadas para
1950 (Em quase 200 anos até galáxias mudam de lugar. N.T.). Minha solução para
o quebra cabeça assume que Messier determinou a posição para M 91 medido sua ascensão
reta e declinação em relação a galáxia próxima M 89 (já que não há nenhuma
estrela adequada na região):
NGC 4548 12h 32m. +14° 46'
M89 12h 33m. 1 +12° 50'
diferença -O m.2 +1°56'
A
seguir assumo que ele, por engano, aplicou as diferenças observadas para as
coordenadas de M 58, uma galáxia de 9a magnitude que ele registrara
2 anos antes;
M58 12h35m.1 +12° 05'
diferença -Om.2 +1°56'
"M91" 12h34m.9 +14° 01'
Com
isto o desvio é de meros 0m. 1 e 1´em declinação. O Skalnate Pleso nos dá uma magnitude visual
para Ngc 4548 e M90 de 10.8 e de 10.o respectivamente. Isso confirma a
afirmação de Messier que M 91 é a amis tênue das duas. A mesma fonte nos dá o
tamanho de Ngc 4548 como 3.7 por 3.2 minutos de arco.
Já
que Ngc 4548 é provavelmente a longo tempo perdida M 91, como membro do Messier
Club eu ficarei feliz em ver esta bela galáxia espiral retornar ao catálogo
Messier”.
As contas são boas e tudo indica
que um amador sério resolveu um belo quebra cabeças que já durava mais de um
século.
M
91 é uma bela espiral barrada e membro bone fide do aglomerado de Coma-Virgem.
Longas exposições em setups mais poderosos que o aqui utilizado demostram
grande quantidade de poeira em seus braços. M 91 habita o subgrupo do
aglomerado associado a M 87. Sua velocidade radial é de 486 km/s. A baixa presença
de hidrogênio neutro pode ser causada por encontros com outras galáxias nesta
tão densa área. Sua distância foi medida a partir de variáveis cefeídas e é
estimada com bastante precisão em 52.000.000 de anos luz.
M 91 é considerada uma das mais
difíceis galáxias Messier para ser observada visualmente. A Observação com o
Newton (refletor 150 mm f8) confirma isto e é uma mera assombração com o uso de
muita visão periférica e hiperventilação.
Recomendo chegar até M 84 e 86 e com o dever de casa bem feito
serpentear pela cadeia de Markarian. Comece localizando M 86 e M 84faça seu
dever de casa e chegue até ela. M 88 é um marco importante. Na foto acima é a
galáxia no canto esquerdo lá embaixo. A última da linha, mas na verdade ela não
faz parte da corrente de Markarian. Essa se encerra em M 88.
![]() |
M 88 e M 91. O final da jornada. |
As
fotos aqui apresentadas são frutos de diversos processamentos a partir de 35
exposições de 45 segundos com ISO 1600. Câmera Canon T3 e uma lente Pentax 300
mm f 4.5. Foi utilizada uma cabeça equatorial HEQ 5 pro. Navegar por Virgo é bem mais fácil com auxílio
da astrofotografia que visualmente. Recomendo fortemente, que sendo possível,
você faça antes uma incursão fotográfica a região e depois parta para o visual.
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